O fogo no Cristianismo

1 – O fogo no culto cristão

As considerações feitas, na última nota sobre o fogo, abriram-nos o caminho para o tema presente que titulei "o fogo no cristianismo".

Se estivermos atentos à Liturgia da Igreja, havemos de notar, com muita frequência, o uso do "fogo" e da "luz". Recordemos alguns desses momentos:

Na vigília da Páscoa, "a mãe de todas as vigílias", a celebração central de todo o culto cristão, o fogo aparece-nos simplesmente como fogo (fogo novo) e também como luz. Numa noite, sem iluminação, (símbolo da morte), é aceso um "fogo novo", que simboliza uma vida nova, que começa com a ressurreição de Jesus. Esse fogo, expressão do amor de Deus pela humanidade inteira, revelado no mistério pascal de Cristo, é, para a comunidade cristã reunida naquela noite, profundamente simbólico. Assim como Jesus, saiu das trevas da morte para a luz da ressurreição, assim o fogo, saído da pederneira, nas trevas da noite, irá marcar, simbolicamente, a vida nova dos que são baptizados na noite de Páscoa. Eles mergulham na água, simbolizando as trevas da vida de pecado; e saem das águas, novos como o fogo novo, aceso naquela noite de vigília.

Mas a vigília pascal não é enriquecida somente com a simbologia do fogo. Ela é sobretudo valorizada pelo símbolo da luz acesa nesse fogo novo. Logo depois de aceso, a Liturgia preceitua que se acenda nele um círio, para ser levado em cortejo solene até junto do altar da celebração, e passando pelo meio da comunidade reunida em nome do Senhor. À entrada do templo só a luz do círio projecta o seu fogo e a sua luz. O círio é o símbolo de Cristo ressuscitado. Nele se vão acender as velas dos cristãos presentes na celebração, numa atitude de quem pede a Cristo, fogo e luz, que os aqueça com o seu amor e os ilumine com a luz da fé. E é assim, de velas acesas no círio pascal, nas mãos, que todos acompanham o maravilhoso louvor da luz do precónio, cantado somente naquela noite. A Igreja exalta e honra o fogo e a luz que nos vêm de Cristo ressuscitado.

2 – O uso das luzes na prática religiosa da Igreja

A luz vem do fogo. Atrever-me-ia a dizer que todos os sinais de luz que encontramos no uso religioso dos cristãos deveriam relacionar-se sempre com o fogo e a luz da vigília pascal. Nem sempre ocorre ao espírito humano estabelecer esta ligação, mas, de certo, que muitos dos nossos gestos seriam enriquecidos e valorizados, se estabelecêssemos este liame entre o gesto de acender uma vela e o círio da noite pascal.

Diante do Santíssimo sacramento, em todas as Igrejas, há uma luz acesa para marcar a presença de Cristo ressuscitado, presente nas hóstias consagradas. É um símbolo. Simboliza que ali se encontra presente, imolado por nós, o Cristo ressuscitado celebrado na Páscoa; significa também uma presença/ausência dos cristãos que deveriam estar ali, permanentemente, (tão grande é o mistério da Eucaristia!) a gastar-se e a oferecer-se à imagem de Cristo, tal como o azeite que se vai consumindo e queimando naquela lamparina!

As velas das nossas procissões e das nossas promessas são outros tantos sinais dessa luz e desse calor que nos vem de Cristo, se nele mergulharmos com fé e amor.

E tudo isto, sem esquecermos a vela que nos foi dada, como símbolo da fé em Cristo, no dia do Baptismo, acesa na luz ao círio pascal, para nos recordar, em permanência, o nosso mergulho divino na luz de Cristo ressuscitado!

*Bispo Emérito do Algarve