Entrou a empurrar o carrinho de bebé, embora a miúda já andasse, devia ter uns três aninhos. Não importa, vinha com a avó, percebi e vinha no carrinho. A avó não era velhinha e vi que tomava conta daquela neta a tempo inteiro. Apesar de estarmos no centro de uma cidade grande, há naquela zona, um quê de bairro, delicioso. Percebi pelas coisas que dizia à neta e pelas respostas da garota, que esta não andava ainda no Jardim-de-Infância. E tinham ido passear a uma livraria de uma cidade grande. Viam os livros, as imagens, falavam sobre isso e a avó fazia observações à menina sobre alguns daqueles livros, os que já tinha lido, os que queria ler. Percebi que era amante do tema, como eu. Percebi que gostava daquele ambiente, como eu e que facilmente se perderia por ali, esquecida do tempo. Não se pôde esquecer. A urgência da menina pequena fê-la procurar rapidamente a secção infantil que era na cave. As escadas até lá eram em caracol, degraus de soalho, antigos, lustrosos, condicentes com o estilo clássico do edifício e degraus altamente escorregadios. Percebi que hesitou em descer com o carrinho. Menina, sacos, mochila pequena, bolsa da avó, tudo ia pendurado nas pegas do carrinho, imagem tão comum em todo o lado. Nunca é só a criança que se leva! E se o episódio feliz de uma avó e de uma neta tão pequenina, a passearem numa livraria de Lisboa me deliciou, a antipatia, indiferença, postura acabrunhada e distante do (também) miúdo mais graúdo que estava a atender, irritou-me profundamente. Foi absolutamente incapaz de perceber a necessidade de ajuda da senhora para descer com o carrinho e a menina. Encolheu os ombros com um ar displicente e apontou sem olhar para a escadaria sem fim. Acho que nem percebeu que fui eu ajudá-la. Enquanto descíamos, comentávamos a dificuldade das acessibilidades em tudo-e-mais-alguma-coisa e a aventura que é andar (só) no passeio e aceder a pisos difíceis como este. Mas não pude deixar de me deliciar com a cena: uma avó teimosa a contrariar a pressa e a querer mostrar livros bonitos a uma neta pequena. Mesmo com aquela escadaria de entremeio. Imaginei esta miúda crescida a perceber que parte do seu gosto por livros passou-lhe esta avó, quem sabe… (ou se calhar esta parte já sou eu a divagar…).
Quanto ao miúdo graúdo que estava a atender, até pode saber detalhes enciclopédicos na ponta da língua e conhecer muitos autores e datas de edição, mas quanto a mim, não sabe nada da vida, pelo menos, nada daquilo que não vem nos livros e que se aprende com os outros, todos os dias.