João Costa é um jovem de 26 anos, formado em engenharia agronómica e consultor técnico-comercial de uma empresa fornecedora de soluções e fatores de produção para a agricultura.
Tem feito a sua caminhada cristã na paróquia da Sé de Faro, integrou a equipa diocesana do Movimento dos Convívios Fraternos e, mais tarde, a do Setor Diocesano da Pastoral Juvenil.
Para além disso, é ainda o rosto no Algarve da organização da Jornada Mundial da Juventude que este ano decorrerá em Lisboa, de 1 a 6 de agosto, e foi nessa condição que quisemos ouvi-lo. Entrevista conduzida por Samuel Mendonça.
Como tem sido esta experiência de liderar esta organização, enquanto delegado diocesano para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e coordenador do Comité Organizador Diocesano (COD)?
São cargos a mais. Trata-se de liderar, não no sentido mau da palavra de ser chefe de alguém, mas de, em conjunto com a Vânia [dos Santos], uma peça muito importante, tentar levar a bom porto este dom da JMJ que Deus dá à Igreja.
Tem sido, sem dúvida, uma graça, embora difícil. Do ponto de vista pessoal é muito bom estar envolvido naquele que poderá ser o acontecimento que vai marcar as próximas gerações e, certamente, o próximo passo da Igreja portuguesa e também da Igreja diocesana. Sentir que somos um bocadinho parte disso e que há uma «gotinha» nossa neste «oceano» de tanta coisa, é muito estimulante.
Depois há todo um trabalho que tem sido feito desde a JMJ do Panamá. Tivemos a nossa primeira reunião nacional em julho de 2019. Tem sido um caminho muito difícil e com muitos desafios impostos pelo mundo: uma pandemia e consequente adiamento da JMJ de 2022 para 2023, uma guerra e uma crise. Mas, do ponto de vista pessoal, – e este é um sentimento que partilho também com os outros com quem trabalho no COD e no SDPJ – é uma bênção fazer parte disto e ver que Deus vale-se da nossa vida e faz dela instrumento para que a JMJ seja algo marcante para a nossa Igreja e para o nosso país.
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Não damos o nosso tempo livre ao COD, mas tempo que pensávamos ter para estar com as nossas famílias, muitos para estarem com os seus filhos
Sem uma estrutura profissional, tem sido possível levar a cabo essa organização?
Todos os que estamos associados ao COD temos a nossa vida, os nossos trabalhos, a nossa família e não damos o nosso tempo livre ao COD. É muito mais do que o nosso tempo livre, é tempo que pensávamos ter para estar com as nossas famílias, muitos para estarem com os seus filhos. É uma entrega que vai muito para além do profissional. Era ótimo ter alguém completamente focado só nisto do ponto de vista pessoal e profissional. Não é possível. Se não é possível, temos de encarar este caminho com as dificuldades de não ter uma estrutura profissional, mas também com os aspetos positivos de não a ter. Há uma união resultante desta entrega que é quase total. Agora, então, estamos numa altura em que todas as semanas temos mais do que uma reunião. E não é entre nós, muitas vezes é com as [estruturas] nacionais ou com equipas dos centros de atividades. Era bom, e seria um bom passo para a nossa Igreja diocesana, que pudéssemos ter alguém destacado só para a juventude. E não só ao nível da juventude, mas de tantos outros departamentos da pastoral. Era bom, mas não é possível. E é com estas «armas» que temos à mão que temos de enfrentar esta «batalha».
E com um acontecimento destes em mãos e a organização que implica, calculo que essa necessidade seja ainda mais premente.
Sim, por motivos óbvios e evidentes como uma simples reunião. Todos temos os nossos trabalhos, mas temos de participar em reuniões de trabalho com entidades parceiras, como câmaras municipais, que têm um horário de expediente que coincide com o nosso. Somos nós que temos de dar do nosso tempo porque somos nós os interessados. Outras vezes temos reuniões em Lisboa ou noutros pontos do país e, sendo nós, a seguir aos elementos das ilhas, os que estamos mais longe, muitas vezes, para não ser uma grande estafa, é preciso ir na véspera ou prolongar a estadia para o dia seguinte e são dois dias que retiramos. Por estes pormenores, era bom ter alguém a tempo inteiro, mas também porque estaria intelectualmente disponível só para isto. Nós pensamos 24 horas por dia neste projeto, mas também temos as preocupações inerentes aos nossos trabalhos.
