
O presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) disse ontem na sessão de abertura do XIII Congresso Nacional, que está a decorrer até domingo naquela cidade com a participação de mais de 700 congressistas, que a comparticipação pública àquelas instituições “há muito que entrou no sinal vermelho”.

“É, pois, urgente iniciarmos um processo de renovação dessa comparticipação para valores aceitáveis sob pena de regressarmos aos salários em atraso e ainda pior a baixas excessivas de qualidade da que justamente nos obrigamos”, alertou Manuel de Lemos, aproveitando a presença do ministro da Segurança Social, Vieira da Silva, naquela sessão.

“Acredito que o Governo e o partido que o sustenta não permitam que o mais que necessário reforço do setor público do Serviço Nacional de Saúde se faça em detrimento da atividade das instituições da economia social, cuja competência em termos técnicos e de proximidade é reconhecida por todos desde, a Entidade Reguladora da Saúde aos cidadãos”, afirmou.

Aquele responsável acrescentou que “nos cuidados continuados a situação é também extremamente preocupante no que toca à remuneração”, sustentando que “mais de 80% dos cuidados prestados” no âmbito da Rede Nacional de Cuidados Continuados são no setor social.

“Os nossos lares parecem, cada vez mais, unidades de cuidados continuados, da mesma forma que todos os dias se debate, cada vez mais e depressa, a fronteira entre a segurança social e a saúde”, afirmou o presidente da UMP, ao referir-se aos “dois problemas maiores” com que, assegurou, se debatem hoje as misericórdias, assim como outros parceiros do setor solidário: o “problema do envelhecimento da população” e o “problema da sustentabilidade”.

“Este aumento continuado e permanente arrasta consigo mais e maiores fragilidades das pessoas, mais doenças crónicas, novas patologias (de que as demências em particular são um exemplo) com consequências sociais incalculáveis. Só que esta realidade veio mudar o perfil dos nossos idosos e, com isso, o perfil das nossas respostas sociais com tudo o que isso representa em termos de capacidade de resposta e em termos de prestação de cuidados, mais recursos humanos e, sobretudo, recursos humanos tecnicamente mais qualificados, instalações mais adaptadas, mais e mais caros medicamentos”, desenvolveu.

Manuel de Lemos acrescentou que “tendo presente esta realidade, não parece possível manter o olhar tradicional sobre os sistemas de saúde”. “Tudo mudou à nossa volta menos a nossa maneira de pensar”, lamentou, manifestando a “firme convicção” de que será em “sede de apoio domiciliário que o futuro da prestação de cuidados aos idosos há-de ser centrada”.

“Nomeadamente verifico o que as novas tecnologias estão já a poder proporcionar aos cidadãos, sem prejuízo das respostas funcionais que não hão-de ser dispensadas nos tempos mais próximos. Vamos continuar a necessitar de respostas de qualidade que implicam a institucionalização dos utentes e, por isso, o esforço que estamos a fazer no sentido da requalificação das respostas relativas ao envelhecimento com investimento em equipamentos e em inovação”, complementou, lembrando o apoio solicitado ao Estado para uma garantia bancária que “está em marcha”.

Manuel de Lemos sublinhou assim o papel das misericórdias de “cooperar com o Estado”. “As misericórdias nem são concorrenciais ao Estado, nem o setor social é um ramo do setor privado. É um ramo do direito privado, mas, constitucionalmente, o direito privado não se confunde com o setor”, frisou, acrescentando que “a cooperação também veicula o Estado a cumprir o que propõe e acorda e ter presente que os compromissos assumidos são para cumprir”. “É que, muitas vezes, esses compromissos criam expetativas, implicam avultados investimentos, geram empregos sustentáveis, contribuem para coesão territorial e social”, alertou, acrescentando: “o Estado pode e deve continuar a dar apoios e a continuar connosco porque somos parceiros ativos, sérios, disponíveis e leais”.

Sobre a questão da sustentabilidade, aquele responsável lembrou que o pacto para a solidariedade assinado com o Estado tem quase 22 anos. “Nessa altura era suposto que o valor da comparticipação do Estado se devia situar na faixa dos 50% do custo final da resposta, um pouco mais para a assistência. Confesso que não sei algum dia essa percentagem foi alcançada. Julgo que não”, afirmou, considerando que “nos últimos anos se tem degradado com muita rapidez”, nomeadamente por causa da “mudança de perfil dos idosos”, dos “aumentos, mais do que justos, do salário mínimo” e das “sucessivas exigências e preocupações em sede de qualidade”. “A sustentabilidade tem, evidentemente, a ver com o equilíbrio financeiro da instituição, mas esse equilíbrio tem que ter por pressuposto qualidade na prestação, salários mais justos, equipamentos mais dignos, abertura ao investimento em inovação. De outra maneira não estaremos a falar em sustentabilidade, estamos a falar em sobrevivência”, sustentou.
O XIII Congresso Nacional das Misericórdias está a decorrer no Palácio de Congressos do Algarve, organizado pela UMP em articulação com o Secretariado Regional de Faro daquela instituição, sob o tema “Missão, Rigor e Compromisso”. Manuel de Lemos explicou o sentido do tema. “Rigor na gestão porque sabemos que os recursos são escassos e que não é solução deitar dinheiro em cima dos problemas. Compromisso com as pessoas que apoiamos – quer os que cuidamos, quer aquelas a quem damos emprego – e com a cooperação com o Estado na definição e execução das políticas públicas sociais e na utilização dos recursos públicos que nos são confiados. Missão porque tudo o que fazemos se ancora nos valores que são os nossos e de que nos orgulhamos e na nossa responsabilidade para com as comunidades que livremente criaram as misericórdias”, concluiu.