O fogo nas religiões

1 – Dos quatro elementos clássicos (água, terra, ar e fogo), este último era o único cuja produção estava ao alcance do homem. Mas, nem por isso, deixava de ter suma importância cultural, pois, mesmo sendo produzido pelos humanos, considerava-se a sua origem sempre relacionada com a divindade. Esta relação com a divindade reside, muito provavelmente, no facto de se verificar que os raios chegam à terra vindos do alto e podem provocar incêndios. E isto tudo à margem do engenho humano.

Segundo a cultura grega, o fogo aparece como uma dádiva dos deuses feita aos seres humanos através do roubo de Prometeu, e, como tal era garantia da benevolência divina. Na cultura romana, porém, o fogo era uma tarefa sagrada desempenhada pelas sacerdotisas de Vesta. Na tradição dos assetecas, apagava-se o fogo no final de cada ano, data considerada como fase crítica para a continuação do mundo. Verificada a continuidade do mundo pelos sacerdotes, após o começo do novo ano, então se acendia de novo o fogo, que era distribuído ao povo, a partir do templo, para mais um ano que se iniciava.

2 – O fogo na tradição judaica merece uma reflexão própria, embora, tal como noutras tradições culturais, ele também seja aí usado para queimar as oferendas feitas em sacrifício, que se tornam, desse modo, pertença de Deus. Vale a pena observar alguns casos bíblicos.

Os judeus sacrificavam muitos animais em honra de Deus. Tinham mesmo uma forma de sacrifício, chamada holocausto, que consistia em queimar no fogo uma vítima, para glória de Deus (Cf.Êx.20, 24; 29, 1-42). No 1º Livro dos Reis há uma referência ao fogo que o próprio Deus enviará do céu para queimar o novilho mandado colocar sobre o altar pelo profeta Elias (Cf.1Rs.18,30-38).

Inesquecível é também o fogo que arde sem se consumir, manifestado a Moisés, sobre o monte Sinai (Cf.Êx.3,1-6). O episódio é revelador de uma presença de Deus, no fogo. Tal como aquele fogo se não consumia, assim é o Deus da Revelação bíblica, um Deus que nem o fogo consome, porque o próprio Deus é esse fogo sagrado do qual Moisés não deve aproximar-se porque o terreno que pisa é terreno sagrado.

O fogo aparece-nos assim como um elemento revelador não só de uma presença de Deus, mas também de uma intervenção divina junto dos homens: transcende os seres humanos apesar de ser um elemento ao alcance da inteligência e da arte e cultura dos povos. Poderíamos dizer que o fogo exerce uma espécie de mediação entre o divino e o humano. Possui elementos que transcendem o homem e, todavia, está na mão do homem não só o seu uso, mas a sua própria invenção. Pelo que tem de humano revela, em certo sentido que o humano tem sempre a ver com o divino que o transcende e o faz dependente da Divindade. Pelo que nele há de divino, abre o espírito humano ao mais alto, porque no fogo há um mistério simbólico e invisível que o homem tem dificuldade em explicar até à exaustão. O fogo coloca o ser humano na esfera do divino. Vale a pena meditar no fogo para descobrir nele os sinais de Deus!