“Era ótimo e um sonho que o convite para a JMJ chegasse a todos. No Algarve existirão algumas falhas na tentativa de chegar a todos, particularmente àqueles que estão fora da Igreja, mas tem sido uma batalha nossa
O coordenador geral da JMJ desejou numa reunião ocorrida no Algarve que os 21 COD’s se sintam parte da organização e “não apenas fornecedores de conteúdos”, de “mão-de-obra e produtos”. Sentes que a Diocese do Algarve tem sido verdadeiramente envolvida na organização nacional?
Sinto que tem sido feito um trabalho de ambos os lados, com altos e baixos, para que este caminho seja verdadeiramente conjunto. Um trabalho nosso, pois, para além da participação nas tais reuniões nacionais, muitas vezes pedem-nos ajuda, inclusive para alguns conteúdos muito específicos e nós tentamos, dentro da nossa disponibilidade, dar esse contributo. E um trabalho da parte da organização nacional que tenta sempre envolver-nos nalgumas questões, sendo que não é possível termos poder de decisão, de escolha ou de aconselhamento em tudo o que se refere à JMJ. Mas, muitas vezes, falaram connosco. O processo de concurso do hino e do logótipo, por exemplo, foram temas debatidos, discutidos, ouviram as nossas opiniões e depois tomaram a sua decisão. Houve alguma discussão e abertura à nossa contribuição. Acho que tem sido bom, sobretudo para a nossa Igreja nacional.
Sentem, portanto, que a vossa opinião é tida em conta?
Em certos momentos senti que sim e noutros senti que não, o normal num caminho completamente novo para todos, um caminho que não estamos habituados a fazer na Pastoral Juvenil nacional e que é quase obrigatório de tão necessário. E essa obrigatoriedade deste trabalho em conjunto, tal como numa relação, tem altos e baixos.
E isso também tem trazido uma aprendizagem no sentido de uma maior comunhão para o futuro em termos de Pastoral Juvenil em Portugal?
Espero que sim. Espero que esse seja um dos frutos desta colaboração, particularmente com a estrutura nacional, o COL [Comité Organizador Local], mas também com os outros COD’s. Muitos COD’s têm também grande relação com a respetiva Pastoral Juvenil diocesana. Há um trabalho conjunto, uma rotina mensal de encontros, de debates, de trocas de ideias e de telefonemas. Há um caminho e um trabalho que pode dar frutos. É preciso também pô-lo em evidência no final disto tudo, reunirmo-nos e pensarmos se, com base nisto, no que trabalhamos e fizemos até agora, valerá a pena continuar e termos uma envolvência nacional a pensar numa pastoral nacional, com uma coordenação e uma unidade nacional ou se cada um continuará com as particularidades de cada diocese a fazer como até aqui.
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A unidade nacional [da Pastoral Juvenil] pode sair muito valorizada desta experiência
Mas isso não acontece já ao nível do Departamento Nacional da Pastoral Juvenil da Conferência Episcopal Portuguesa?
Sim, a coordenação é feita. Mas a unidade nacional pode sair muito valorizada desta experiência.
E há a consciência de que este acontecimento resulta também de um trabalho que foi feito durante muitos anos na Pastoral Juvenil nacional, sob a liderança de vários diretores nacionais, no sentido de desejar muito que ele acontecesse em Portugal?
Não sei se há essa noção de que a JMJ em Portugal é um desejo antigo. Se calhar não pensamos nisso. Eu próprio não tinha essa noção e consciência de que é o trabalho de tantas lideranças da Pastoral Juvenil e da Conferência Episcopal. É fruto do trabalho, da oração de muitos e o sonho de tantos que se pode cumprir agora.
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O objetivo dos ‘Rumo ao 23’ era que todos os meses acontecesse um bocadinho de JMJ ou de pré-JMJ que nos fizesse lembrar que ela está a chegar e que também vai acontecer nas nossas vidas
Que balanço é que se pode fazer destes encontros de preparação da JMJ denominados ‘Rumo ao 23’?
Tentámos ao máximo que todos os ‘Rumo ao 23’ fossem diferentes ao nível das atividades de cada um. Realizar um encontro preparatório de partilha e comunhão todos os meses envolve muitas reuniões, trabalho e, muitas vezes, as pessoas também se sentem desgastadas e cansadas neste caminho. Pode nem sempre ter corrido bem, mas muitas vezes correu muito bem. A participação foi sempre variável, tendo em conta os locais e o dia da semana em que calhou, e penso que se tem feito um bom trabalho que é evidenciado também pelo número crescente de paróquias participantes. Temos paróquias que não participavam tanto em eventos diocesanos em contexto de Pastoral Juvenil e que já vão participando. Os próprios grupos já se preparam para participar nos ‘Rumo ao 23’. É um balanço que acho que é positivo, sobretudo pelo aumento do interesse na JMJ. Esse era o objetivo: que todos os meses acontecesse um bocadinho de JMJ ou de pré-JMJ que nos fizesse lembrar que ela está a chegar e que também vai acontecer nas nossas vidas.
