Dei por mim, estes dias, a pensar no valor dos símbolos. Olhamos para a Cruz, nós cristãos e identificamos, não apenas a figura de Cristo, mas todos os valores que consideramos mais importantes e estão associados à nossa Fé.

Para os comunicadores (e nesse sentido, temos de realçar a figura de Charles Sanders Pierce, linguista que estudou detalhadamente este tema), falamos de algo que, por força de convenção, semelhança ou contiguidade semântica, designa um determinado tipo de signo, cujo significante (realidade concreta) representa algo abstrato (poderá ser uma nação, uma religião, uma medida de tempo, uma empresa, um som, etc.) e que é percebido num determinado contexto.

Vejam o caso das línguas e dos alfabetos. São símbolos, que convencionaram representar sons e ideias, perpassando todos os aspetos das nossas vidas. Representam, sugerem, substituem realidades concretas, para que a comunicação seja facilitada.

Ora, no caso dos países, convencionou-se que devem ter símbolos nacionais, que os permitam identificar em qualquer lugar e situação, nacional e internacionalmente. Em Portugal, a Constituição da República Portuguesa, nos seus artigos 11.º, n.º 122, define que são dois os nossos símbolos: a Bandeira Nacional, símbolo da soberania da República, da independência, da unidade e da integridade de Portugal; e o Hino Nacional, designado “A Portuguesa”.

O seu uso é considerado tão relevante, que são dignos de tutela penal e, no caso da Bandeira, tem mesmo legislação específica para o seu uso: o Decreto-Lei n.º 150/87, de 30 de março. O Código Penal, referindo-se ao uso dos símbolos nacionais, no seu ponto V, artigo 332º, n.º 1, refere o seguinte: «Quem publicamente, por palavras, gestos ou divulgação de escrito, ou por meio de comunicação com o público, ultrajar a República, a Bandeira, ou o Hino nacionais, as armas ou emblemas da soberania portuguesa, ou faltar ao respeito que lhes é devido, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias».

No caso de certos países, uma divisa é agrupada ao conjunto dos símbolos nacionais. É o que se verifica, por exemplo, com a França e o “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” ou o Brasil com “Ordem e Progresso”.

O que importa realçar, é que, sendo resultado de convenções e percebidos num contexto, se se alterarem radicalmente os símbolos que identificam algo, há sérias possibilidades de a comunicação não se conseguir realizar.

Esta reflexão surgiu depois de vermos o símbolo do Governo ser alterado, para algo bastante minimalista e, dizem, mais inclusivo, plural e laico. Um retângulo, um círculo e um quadrado, com as principais cores da bandeira (verde, amarelo e vermelho), ocupam, agora, o lugar do brasão de armas.

Os jogos políticos e os interesses por eles manifestados, a mim não me interessam nem um pouco, mas a verdade é que a introdução e, sobretudo, a compreensão deste novo símbolo não foi um processo natural, mas um processo convencionado e por poucos. Acredito que a maioria dos portugueses não o compreenda, mas a verdade verdadinha, vamos ser honestos, é que grande parte dos portugueses também não entendem a simbologia da bandeira, porque isso não é valorizado no panorama atual.

A conotação com todos os elementos que compõem o brasão de armas da bandeira e que representam muitos elementos da história do país não existe, nem para o dito brasão, nem para o “logotipo” que agora o vem substituir, pela vontade do governo. Não há, por parte dos “recetores” (na linguagem de Pierce) e dos “prosumidores” (na linguagem de Bruns), o reconhecimento devido do valor destes símbolos, como algo aglutinador e que, na realidade, transmite uma mensagem. As bandeiras e o hino não são somente aquelas coisas que levamos connosco e cantamos fervorosamente nos jogos de futebol. Supostamente, serão a nossa identidade, marca de quem somos, facto que implica um aprofundamento da sua compreensão muito maior do que temos.

Não sei se estou de acordo com a mudança dessa identidade visual, mas creio que a haver, deveria ser, no mínimo, bem explicada previamente e, no máximo, objeto de consulta dos portugueses, pois na verdade, estes é que terão de definir se reconhecem, como um signo capaz de os definir, aquilo que agora foi proposto. Uma cruz é sempre uma cruz e percebemos que ela ali está; será que percebemos o que está por detrás de um retângulo, um círculo e um quadrado? Que cada um possa refletir sobre o tema, que, não sendo vital, não deixa de ser interessante.