O bispo do Algarve disse ontem à multidão que compareceu em Loulé para a Festa Grande de Nossa Senhora da Piedade, popularmente evocada como Mãe Soberana, que Maria ajuda a acolher todos os “crucificados” dos dias de hoje.
“Ela ensina-nos a acolher com misericórdia todos os sofredores do nosso tempo, limpando as «chagas» de tanta gente enredada em teias de exploração, de solidão, de dor, os que são vítimas de tantas formas de sofrimento e de morte”, afirmou D. Manuel Quintas, que presidiu à eucaristia que precedeu a procissão pelas ruas centrais da cidade, culminando com a habitual subida em apoteose ao íngreme cerro onde se implanta o santuário com a pequena ermida e a nova igreja dedicadas à Mãe Soberana.
“Cada dia, somos confrontados com situações que nem conseguimos classificar. Quando a própria violência doméstica chega às crianças indefesas, como é que podemos classificar estas atitudes? Esquecemo-nos do que somos, pessoas humanas que querem respeitar os outros na sua dignidade, particularmente os mais indefesos, como as crianças, dentro da própria família? Para onde é que vamos? Onde é que queremos chegar? O que é que devemos fazer para inverter este processo, este caminho?
Como é possível, nos dias de hoje, a violência crescer tanto, de tantas formas e modos em todas as situações, atingindo até as crianças mais indefesas?”, interrogou o prelado, afirmando que “estar ao pé da cruz, como Maria e com Maria, é estar junto de todos aqueles que sofrem, é acolher no próprio coração todas estas situações de sofrimento, angústia e morte”.
A terminar a sua homilia, o bispo do Algarve pediu mesmo a intercessão mariana para lidar com estas realidades. “Que Maria, Senhora da Piedade, nos acompanhe e nos guie no seguimento de Jesus, mantendo-nos firmes, de pé, junto à cruz dos «crucificados» do nosso tempo para que, pela nossa presença e ação, prevaleça, sobre todas as formas de sofrimento e morte, a força do amor redentor de Cristo ressuscitado”, pediu.
Na celebração, D. Manuel Quintas frisou ainda que o sentido da imagem da Mãe Soberana é de “grande profundidade”, revelando que “a cruz não é instrumento de condenação e morte, mas de salvação e vida”. “O coração desta Mãe estava cheia de esperança. Ela sabia que não terminava ali a missão de Jesus. A imagem da Mãe Soberana diz-nos também que a cruz não é meta, mas etapa. A meta é a surpreendente e alegre notícia da manhã de Páscoa. A cruz não é o fim, mas é caminho, é meio de salvação. O fim é Cristo vivo e ressuscitado”, complementou, acrescentando que “a cruz é, verdadeiramente, expressão de fé, caminho de esperança e de vida, fonte de caridade e de santidade”.
O bispo do Algarve fez questão ainda de destacar o sentido daquela festividade. “Não queremos que este dia, que esta celebração, com a procissão que se segue, seja apenas um rito exterior. Estamos aqui em sinal de fé e de devoção para com Nossa Senhora. Não viemos por curiosidade”, advertiu, admitindo ainda assim que houvesse alguém movido por esse sentimento. “Deus tem os seus caminhos, aproveita até da nossa curiosidade para a transformar até em caminho de fé, de conversão”, sustentou.
Citando a constituição dogmática do Concílio Vaticano II, o prelado lembrou que a “verdadeira devoção à Nossa Senhora” não consiste numa “emoção estéril e passageira”. “A fé e a devoção não podem estar ligados a um momento de emoção. Esta devoção a Nossa Senhora nasce da fé que nos faz reconhecer a sua ação junto do seu Filho Jesus e, sobretudo, nos incita a amá-la filialmente e também a acolhê-la como mestra de fé, de vida, de anúncio do seu próprio Filho Jesus”, justificou, exortando a multidão a “aderir à pessoa de Cristo, a acolher os valores do evangelho, a vivê-los e testemunhá-los”. “Participar nesta festa é também renovar a nossa condição, não apenas de discípulos de Cristo, mas também de missionários, de apóstolos”, concluiu.
No final da eucaristia, o bispo do Algarve confiou à proteção de Nossa Senhora as crianças, jovens, famílias, idosos, doentes, pobres, migrantes e rejeitados, as escolas e o trabalho na indústria, comércio, serviços, agricultura e pesca, os desempregados e “em situações de extrema dificuldade”, instituições e associações, turistas, visitantes e peregrinos e consagrou a Diocese do Algarve, com todas as suas paróquias, sacerdotes, consagrados e leigos, à Mãe Soberana.
Após a eucaristia, junto ao monumento a Duarte Pacheco, D. Manuel Quintas presidiu à procissão, participada pelos muitos sacerdotes que também concelebraram momentos antes, entre eles o padre Flávio Martins, este ano o pregador do tríduo de preparação para a Festa Grande.
Impondo-se como a maior manifestação de fé a sul do Tejo, que é simultaneamente a mais significativa expressão de devoção mariana algarvia, a Festa Grande a Nossa Senhora da Piedade voltou a atrair a Loulé uma multidão de milhares de pessoas que congestionou por completo a circulação na cidade, oriundas não só de todos os pontos do Algarve, como também de diversas regiões do país e até emigrantes.
Ao esforço dos homens oito homens, vestidos de calças e opas brancas, que transportam a imagem de Virgem Maria com Jesus no braços, aliou-se a força espiritual dos muitos milhares de fiéis que, em vivas inflamadas a Nossa Senhora da Piedade, acenando lenços ou em passo vivo e na cadência musicada dos homens da banda, «empurraram», calçada acima no calor da fé, o pesado andor da padroeira.
À chegada ao Santuário e junto à ermida, coube ao padre Flávio Martins fazer a pregação de encerramento. O sacerdote agradeceu, em nome da multidão, pelo exemplo e proteção de Nossa Senhora, pedindo-lhe sempre o seu amparo e ajuda.
Seguiu-se o regresso, em marcha, de todos com a banda até ao centro da cidade e as festividades de Nossa Senhora da Piedade, que constituem uma tradição com provável origem em 1553, data oficial da edificação da capela que lhe é dedicada, terminaram à noite com um espetáculo de fogo-de-artifício junto àquela capela.