Quantos jovens algarvios estavam inscritos até ontem (26 de janeiro de 2023)?
Estamos cerca de 630 inscritos, porém não sei dizer o número certo de algarvios. Consigo dizer que, no macrogrupo da Diocese do Algarve, temos cerca de 630 peregrinos inscritos. A JMJ é uma iniciativa do Dicastério [para os Leigos, a Família e a Vida] e está pensada e organizada para uma faixa etária indicativa dos 14 aos 30 anos. Porém, o Dicastério abre as inscrições a toda a gente por ser um evento da Igreja universal, cuja porta não pode ser fechada nem a pessoas mais velhas, nem a mais novas.
“Temos a previsão de 1.000 participantes, portanto estamos a caminho. Mas continua a ser pouco tendo em conta que temos 80.000 jovens no Algarve com idade de participar na JMJ
Portanto, nesses 630 haverá também adultos?
Sim, haverá. Mas é um número residual. A grande maioria são adolescentes e jovens dos 14 aos 30 anos e animadores. Temos a previsão de 1.000 participantes, portanto estamos a caminho.
E essa previsão mantém-se?
Mantém-se até lá. Tudo o que vier a mais é ótimo e motivo de ponderarmos. E tudo o que vier a menos passará pelo mesmo circuito de avaliação. Podemos ficar contentes se forem mais ou tristes se forem menos, mas continua a ser pouco tendo em conta que temos 80.000 jovens no Algarve com idade de participar na JMJ. Se forem 1.000 estamos a falar de 1 a 2% e isso é residual, tendo em conta na nossa realidade.
“Todos são necessários para os ‘Dias na Diocese’
Os jovens algarvios estão a inscrever-se também como voluntários, seja nos ‘Dias na Diocese’, seja na JMJ?
Temos alguns algarvios que já estão incluídos na equipa de voluntários da JMJ. Não sei precisar quantos, mas são alguns.
Quanto aos ‘Dias na Diocese’, ainda não abrimos as inscrições para voluntários nesses dias, sendo que elas serão abrangentes também a adultos. Vamos precisar de todos. Todos são necessários para que os ‘Dias na Diocese’ sejam, de facto, um momento de partilha e de universalidade da mensagem de Cristo e um encontro com a sua pessoa.
As inscrições das famílias de acolhimento abriram a semana passada. Qual achas que vai ser a adesão?
Abriram no dia de São Vicente, 22 de janeiro, para ver se temos um bom padroeiro para as famílias de acolhimento. Para os ‘Dias na Diocese’ pensámos primeiro no plano B e só depois no plano A.
O nosso plano A será sempre as famílias de acolhimento. Se pudéssemos receber todos os jovens em famílias de acolhimento era ótimo. Era o nosso grande objetivo. Mas não vai ser possível, tendo em conta que estaremos numa época laboral muito forte aqui no Algarve, uma vez que a nossa população triplica com o turismo. Há também muita gente ainda com o pé atrás por questões relacionadas com a pandemia e com a crise.
Estipulámos aqueles números por centro de atividades que já apresentámos, tendo em conta as estruturas de alojamento coletivo existentes como escolas, pavilhões, etc.
Não temos previsão do número de famílias nem queremos ter, mas vamos tentar trabalhar ao máximo na estratégia de angariação dessa colaboração e, a partir daí, contar com as que a ela aderirem.
Ainda são cerca de 20 os países que manifestaram interesse em enviar jovens para passar cá essa semana que antecede a JMJ?
O interesse tem aumentado. Acho que já temos entre 60 e 70% da lotação prevista.
E a lotação prevista são 10.500?
Sim, sendo que não estamos a contar com os 5.000 da Comunidade do ‘Chemin Neuf’. Portanto, da nossa parte são 5.500 e temos já cerca de 60 a 70%. São muitos os países, são mais de 20 nacionalidades. Tem havido muito interesse de alguns países, em particular o Canadá, Espanha e França. Se não me falha a memória, até das ilhas Marianas, que têm de fazer dois dias de viagem. O João Mendonça, que é o responsável da área logística que está muito envolvido na organização dos ‘Dias na Diocese’, teve uma reunião com o bispo de lá e vamos ter um grupo de lá. Penso que já tenhamos uma representação de todos os continentes. Se faltar algum será a Oceânia. Temos uma representação quase mundial.
