O presidente da associação ambientalista Zero veio esta segunda-feira ao Algarve alertar o clero do sul do país que só a mudança do paradigma de felicidade fará com que se consiga reverter o processo das alterações climáticas.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

“O problema é que a nossa sociedade se baseia numa felicidade em troca de continuarmos a acumular mais e mais. E é muito difícil conseguirmos mudar este paradigma, mas sem isso não vamos conseguir ir longe nesta batalha em relação às alterações climáticas e em relação aos recursos”, afirmou Francisco Ferreira na atualização que está a decorrer no hotel Alísios, em Albufeira, com 116 participantes das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal, entre bispos, padres e diáconos.

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O ambientalista, que abordou o tema “Estaremos à beira do crepúsculo da Humanidade? Entre a realidade e a utopia”, defendeu assim que o desenvolvimento sustentado tem de ser cada vez mais contextualizado sobre a “visão de felicidade individual e coletiva”. “O fundamental é eu mudar a forma como vejo o mundo e a minha felicidade”, sustentou Francisco Ferreira, considerando ser preciso passar da “eficiência”, de “uma sociedade que tem estado assente na riqueza, no crescimento contínuo, no ter mais, na insatisfação”, à “suficiência” que tenha em conta “o bem-estar, a qualidade”. “Nós precisamos de uma nova era de responsabilidade, de urgência, de criatividade, de resiliência e de otimismo”, acrescentou.

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O presidente da Zero disse haver já grupos universitários a fazer investigação para perceber como “valorizar o decréscimo”, aumentando o bem-estar e a qualidade de vida através da redução do consumo de bens. “Nós queremos um desenvolvimento sustentável, mas queremos desenvolvimento”, afirmou, reconhecendo ser “preciso juntar a emergência climática com algum bom senso”.

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Sobre o que pode ser feito para minimizar as alterações climáticas, o ambientalista deixou algumas propostas, mas destacou a contribuição do papa Francisco. “Pouco tenho a acrescentar ao último capítulo da encíclica ‘Laudato Sí’. O papa, na parte final, praticamente dá-nos a receita do que é que cada um de nós tem de fazer”, referiu, explicando que as “áreas mais críticas” são a energia, os transportes, a alimentação, o consumo e os resíduos e que “o cuidar da casa comum é responsabilidade individual, mas também é dos municípios, dos países” que “têm que estar articulados uns com os outros”.

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Francisco Ferreira considerou mesmo a publicação da encíclica do papa sobre a ecologia como um dos “três eventos extremamente marcantes” que tornaram o ano 2015 “absolutamente crucial para a agenda da humanidade”, a par da aprovação dos objetivos para o desenvolvimento sustentável pelos líderes mundiais reunidos na Assembleia-Geral da ONU na qual Francisco discursou durante a sua viagem a Cuba e aos EUA e da assinatura do Acordo de Paris para as alterações climáticas.

Garantindo que estas “estão a interferir com as atividades humanas” e que “toda esta informação tem vindo da ciência”, o ecologista defendeu que a Igreja tem um papel “absolutamente fundamental, vital, indispensável no levar desta mensagem para a salvaguarda do planeta”.

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O presidente da organização não governamental apelou a uma “economia circular”, fundamentada na utilização de “produtos que duram mais” como forma de diminuir o consumo de recursos, ao tratamento das águas que possibilite a sua reutilização, à diminuição do consumo de carne que permita reduzir as emissões de metano, à eficiência energética para diminuir o consumo de energia e, no plano da mobilidade, à utilização de transportes públicos. “Deixar de utilizar o carro é absolutamente crucial. E também deixarmos de ter a posse do carro”, defendeu, explicando que as novas gerações já são sensíveis a esta necessidade.

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O conferencista considerou mesmo que “os jovens são o melhor exemplo”. “A mobilização dos jovens tem sido absolutamente excecional, não apenas em Portugal, mas em todo o mundo. E são eles que têm marcado a diferença. Há que ouvir e há que apoiar todos estes movimentos”, afirmou.

Francisco Ferreira disse ser preciso “pensar o que é possível reutilizar, pedir emprestado, partilhar” para “evitar necessariamente o desperdício”.

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Confrontado com o facto de o planeta ter tido sempre alterações ao longo de dezenas de milhares de anos, o ambientalista alegou que a diferença é que agora são, segundo a ciência, de “responsabilidade humana” e não natural. “A variação do dióxido de carbono na atmosfera é uma coisa a pique em comparação com os últimos 800 mil anos”, exemplificou.