
O antigo presidente da Câmara de Faro, João Negrão Belo, vai lançar no próximo dia 7 de setembro, dia da cidade, um livro das suas memórias.
Natural da capital algarvia, Negrão Belo sublinha que a publicação, sob o título “Um caráter saudavelmente rebelde”, definida como um “libelo à sociedade”, pretende fazer justiça em relação ao seu trabalho entre 1983 e 1989 como presidente na autarquia e, de modo particular, explicar a razão da sua não-recandidatura motivada por aquilo a que chama de “morte política”.
O antigo autarca diz que a “herança do fascismo” foi uma dificuldade durante os seus mandatos e que a câmara “era uma «quinta» cheia de «presidentes»”. “Tinha uns 20 «presidentes» e, para evitar o escândalo, muito bom presidente suportou. Houve departamentos que estiveram fechados ao público porque a pessoa A não se entendia com a B”, conta em entrevista ao Folha do Domingo, explicando que não ter compactuado com essas situações custou-lhe a não-recandidatura. “A morte política deveu-se a um conjunto de atitudes irreverentes que tive, não obedientes ao politicamente correto, que levaram ao desejo de se verem livre desta pedra fora do tabuleiro”, acrescenta, garantindo que todas as suas ações foram “suportadas por uma decisão democrática” que “cumpria religiosamente”.
“Há militantes que ainda hoje não sabem e sempre que há uma campanha eleitoral perguntam por mim”, prossegue, considerando que se tratou de um “ajuste de contas em fases diferentes”. “O partido [PPD/PSD] fez ajuste de contas quando não me recandidatou e eu fiz ajuste de conta com o partido quando me candidatei pelo CDS”, concretiza, explicando por que é que resolveu agora contar a sua versão dos factos. “Efetivamente passou uma geração e foi preciso vir a geração dos nossos filhos que hoje conduzem os partidos para me recuperar, considerando que o trabalho que fiz foi válido para o partido. Por isso, achei que devia explicar e dizer que o que passou, passou. Eu continuo a ser social-democrata”, refere.
Na publicação, em que lamenta ter chegado a ser “vereador sem pasta”, Negrão Belo reconhece que Sá Carneiro, de quem se despedira num comício em Faro menos de 24 horas antes da tragédia de Camarate, foi um dos políticos que o marcou e que teve influência em ter enveredado pela política. “Chorei como uma criança”, conta, lembrando o momento do anúncio da sua morte.
No livro, que diz ser “de rebeldia”, os 12 capítulos têm início ainda no tempo da Segunda Guerra Mundial com as suas memórias dos aviões que sobrevoavam Faro à noite na tentativa de aterrarem, passando pelo ingresso no escutismo e, mais tarde, na Mocidade Portuguesa, pela vida estudantil, pela contratação do Sport Lisboa e Benfica, pelo cumprimento do serviço militar e pelo combate na Guerra do Ultramar, em Quiende (Angola), durante dois anos, que inviabilizou uma possível carreira no atletismo de alta competição.
Professor de Educação Física, Negrão Belo lecionou em vários estabelecimentos da linha do Estoril, antes de se efetivar na Escola Afonso III, em Faro, como conta nos capítulos que abordam o período do curso superior à profissão, seguindo pelos tempos da revolução, até ao ingresso na vida político-partidária.
Da obra enquanto autarca diz que a maior satisfação provém da área social. “Os primeiros lares municipais em parceria foram feitos no meu tempo”, refere, dando como exemplo o Lar das Missionárias da Caridade, conhecidas como irmãs de Teresa de Calcutá ou o Lar do Montinho da Santa Casa da Misericórdia.
No entanto, o seu principal regozijo vai para a sensibilidade que diz ter tido para a habitação social. “Fizemos mais de mil fogos de habitação social”, recorda, lembrando a construção dos bairros da Carreira de Tiro e de Santo António do Alto em parceria com as cooperativas de habitação. “Os homens das cooperativas ainda estão à espera que lhes seja dado o seu devido valor”, acrescenta.
Sobre o bairro da Horta da Areia diz que funcionava como “passagem para habitação condigna”. “A Horta da Areia ia-se resolvendo porque cada vez que havia distribuição de fogos condignos, dali saía sempre uma meia dúzia de pessoas”, assegura, lamentando que o bairro seja hoje a “nódoa da habitação social” no concelho de Faro por “outros” não terem dado continuidade a este trabalho.
No último capítulo, dedicado ao trabalho com os idosos, inclui um ponto sobre o papel da Igreja. “Foi um papel que o padre [Júlio] Tropa desempenhou eximiamente”, afirma sobre o falecido pároco de Santa Bárbara de Nexe e Estoi, lembrando que a relação com a Igreja, concretamente com a Diocese do Algarve e com D. Ernesto da Costa, bispo de então, foi sempre de “muito boa colaboração” e que isso trouxe proveitos para Faro. “O turismo que vem a Faro não se deve à Câmara Municipal de Faro, mas à diocese e ao cabido”, sustenta.
A publicação, que poderá ser adquirida na FNAC de Faro depois do lançamento, será apresentada no dia referido, pelas 18.30h, nos claustros do Museu Municipal de Faro, com música de Zeca Afonso.