Mas de confirmados?
Sim, confirmados.
“Concerto com ‘Gen Verde’ e Missa de envio no dia 30 de julho de 2023 no Estádio Algarve serão não apenas para os participantes nos ‘Dias na Diocese’, mas abertos a toda a Igreja algarvia
Anunciaste na assembleia diocesana que “todos os peregrinos [participantes nos ‘Dias nas Dioceses’] vão confluir para o Estádio Algarve”. O que é que está previsto lá acontecer?
Está previsto um evento no dia 30 de julho de 2023 que será dedicado não apenas aos participantes nos ‘Dias na Diocese’, mas aberto a toda a Igreja algarvia. Será uma tarde no Estádio Algarve com um concerto com o ‘Gen Verde’ e uma Missa de envio de todos os peregrinos que participarão na JMJ – os nossos e os estrangeiros –, concelebrada por todos os bispos, incluindo o nosso, e pelos padres que queiram também concelebrar. Toda a diocese é convidada a participar neste evento. Se se pudesse encher o estádio era ótimo. Seria uma grande expressão da Igreja diocesana.
Para além do bispo do Algarve que outros bispos estarão presentes?
Os de algumas dioceses de países, cujos jovens virão para cá nessa semana.
O coordenador geral da JMJ e o nosso bispo apelaram diversas vezes a que os jovens sejam “embaixadores da JMJ” nos seus contextos “para que o convite da JMJ chegue mesmo a todos”. O convite está a chegar a todos?
Não tenho essa informação. É, sem dúvida, desafiante serem embaixadores da própria pessoa de Cristo. Não sei se o convite vai chegar a todos. Esperamos que sim. Da parte do COD tentamos dar as ferramentas necessárias para que esse convite chegue a todos. É uma excelente pergunta, mas se calhar só daqui a 10 anos é que teremos a resposta. Era ótimo e era um sonho que chegasse a todos.
D. Américo Aguiar também disse que “no verão de 2023 existirão em Portugal 1,8 milhões de jovens portugueses, com idade entre 14 e 30 anos, que todos querem que estejam na jornada”. Tu próprio ainda agora referiste que o Algarve conta com 80.000 jovens com idade para participar naquele evento. Tendo em conta que ele é também para quem está fora da Igreja, o que é que tem sido feito para promover esta dimensão e como está a ser a adesão desses ao evento?
É um contexto muito particular. São muitos os desafios que se têm posto à nossa tentativa de chegar a todos para que, efetivamente, possam viver a exortação do Evangelho «Ide e anunciai o Evangelho a toda a criatura».
Há uma Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica que era necessária para trazer a verdade ao de cima; que trabalha e cujo resultado desse trabalho vai sempre influenciando a opinião pública, incluindo a dos jovens. Agora surgiu também a questão do valor do palco da JMJ… Existe toda uma opinião pública que não faz boa publicidade à JMJ, nem boa publicidade à nossa Igreja.
No Algarve existirão algumas falhas na tentativa de chegar a todos, particularmente àqueles que estão fora da Igreja, mas tem sido uma batalha nossa. Inclusive na peregrinação dos símbolos [da JMJ] tentámos ao máximo que eles passassem fora dos ambientes da Igreja, que pudessem ir para sítios onde fossem vistos e conhecidos, para que ao menos houvesse interrogação e que a partir daí pudesse até surgir o interesse de perceber o que são e, consequentemente, a oportunidade para apresentar o convite.
Tentamos também que nos ‘Rumo ao 23’, muitas vezes, haja oportunidade de fazer promoção. Lembro que, em Monchique, os jovens andaram a distribuir mensagens à população. Na Jornada Diocesana da Juventude, em São Brás de Alportel, houve um momento em que foram convidados a partilhar um tik tok para chegarem aos que têm a mesma idade, a ponto de também eles se poderem interrogar sobre o que é a JMJ. Tem sido feito um trabalho. Certamente que poderíamos ter dado mais passos neste sentido, mas com as debilidades que temos e com o que somos tentámos fazer o máximo possível e acho que fizemos alguma coisa. Tentámos que esta promoção e divulgação não fosse só para os jovens que estão cá dentro, mas também para aqueles que possam ter curiosidade e até para aqueles que possam não querer saber nada disto.
