O cónego Mário de Sousa alertou que “sem a oração da escuta não há conversão” e que “sem conversão não há jubileu”.

O sacerdote da Diocese do Algarve, que apelou à libertação de “escravidões”, de “cegueiras que ainda vedam a alma” e de “grades que ainda circundam o coração”, foi o protagonista da segunda de três noites de reflexão no âmbito da proposta diocesana de preparação para o Jubileu de 2025, promovida pela Igreja algarvia, que desta vez teve lugar, no passado dia 12 deste mês, no salão da paróquia da Luz de Lagos.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

“As peregrinações que seremos convidados a fazer, mais não são do que um chamamento à verdadeira peregrinação que é necessário realizar, que é a do caminho interior que nos transporta à «porta santa» que verdadeiramente importa e que não é em Roma. É no coração de cada um de nós porque a verdadeira «porta santa» de que essas são sinal é o próprio Senhor”, advertiu.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

“As peregrinações exteriores e a peregrinação em direção a uma porta santa não têm qualquer sentido se não forem sinal desta peregrinação interior a caminho da verdadeira «porta santa» que é o Senhor, que, escancarando seu coração, nos faz passar pela outra dimensão da vida”, prosseguiu o sacerdote que abordou o tema “O Jubileu na História da Salvação e à luz da Palavra de Deus”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O biblista começou, precisamente, por lembrar que “o ano jubilar tem raízes bíblicas”. “O Jubileu que celebramos a cada 25 anos é um acontecimento que tem a sua origem na Sagrada Escritura, mais concretamente no capítulo 25 do livro do Levítico onde o Senhor ordena que de 50 em 50 anos se proclame um jubileu ou ano santo”, introduziu, acrescentando: “é necessário entendermos o que significa o Jubileu na Bíblia para também podermos saborear e viver, também individualmente e como comunidade, esta graça que nos é concedida”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O sacerdote contextualizou que “o jubileu ocorria no contexto da teologia do sábado – shabbat – que significa descanso, dia em que cessa toda e qualquer atividade laboral, não só para que o ser humano possa restabelecer as forças, mas sobretudo para sublinhar a sua umbilical dependência em relação a Deus”. Segundo o cónego Mário de Sousa tratava-se, portanto, de “saber parar para fortalecer a relação pessoal e comunitária com o próprio Deus”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O sacerdote acrescentou que “as leis do ano sabático foram ampliadas, nomeadamente no que diz respeito à libertação dos escravos e ao perdão das dívidas”, pois “a pessoa era escrava para o resto da vida, a não ser que um familiar pagasse a dívida para o libertar, resgatar, redimir”.

O cónego Mário de Sousa prosseguiu explicando que “depois da dramática experiência do exílio na Babilónia, é instituído o ano jubilar ou ano santo que está intimamente relacionado com o ano sabático”. “O jubileu destacava em primeiro lugar o caráter inalienável da dignidade do ser humano, sublinhando a sua dependência exclusiva de Deus e, por isso, tinha como finalidade libertar o homem e a mulher de toda a espécie de opressão. Esta era a grande finalidade do jubileu: libertar o ser humano de toda a espécie de opressão”, realçou, acrescentando que “terá havido grande resistência ao cumprimento desta norma divina” porque “ninguém tinha interesse em perder o usufruto das terras e muito menos em perder o trabalho gratuito dos escravos”.

O orador referiu que face ao incumprimento das leis sabáticas e jubilares, o povo começa a intuir que “o verdadeiro ano santo só acontecerá pela intervenção de Deus” e que esta “não se destinará apenas a restituir bens ou liberdade exterior como até então, mas a tratar corações despedaçados, consular os que vivem mergulhados na tristeza, libertar de toda a espécie de escravidão, a resgatar/redimir o cidadão de tudo aquilo que lhe rouba a dignidade”.

O sacerdote evidenciou então que “Jesus veio para libertar o ser humano de toda a espécie de opressão e escravidão”, para “salvar o homem de tudo aquilo que o escraviza e lhe rouba a dignidade, a esperança e a alegria”. “Os Evangelhos não falam já do Ano Santo, referindo-o a terras, a propriedades ou a dívidas. Jesus veio para a verdadeira libertação do grande opressor que é o poder do mal que domina o mundo e a natureza humana e do qual o homem não é capaz de se libertar a não ser pela intervenção de um redentor”, sustentou.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

“Quando permitimos que o Senhor nos subtraia do poder do mal, da morte e das trevas, para nos transportar para essa realidade em que Deus é verdadeiramente Senhor dos nossos desejos, das nossas expetativas, critérios de vida, opções, acontece o verdadeiro ano santo porque se realiza a verdadeira libertação”, alertou.

O orador exortou cada paróquia a mergulhar em “águas profundas”, “onde é preciso que a barca da Igreja vá, a fim de trazer para porto seguro tantas vidas que se sentem naufragar”. O cónego Mário de Sousa considerou assim que o Ano Santo é tempo de abertura à esperança. “A esperança brota de um coração confiante de quem sabe que à popa, lugar onde se encontra o leme, está Jesus, mesmo que, às vezes, pareça que está a dormir”, acrescentou.