“Vencer a corrupção pela despartidarização da administração pública e a sua subordinação à prossecução do interesse público e pela transparência, responsabilização e participação dos cidadãos”. Foi em torno deste mote que João Cravinho fez a sua apresentação baseada naquilo que tem sido a sua luta nos últimos anos.
O ex-governante começou por apresentar uma definição de corrupção, que vai “para além do que deveria ser uma visão puramente jurídica ou técnica”: “É o abuso do interesse público e a destruição da confiança dos cidadãos na integridade das normas, dos sistemas e das instituições que devem promover o interesse público”, disse.
Nesse sentido, referiu-se à “captura do Estado, ou de partes do Estado, por parte de interesses económicos, uma espécie de tráfico de influências” como uma das situações que considera como a “mais grave das corrupções”. “A tipologia da corrupção de Estado é a mais grave de todas”, disse de forma peremptória, considerando que se trata “do abuso do interesse público e também a destruição da confiança, porque na base do processo político tem que estar a confiança”. “Quando os cidadãos perdem confiança nos políticos, na administração pública, nos tribunais, é uma situação gravíssima, corrói a democracia, prejudica de modo muito extenso, com consequências graves, o todo nacional”, sublinhou.
Para o antigo Ministro de Guterres, a questão que se põe não é eliminar a totalmente a corrupção mas reduzi-la a “proporções e configurações marginais” já que esta ”faz parte das falhas humanas”.
Também a proliferação de medidas avulso em termos de corrupção, nomeadamente legislativas, em nada contribuem, segundo João Cravinho, para o que é muitas vezes “a defesa principal da corrupção”. “É o construir de um edifício que está cheio de pontos de fuga e que é incapaz de mostrar eficácia no concreto”, acrescentou.
Outra das ilações deste antigo governante diz respeito à transparência e responsabilização. Tomando a Suécia como exemplo, referiu que nesse país “não há muita regulação mas há um conjunto de regras cívicas, um código de conduta de tal forma entranhado na convicção das pessoas que não é preciso estar a estabelecer todo o tipo de regras”.
Como tal, João Cravinho acredita ser necessário em Portugal instalar nos cidadãos uma “cultura cívica de transparência na vida pública”, traduzida “numa prevenção sistemática do risco de corrupção e um combate sem falhas, envolvendo a directa responsabilidade não só da administração, mas sobretudo dos titulares dos órgãos de soberania, ficando estes sob o escrutínio activo dos cidadãos quanto à forma como tratam estas questões”.
“Esta é uma questão cujo centro de gravidade em termos de responsabilidade está nos titulares dos órgãos de soberania – na Assembleia da República, no Governo, no PR e nos Tribunais”. Em relação a estes últimos, Cravinho frisou o facto de actuarem segundo a Lei, resignarem-se à sua própria impotência ou criarem impotências próprias, nomeadamente em termos falta de conhecimento especializado.
Ainda em relação à cultura cívica, o conferencista voltou a referir a sua profunda convicção de que a melhor forma de combater a corrupção é “fazer avançar grandes rupturas político-institucionais que alterem o nosso comportamento como cidadãos, no sentido de assegurar o enraizamento de uma cultura cívica, política, de transparência, de responsabilidade e de responsabilização concreta, em oposição à cultura de opacidade, de desculpabilização resignada que hoje protege a impunidade da corrupção”.
João Cravinho falou ainda da necessidade de haver uma boa governação enquanto base do “transparente funcionamento das instituições”. “Países onde a corrupção é baixa são países bem governados, países onde a corrupção é alta são quase sempre países mal governados. Há uma correlação fortíssima entre o governo e a corrupção sob a forma de sistema”, sublinhou.
O segredo de Estado, as offshores, a despartidarização da administração pública, ou a Lei do Financiamento dos Partidos foram outras matérias vindas a lume nesta conferência.