“A problemática dos abusos na Igreja tem afetado a consciência dos jovens e também a dos pais
Estou completamente de acordo com a Comissão e que o trabalho que ela está a fazer é necessário
E dificilmente alguém em Portugal neste momento poderá dizer que não ouviu falar já da JMJ. Mas já que tocaste aí em dois pontos, pergunto: a problemática dos abusos na Igreja tem afetado fortemente os jovens, mas pode ter consequências negativas também na sua participação na JMJ?
Sim, porque afeta a consciência deles e também a consciência dos pais. Pais que não estão integrados numa comunidade cristã podem não querer que os seus filhos participem porque têm o preconceito de que todos os padres são pedófilos. São acusações que regularmente ouvimos na praça pública que hoje é as redes sociais. Mas isto são as dores de crescimento de uma Igreja que procura a verdade. E estamos cá para isso, com as nossas debilidades. São as dores de crescimento de quem quer buscar a verdade e acho muito bem que, finalmente, se ponha que fim a uma prática antiga que está desatualizada. O melhor é sempre uma linguagem clara, sendo verdadeiros connosco próprios.
Estou completamente de acordo com a Comissão e que o trabalho que ela está a fazer é necessário. Estou completamente solidário com as vítimas que sofreram muito com a prática da altura que era a do silêncio e do «varrer para debaixo do tapete». Que essa não seja mais a prática da Igreja, mas antes e sempre a verdade e a abertura de coração porque é isso Cristo nos pede. Somos o que somos, somos pecadores. Não o devíamos ter sido, mas trabalhamos sempre para combater o pecado e tentar ser mais semelhantes à sua imagem.
Mas também estou completamente solidário com os próprios padres que são alvo de injustas perseguições.
“Felizmente ou infelizmente a comunicação social hoje em dia tem um papel de entidade reguladora
E também é preciso ter presente que a Comissão Independente foi constituída por vontade da própria Igreja.
Felizmente ou infelizmente a comunicação social hoje em dia tem um papel de entidade reguladora muito mais do que as próprias entidades reguladoras. Tem regulado o nosso sistema político, o nosso sistema social. Penso que nunca se tinha visto isto ao ponto de todos serem escrutinados. A mesma coisa também acontece com a JMJ.
Isso também é sinal de que a democracia está a funcionar.
Ainda bem que é. O problema é que muitas vezes temos muitas sentenças sem julgamento – e aqui também faço o mea culpa –, ou seja, definimos logo culpados sem esperar o apuramento da verdade.
Esta comissão nasce da intenção da própria Igreja de se querer limpar, redimir e converter para se tornar melhor. A comissão foi criada com este intuito, mas estes aspetos foram remetidos para o fundo da notícia que já ninguém lê.
“Seria quase uma utopia termos uma JMJ sem qualquer tumulto social. tendo em conta tudo isto, é normal o silêncio ou a opção pelo partido da oposição ser a resposta dos jovens. Não os julgo, mas acho que faz falta aclarar a informação.
O outro ponto que referiste foi a questão relacionada com o palco da JMJ. Como é que os jovens olham para as recorrentes polémicas com gastos que se levantam cada vez que um Papa visita um país, concretamente nas JMJ?
Seria quase uma utopia termos uma JMJ sem qualquer tumulto social. Agora, então, que é tão fácil nas redes sociais termos todos uma opinião que vale a pena exprimir… Percebo que os jovens, que não estão dentro desta dinâmica nem têm o desejo de querer saber porque é que são gastos estes valores, possam remeter-se ao silêncio e até concordar com aqueles que dizem que é muito dinheiro. Aliás, eu também concordo que é muito dinheiro. Não é essa a questão. O ponto está na informação que não passa.
Aquela é uma obra de engenharia muito particular, tendo em conta que ocorre num espaço que era uma antiga lixeira e que, por debaixo da terra, existe um saco enorme cheio de lixo. Portanto, há a necessidade, para o palco ser visível para o resto do Parque Tejo, de elevá-lo à altura de três andares. Foi feito também um aplanamento do próprio terreno e a sua estabilização, tendo em conta a existência do tal saco. É uma obra de engenharia muito complexa e as coisas que são complexas, felizmente ou infelizmente, envolvem sempre quantias mais elevadas. Continuo a achar que é muito dinheiro, mas quando as coisas são explicadas, as pessoas percebem.
A Igreja não vai ficar com nada. É uma obra que ficará para Lisboa, para Portugal. O próprio responsável da Câmara de Lisboa pelo pelouro da JMJ já veio dizer que dos 21 milhões investidos pela autarquia, 19 vão ficar em Lisboa. Portanto, a JMJ também vai servir muito para requalificar espaços de Lisboa que sem outra «desculpa» não seriam requalificados.
