
O bispo do Algarve advertiu anteontem que celebrar o Natal tem uma “consequência direta”.

“Acolher na fé um Deus que assume a nossa condição humana, tornando-se Deus-connosco e para nós, tem como consequência direta assumir também ser dom de si mesmo para os outros”, alertou D. Manuel Quintas na missa da solenidade do Natal a que presidiu na Sé de Faro, acrescentando que, deste modo, os cristãos são “chamados a superar a desconfiança, o medo, as atitudes defensivas” que lhes “impõe o mundo de hoje”.

“Optar por nos fecharmos numa privacidade confortável ou no círculo reduzido dos mais íntimos equivale a contradizer o mistério que celebramos em cada Natal”, prosseguiu, considerando que “este isolamento pode bem ser expressão de uma falsa autonomia que exclui Deus, bem como pretender encontrar na religião uma forma de consumismo espiritual à medida do próprio individualismo doentio”. “É frequente encontrar hoje o apreço por várias formas de espiritualidade do bem-estar, sem comunidade e sem compromissos fraternos, sem rostos humanos”, criticou, frisando que “não tem sentido uma religião vivida ou pretendida deste modo ou uma espiritualidade que seja quase um comprazimento de si mesmo”, “não aberto aos outros, tal como Deus se abriu”.


“O rosto humano de Cristo, celebrado em cada Natal, convida-nos a não termos medo do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela, com os seus sofrimentos e as suas aspirações, independentemente da sua língua, cultura ou proveniência, seja ele o conhecido vizinho do lado ou um desconhecido que encontramos pela primeira vez migrante ou refugiado”, continuou.
Para além dos refugiados, o bispo do Algarve lembrou também na sua homilia (áudio disponível abaixo) os que “continuam a sofrer as consequências dos devastadores incêndios de julho e outubro passado com a perda de vidas humanas e de bens afetivamente insubstituíveis” que invocou na sua mensagem de Natal deste ano. “Neste momento não queria repetir a mensagem, apenas tornar estes temas presentes que penso que estão bem no coração de cada um de nós e também na nossa oração”, justificou.

O prelado destacou assim que “a verdadeira fé no filho de Deus feito carne é inseparável do dom de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com os outros” e renovou o convite dirigido na sua mensagem de Natal à “confiança, alegria e esperança”. “Gostaria de vos convidar a acolher este convite à esperança, à confiança e também à alegria, um convite presente, desde logo, no primeiro Natal, como também em todos os natais que somos chamados a provocar ao longo do novo ano que vamos iniciar. Todos dizemos que bom que seria que o Natal não fosse apenas um dia. É exatamente isso, depende de nós que não o seja”, afirmou.

Lembrando que essa “confiança, alegria e esperança” “têm um nome e um rosto”, D. Manuel Quintas destacou que “na sua encarnação, o Filho de Deus convidou a esta forma de ser e de estar e de O seguir de uma maneira muito concreta”. “O movimento de Deus para o homem –, que o Natal celebra na sua forma mais plena com a encarnação do Filho de Deus –, deve continuar na vida e no testemunho pessoal de cada cristão e de cada comunidade eclesial”, observou.

“Que este Natal possa reavivar em cada um de nós que o Cristianismo é, antes de tudo, o evangelho, boa e alegre notícia que tem o seu centro e o seu conteúdo na pessoa de Jesus Cristo, o verbo feito carne”, concluiu, deixando um desafio para 2018: “que no novo ano que vamos iniciar, que Cristo possa encontrar o lugar que lhe é devido na nossa vida, na nossa família, nos nossos projetos e, através de nós, no mundo de hoje”.


Homilia do bispo do Algarve: