A criação de um Campo Escutista no espaço do antigo estaleiro das obras de construção do troço da Via do Infante (A22) entre Vila Real de Santo António e Tavira – localizado no perímetro florestal da Mata Nacional da Conceição de Tavira, mais conhecida como Mata de Santa Rita, desativado há mais de 30 anos – era um sonho antigo do Agrupamento 100 de Tavira do Corpo Nacional de Escutas (CNE).
Em 2001, o terreno chegou a receber a visita do então chefe nacional do movimento por ser uma das possibilidades para a criação do Centro Nacional de Atividades Escutistas que acabou por ser construído em Idanha-a-Nova, Castelo Branco.

A gestão dos seis hectares tinha sido solicitada logo no início da década de 1990 pela Câmara de Tavira à então entidade proprietária, a Autoridade Florestal Nacional, atual Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

Em 2008, a cedência do terreno ao agrupamento escutista chegou mesmo a ser protocolada com a Câmara de Tavira e a ser feito um desenho do projeto, mas a crise financeira veio fazer parar o plano.
Um projeto mudado pela pandemia e a solidariedade voluntária que o fez crescer
No entanto, e ao contrário do que fez com tantos outros desígnios, a crise não foi suficiente para fazer cair o projeto e em 2020 a pandemia – que, paradoxalmente, tantos danos causou aos agrupamentos do CNE e trouxe consigo nova crise financeira – acabou por permitir a sua retoma.

A presidente da Câmara de Tavira explicou ao Folha do Domingo ter sido estabelecido um acordo tripartido entre o ICNF, o município e o agrupamento que resultou na assinatura de um contrato de comodato com este para a gestão daquele espaço durante 25 anos com possibilidade de renovação. Ana Paula Martins contou que “nem sequer havia um estudo prévio” e que foi preciso “fazer o projeto” e “pedir pareceres a muitas entidades, nomeadamente ao ICNF”.

O chefe do Agrupamento 100 disse que “o projeto inicial era muito grande”, pois “tinha prevista toda a requalificação” do espaço, a reconstrução das estruturas edificadas e a construção de outras nas plataformas do antigo estaleiro que a Câmara de Tavira pediu que não fossem demolidas.

“O que se mudou em 2020 foi a filosofia”, contou Luís Santos, explicando que o agrupamento aceitou receber o terreno como estava, comprometendo-se a fazer os trabalhos de limpeza com a ajuda da autarquia e a ir reconstruindo ele próprio as casas. “A pandemia libertou-nos tempo das nossas atividades porque não saíamos de Tavira e só fazíamos reuniões online. Os adultos vinham para aqui e cortávamos as árvores e limpávamos as plataformas”, sustentou, acrescentando que contaram com a ajuda de outros agrupamentos da região.

“Todas as estruturas que existem foram recuperadas. Não tinham paredes, pusemos o telhado e as janelas. Cada porta e cada janela é de seu modelo porque ou as encontrávamos no lixo ou a pedíamos a um serralheiro. Os telhados é que foram adquiridos. Tentámos sempre adquirir o mínimo possível por uma questão de sustentabilidade e por uma questão de custos”, declarou.

Aquele dirigente contabilizou que o agrupamento já ali deve ter investido cerca de 6.000 euros e o município cerca de 60.000 se foram incluídas as horas dos trabalhadores, da retroescavadora que ali andou durante cerca de quatro meses, incluindo o combustível gasto, e a vedação de um quilómetro e meio colocada.



“Em novembro passado fizemos aqui uma atividade dinamizada pelo agrupamento em que convidámos a participar todos os agrupamentos da região e mesmo a nível nacional. A única finalidade da atividade era o serviço, trabalhar para que o campo crescesse. Foi construída a capela, feito o alpendre da lenha e mais quatro ou cinco estruturas”, contou o chefe escutista, explicando que todos quiseram colaborar na construção daquele espaço que incluía ainda alguns caminhos já alcatroados.

A autarca considerou que com o trabalho já realizado, “quer o agrupamento, quer a Câmara têm outras possibilidades de mostrar a mais-valia” daquele projeto para “encontrar outros financiamentos”.

Um projeto ao serviço da educação e da cidadania na região e no país
Luís Santos evidenciou que os escuteiros algarvios compreenderam que aquele projeto tem abrangência regional, uma vez que o local para o Agrupamento de Tavira é demasiado extenso para acampamento. “Nós somos 70 elementos e temos aqui seis hectares. Já acampávamos cá antes, mas sentimos a necessidade de existir na região um espaço com condições. Antigamente íamos para um terreno baldio qualquer, acampávamos e estava tudo bem. Hoje em dia é impossível fazer uma coisa dessas”, constatou, frisando que o objetivo é tornar o campo “disponível para todas as associações escutistas e outras entidades”. “Já temos tido aqui o Centro de Ciência Viva, a Catequese [paroquial]”, exemplificou, explicando que são cobrados por noite “50 cêntimos para os gastos do papel e da água” e também para que haja um “compromisso”. “Todos os grupos das associações escutistas do concelho de Tavira, incluindo da AEP [Associação de Escoteiros de Portugal] e [Associação de] Guias [de Portugal], não pagam nada”, garantiu, acrescentando ser pedido todos que ali pernoitam que “por cada noite deem uma hora de serviço ao campo”.

Por outro lado, o dirigente destaca a dimensão daquela resposta criada para abranger as necessidades da região. “Ontem [sexta-feira passada] entregámos o grande plano das medidas de autoproteção, importante para a legalização do espaço e vamos poder acolher, sem qualquer tipo de problema, 1.000 pessoas aqui em campo. Isso permite à região realizar todas as atividades, à exceção do Acampamento Regional que normalmente tem mais miúdos. Mas também existe a possibilidade de aumentar o espaço nessa semana”, concretizou.

Luís Martins garantiu que o projeto vem ainda responder à falta de campos escutistas no sul do país. “Do rio Tejo para baixo existe um da AEP na Caparica. Existe um do CNE em Santo André, mas é muito mais pequeno do que este e tudo o resto são coisas pequeninas”, assegurou, referindo que “no verão existe um grande dinamismo de agrupamentos vindos de Lisboa e do norte para o Algarve”. “Tivemos já um grupo de escuteiros espanhóis que fizeram uma caminhada do barlavento até aqui e vieram cá dormir”, contou, adiantando que no próximo mês e meio têm já “bastantes grupos e agrupamentos” interessados.

Ana Paula Martins confirmou a importância daquela estrutura para o projeto educativo e de cidadania ativa do concelho. “Se calhar não há outro espaço aqui na região com estas condições”, afirmou a autarca, lembrando a existência de trilhos e do parque de lazer na mata nacional. Foi ainda criada no campo uma lagoa para preservação de biodiversidade, entre outras vantagens. “Tudo isso permite que as crianças tenham esta proximidade com a natureza. O investimento tem sido nisso. Reconheço que é importante e, cada vez mais, os miúdos precisam desta proximidade com a natureza e de se sensibilizarem para estas questões ambientais e para a preservação do meio ambiente”, afirmou, reconhecendo que “quer os escutas, quer as guias fazem esse trabalho”.

A futura fase conclusiva
O chefe do agrupamento refere ainda que da primeira fase do projeto falta ainda realizar a eletrificação. “Só temos iluminação nas casas com painéis solares, mas não permite ligar um frigorífico. Nestas atividades temos tido a colaboração do município com um gerador, mas tem o incómodo não só do barulho como da poluição”, explica, referindo que “o objetivo é tentar que o posto de transformação que está em nome do ICNF, passe agora, após a adenda da Câmara de Tavira, para posse do município”. “Depois veremos a despesa que isso poderá ter e estudar se é viável ou não trazer a eletricidade para aqui”, contou.

O Campo Escutista de Tavira conta já com saneamento básico, incluindo chuveiros, mas faltam balneários de inverno e a construção de camaratas. Estas serão as principais obras das fases que se seguem e que, segundo o chefe do agrupamento que completará 60 anos de fundação em 2023, serão realizadas a um prazo de “10 ou 15 anos”.