O Parque Tejo era um pântano sem qualquer utilização e, se calhar, depois da JMJ vai ser um espaço verde que poderá ter outras utilizações e receber outros eventos e alguns operadores já demonstraram interesse em aproveitar aquela obra.
O governo também disse que a previsão de injeção de dinheiro da JMJ na economia portuguesa era de mais de 300 milhões de euros, mas isso não passa também. Parece que estamos a escrutinar notícias para passar só o que é mau e fazer quase uma comunicação de sangue e de redes sociais para conseguir mais cliques, mas depois faltamos um bocadinho à verdade na sua totalidade.
Portanto, tendo em conta tudo isto, é normal o silêncio ou a opção pelo partido da oposição ser a resposta dos jovens. Não os julgo, mas acho que faz falta aclarar a informação.
“Estamos a preparar, em comunhão com a Pastoral Escolar [da diocese], uma exposição itinerante pelas escolas secundárias
Qual tem sido a divulgação da JMJ nas escolas?
A comunicação até agora foi basicamente a enviada pela estrutura nacional para diretores e professores. No COD do Algarve estamos a preparar agora, em comunhão com a Pastoral Escolar [da diocese], uma exposição itinerante com o logótipo da JMJ e um tríptico a explicar o que é o evento e os ‘Dias na Diocese’ com um convite à participação para passar pelas escolas secundárias. O que está pensado é que cada escola possa tê-la durante uma semana. Depois fica ao critério de cada professor de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) poder dinamizar o que bem entender.
E isso vai ser feito a partir de quando?
Já devia ter sido iniciado em janeiro, mas o material ainda não está pronto.
E vai decorrer até ao final do ano letivo?
Vai decorrer até passar pelas escolas secundárias, pelo menos naquelas que têm alguma representação da disciplina de EMRC.
E como tem sido a adesão interna? Os algarvios estão – usando uma expressão tua – a «abrir a janela», a «ver além do nariz» e a «alargar o coração»?
Quando disse algarvios referia-me ao contexto da diocese toda. Penso que já alargaram o coração, pelo menos ao nível da oração. Temos tido algum feedback de pessoas que rezam pela JMJ…
Ainda agora houve esta iniciativa das ‘24h de oração’ pela JMJ…
Sim. E também teve o problema de ter sido tudo em cima da hora.
Mas dizia eu que tem havido oração, inclusive a inclusão na oração universal de uma prece exclusivamente dedicada a esse fim. Nos dias mais próximos do ‘Rumo ao 23’ muitas comunidades já celebram uma «Missa jovem». Portanto, relativamente ao «alargar o coração» penso que muitas comunidades já o fizeram. Em relação ao «abrirem a janela», preferia que «abrissem a porta» para receberem os jovens nas famílias de acolhimento. Já o «ver além do nariz» é difícil, mas penso que é o caminho que se tem de fazer e é um caminho que não vai acabar na JMJ. Será o pretexto para nos próximos dois anos podermos lançar o repto de uma Pastoral Juvenil forte para podermos garantir não apenas o futuro da Igreja, mas o futuro da sociedade. Porque nós, mais do que o futuro da Igreja somos o futuro da sociedade. Não quero ver uma sociedade sem jovens católicos, sem jovens com raízes na Igreja. Não vejo uma sociedade mais frutuosa sem a nossa presença.
E olhas para a diocese, para as paróquias, e consegues vê-las empenhadas na realização deste encontro?
Sim. Podíamos ser mais e temos de ter essa ambição. Se as mais 80 paróquias levassem todas alguém à JMJ, era ótimo. Vemos o nosso bispo entusiasmado com a JMJ e isso é muito bom. O próprio pastor diocesano entusiasma as suas ovelhas, as paróquias, para participar na JMJ. Um gesto muito significativo que o senhor bispo tem e que faz alguma diferença é andar com a cruz da JMJ ao peito. Nem todos o fazem, embora todos a tenham recebido. O nosso já há algum tempo que o faz.
Quando se constata que as comunidades têm vindo a participar, cada vez mais, não só nos ‘Rumo ao 23’, mas também na Jornada Diocesana – onde têm aparecido grupos de algumas paróquias que não apareciam tão frequentemente –, é sinal que isto está a mexer. A grande maioria das comunidades está voltada para a JMJ.
A JMJ será um grande sinal de renascimento e recuperação após a difícil experiência da pandemia?
