
A conferência sobre Santa Teresa de Jesus, no encerramento das celebrações no Algarve do quinto centenário do seu nascimento (1515-2015), evidenciou que aquela “doutora da Igreja” que Igreja hoje celebra deixou uma proposta de relacionamento com Deus completamente inovadora para o seu tempo e que continua a ser desafiadora na atualidade.
O padre Víctor Hidalgo López explicou no Carmelo do Patacão, na segunda e terça-feira, que “Teresa fez uma viagem ao interior”, a mesma que propõe a cada pessoa, para cultivar uma “relação de amizade” com Deus através do “caminho da oração”. “Deus vive, atua e se comunica no centro do nosso íntimo, mesmo que disso não tenhamos consciência. Teresa de Jesus dá-nos uma lição de interioridade”, considerou o sacerdote mexicano, membro do governo provincial da Ordem dos Carmelitas Descalços, que está em Portugal a colaborar com o Centro Mariano Domus Carmeli e no acompanhamento espiritual das irmãs carmelitas em vários Carmelos, lembrando a ideia da santa de Ávila (Espanha) de que “a alma humana é como um castelo com muitos aposentos” que importa conhecer.
Neste sentido, o conferencista explicou que a “viagem interior” proposta “não é fuga do exterior, da realidade”, uma espécie de “alienação”. “É para encontrar o centro e depois nos impulsionar para fora, ao serviço”, sustentou, lembrando que “Teresa era uma mulher que conhecia muito bem a realidade social, humana e eclesial”. “Era uma mulher que gostava da leitura e de formar-se. Foi uma pessoa de contrastes porque foi uma mulher contemplativa e ao mesmo tempo ativa; simples e ao mesmo tempo sábia; enferma, mas ao mesmo tempo forte; solitária, mas ao mesmo tempo sempre esteve acompanhada”, completou.
Considerando que era uma “mulher muito humana” e “grande comunicadora”, frisou que a santa de Ávila “viveu numa época de tempos difíceis, de mudanças profundas”. “Não era fácil ser mulher, espiritual e religiosa”, constatou, acrescentando que Teresa de Jesus “reclama a presença ativa da mulher na Igreja” e “denuncia energicamente a marginalização da mulher no ambiente social e eclesiástico da sua época”. “Era uma mulher critica das coisas” mas “uma mulher plena de satisfações e de sonhos realizados porque viveu cada etapa da sua vida de uma maneira completa”, destacou.

O padre Hidalgo López recordou que Teresa de Jesus rejeitou a oração recitada por meio de fórmulas escritas, num tempo em que era proibido pela Inquisição falar com Deus, tendo sido chamada a esclarecer as suas posições. “[Teresa] definiu a oração como trato a sós com Aquele que sabemos que nos ama; falar com Deus de nós, do que acontece dentro de nós, das nossas intimidades, ilusões, esperanças, medos e problemas. Isso é ter uma relação de amigo, uma relação de amizade com Deus”, destacou.
O orador sublinhou que, ao fundar em 1562 o primeiro convento de carmelitas descalças, o Convento de São José, em Ávila, iniciado com três ou quatro irmãs, a intenção era “juntar umas quantas pessoas que estivessem determinadas a viver esse caminho de amizade com Deus com uma entrega total”. “Graças ao pouquito que ela conseguiu fazer, hoje temos a obra de toda uma família religiosa mundial”, sustentou, lembrando que até à reforma implementada por Teresa de Jesus só existia uma Ordem Carmelita, que depois se dividiu em descalças e calçadas. Teresa de Ahumada passa a chamar-se Teresa de Jesus, descalçando-se aquando da entrada no Convento de São José para significar o início de uma nova vida. “Dentro dos conventos havia diferenças de classes sociais, havia monjas de primeira categoria e monjas de segunda ou terceira categorias”, lamentou, acrescentando que “no convento de Teresa isto vai desaparecer”.
Dos 47 aos 67 anos, a fundadora do Carmelo reformado prossegue trabalhando e fundando conventos, o último dos quais em Burgos, em 1582, o ano da sua morte. “Temos aqui o testemunho de uma mulher que experimentou na sua vida os mistérios da nossa fé. Ela vai ser revolucionária porque experimentou”, evidencia o conferencista, sublinhando que Teresa de Ávila “é uma mulher coerente com a sua fé”, que “ama a verdade porque Cristo é o caminho, a verdade e a vida”.
Beatificada em 1614 por Paulo V, canonizada em 1622 por Gregório XV e proclamada doutora da Igreja em 1970 por Paulo VI, Teresa de Jesus deixou imensos escritos que elaborou a partir dos 45 anos. As obras maiores são o “Livro da Vida”, a sua autobiografia, “O Castelo Interior” ou “O Livro das Moradas”, para além das cartas, que segundo o conferencista, poderão chegar às 25 mil, embora só se tenham conservado 500.
Com a presença de quatro pessoas, para além da comunidade algarvia das irmãs carmelitas descalças, nos dois dias da sua conferência – cuja primeira parte se intitulou “Um caminho de Santidade: figura, vida e escritos de Santa Teresa de Jesus” e a segunda “Teresa de Jesus: uma Santa de ontem para o mundo de hoje” –, o padre Hidalgo López abordou a vida, os escritos, as vocações, o carisma e a mensagem de Teresa de Ávila para mostrar o que tem esta mística nascida em 1515 a dizer ao mundo contemporâneo pela atualidade da sua doutrina.
O encerramento das comemorações no Algarve do quinto centenário do nascimento de Santa Teresa de Jesus tiveram já ontem continuidade com um momento de oração associado a um concerto do Coro de Câmara da Sé de Faro e prosseguem hoje com a celebração da eucaristia presidida pelas 18.30h pelo bispo do Algarve, D. Manuel Quintas, no Carmelo algarvio. Amanhã realiza-se, pelas 21h, um encontro para jovens como “espaço aberto ao diálogo com Santa Teresa”, intitulado “Teresa de Jesus: uma Santa alegre, amiga e forte de Deus!”.