Recuperação da Igreja ou dos jovens em particular?
“Os jovens foram dos mais afetados pela pandemia porque foram privados de um tempo de juventude que é sempre característico de muitos sonhos, estímulos e momentos importantes.
temos de fazer uma conversão de linguagem.
Falta-nos esta noção de perceber como é que Deus atua na realidade dos jovens. Temos falhado nisto.
Muitas vezes diabolizamos as redes sociais e não as entendemos como um dom que Deus também dá à Igreja
Sobretudo dos jovens, porque foi um período que os afetou fortemente, mas também de rejuvenescimento das próprias comunidades.
Há já algumas conclusões que dizem que os jovens foram dos mais afetados porque foram privados de um tempo de juventude que é sempre característico de muitos sonhos, estímulos e momentos importantes. Foram privados de tudo isso num momento em que muitos deles estavam a decidir a sua vida.
Tendo em conta também as dificuldades, cada vez maiores, da nossa juventude em arranjar casa e de poder constituir família (o que acontece cada vez mais tarde), acho que a Igreja pode ser e tem de ser uma esperança. E a JMJ dá-nos o potencial de poder chegar a ela. Mas temos de fazer uma conversão de linguagem. Não podemos continuar com a mesma pastoral de há 10 ou 20 anos. Hoje em dia uma tecnologia torna-se obsoleta ao fim de três anos e nós temos também de acompanhar esse ritmo de comunicação para chegar aos jovens, tendo sempre o céu como objetivo, mas partindo sempre da sua realidade. Jesus fez isso na vida dos discípulos. Foi a partir da sua realidade que os mandou serem discípulos. Falta-nos esta noção de perceber como é que Deus atua na realidade dos jovens. Temos falhado nisto.
Muitas vezes diabolizamos as redes sociais e não as entendemos como um dom que Deus também dá a nossa Igreja. É muito mais fácil evangelizar hoje do que há 40 ou 50 anos quando era tudo por carta. Hoje em dia, com um simples clique, um tik tok, ou um post no Instagram consigo facilmente chegar a 3, 4 ou 5 mil pessoas sem sair de casa. Não temos aproveitado estas potencialidades que são dons que Deus dá a nossa Igreja para podermos reconverter a nossa linguagem e poder chegar àquilo que Ele nos pede: «Ide e fazei discípulos».
Tem sido dito frequentemente que o mais importante é a preparação e depois o que se segue à JMJ e não o evento propriamente dito. O que é que está a ser preparado para o pós-JMJ?
Estou completamente de acordo. O mais importante é a preparação e o pós-JMJ. O COD, como foi criado para a preparação da JMJ em comunhão com a Pastoral Juvenil, após a mesma, extinguir-se-á. Como não faço parte da coordenação da Pastoral Juvenil não posso adiantar o que é que está a ser preparado para o pós-JMJ. Sei que dentro dos membros [do Setor Diocesano] da Pastoral Juvenil há essa preocupação em saber o que é que vai acontecer depois da JMJ porque estão em causa os frutos que ela pode ter.
“A JMJ pode dar-nos muita mão-de-obra e matéria-prima para esse projeto da nova organização pastoral que pode revolucionar não só a nossa Igreja diocesana, como também a Igreja em Portugal
Na assembleia diocesana admitiste a possibilidade de a JMJ “funcionar como «faísca» para o ardor missionário da nova organização da Diocese”. Queres explicar melhor a ideia?
A organização em chave missionária, segundo o que interpretei, seria a dois níveis. Primeiro para aqueles que pertencem a comunidades com a «chama» um bocadinho mais apagada ou não tão dinamizadas e em segundo para aqueles que estão completamente fora da Igreja ou com um pé fora e outro dentro. A JMJ pode funcionar como «faísca» para esse ardor missionário e, em vez de termos meia dúzia de pessoas com vontade de empreender essa peregrinação em direção ao outro para lhe testemunhar que Deus também pode vir a fazer todo o sentido na sua vida, podemos vir a ter meia centena, dependendo do que resultar da JMJ. Ou seja, a JMJ pode dar-nos muita mão-de-obra e matéria-prima para esse projeto da nova organização pastoral que, pode ter começado demasiado rápido, mas, na sua essência e num contexto de JMJ e de sinodalidade, pode revolucionar não só a nossa Igreja diocesana como também a Igreja em Portugal porque há outras dioceses na mesma situação em que nós estamos. Temos toda a teoria sobre a sinodalidade e podemos vir ter a matéria-prima necessária. Falta-nos algum planeamento e organização para fazer com que este seja o projeto dos próximos 20 ou 30 anos da nossa diocese.
Por falar em sinodalidade, um dos grandes especialistas em Pastoral Juvenil, pelo menos na Europa, o padre Rossano Sala, disse ao clero das dioceses do sul que a Jornada poderá ser “um laboratório de sinodalidade” para a Igreja, um “banco de ensaio e um teste para ver se somos realmente sinodais”. Concordas?
Concordo porque já vivo isso. No Algarve vivemos já isso no sentido em que muito do trabalho realizado, tem sido feito pelos leigos. Os padres assistem (no sentido de dar assistência).
E temos tido também a experiência nos centros de atividades de um grande envolvimento dos leigos. A figura do padre é sempre necessário que esteja presente para acompanhar, mas os leigos podem fazer caminho. A JMJ pode ser um laboratório no sentido em que se faz com a vontade dos leigos em colaboração com os padres e com toda a comunidade cristã.
Poderá ser o impulso para se colocar em prática as conclusões do Sínodo dos Jovens e em certa medida ajudar também à realização do Sínodo sobre a sinodalidade?
Sim. Muitas das conclusões do Sínodo dos Jovens incidem na dificuldade de eles assumirem um papel na comunidade cristã, tanto por culpa dos próprios como da comunidade cristã. É nosso sonho e nossa vontade que a JMJ possa, neste processo de conversão da própria Igreja, ajudar a que todos os desafios resultantes do Sínodo dos Jovens e também os que vão surgir do Sínodo sobre a sinodalidade, possam ser assumidos no contexto das próprias comunidades cristãs. A JMJ pode ser veículo para isso e esperemos que seja.
“Sei que fiquei na Igreja muito por causa da responsabilidade que me foi dada.
todos juntos, devemos levar a cabo este grande projeto da sinodalidade que passa por tornar a terra um bocadinho do céu.
Somos uma parte importante da futura história da Igreja e não podemos deixar que esse papel fique por aí.
Que marca deve deixar a JMJ nos jovens do Algarve? Os jovens estão disponíveis para assumir responsabilidades?
Nesse âmbito deixo a minha partilha pessoal: eu sei que fiquei na Igreja muito por causa da responsabilidade que me foi dada logo de início. Fiquei na Igreja porque criei raízes nos acólitos e a responsabilidade de servir ao altar superava sempre a dimensão da espiritualidade na altura ainda não valorizada. Porque quando somos mais novos, embora a espiritualidade se vá maturando, não é o mais importante. Quando somos mais jovens o fazer é o mais importante, sentir que somos necessários, sentir que se não participarmos na comunidade ela fica um pouco mais pobre. Lembro-me de uma frase que ouvi nos Convívios Fraternos: «Deus não escolhe os capacitados. Capacita os escolhidos». E eu fiz essa experiência na minha vida. Nunca tive muito talento para nada, fui sempre mediano em tudo, e Deus foi sempre me capacitando para que me entregasse.
A marca que a JMJ pode deixar nos jovens é que eles possam sentir-se como o Papa lhes pede: protagonistas da mudança nas suas comunidades, mas sem nunca esquecer todos aqueles que a elas já pertencem. É preciso perceberem que não vão substituir ninguém, apenas vão tomar o seu lugar na comunidade. E podemos, todos juntos, levar a cabo este grande projeto da sinodalidade que passa por tornar a terra um bocadinho do céu. A JMJ pode ser o clique que os leve a perceberem que também são protagonistas da história e do futuro da Igreja e da sociedade e que sem eles, a longo prazo, a Igreja pode passar por uma fase muito má. Somos uma parte importante da futura história da Igreja e não podemos deixar que esse papel fique por aí. Temos de assumi-lo, pôr a mochila às costas e, como o Papa Francisco disse na JMJ de Cracóvia, sair do sofá, da estabilidade e do conforto, calçar as sapatilhas e fazer-nos ao caminho.
Começaste esta conversa por referir-te à JMJ como o “momento que vai marcar as próximas gerações e, certamente, o próximo passo da Igreja portuguesa e também da Igreja diocesana”. Era neste processo de conversão que estavas a pensar?
Era exatamente a este contexto de sinodalidade e de a JMJ poder ser o tal laboratório. O caminho da nossa Igreja diocesana e nacional tem de ter também os jovens como protagonistas e esta consciência de que todos temos o nosso papel e que todos somos necessários e bem-vindos nesta construção da Igreja e nesta tentativa de aproximação da terra ao céu.