D. Manuel Clemente deixou ontem claro, em Monte Gordo, que a fundação da Europa resultou das missões cristãs que ocorreram a seguir à queda do Império Romano do Ocidente, do século V ao X.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo
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O patriarca emérito de Lisboa – que proferiu à noite uma conferência para assinalar o Dia da Europa, numa iniciativa promovida pela paróquia local – lembrou que essas campanhas foram realizadas, geralmente por monges, que “partem para levar a sua fé a povos que não eram cristãos”.

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Especialista em história, D. Manuel Clemente, na autêntica aula que apresentou no salão paroquial com quase uma centena de participantes, recordou os sucessivos povos bárbaros que conquistaram o território a que hoje chamamos Europa, na altura, em boa parte, pertencente ao Império Romano.

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O conferencista evidenciou que esses três grandes contributos missionários foram o romano-beneditino, que, tal como esta designação indica, era composto por monges da tradição de São Bento (beneditinos) que partiram de Roma até à Inglaterra; o celta, com monges que vão da Irlanda para a Escócia, seguindo para Inglaterra e prosseguindo até ao norte de Itália; e o grego, constituído por São Cirilo, um dos padroeiros da Europa, e outros monges que se deslocam da antiga Constantinopla (hoje Istambul, na Turquia) até à Rússia, convertendo os eslavos do leste da Europa e os russos.

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“A pouco e pouco estes povos vão passando ao Cristianismo, tendo uma base cultural comum”, explicou D. Manuel Clemente, acrescentando que a Europa aparece assim no século X com o contorno que tem hoje, da cordilheira russa dos Urais ao Atlântico e do Mediterrâneo ao Mar do Norte, “com uma unidade não apenas geográfica, mas cultural e religiosa”.

Lembrando que nem tudo foi “fácil e pacífico” porque houve disputas dos diversos reinos, o historiador passou em revista os principais conflitos militares ocorridos desde o século XIV com a Guerra dos Cem Anos, que opôs ingleses a franceses; a tentativa de império napoleónico no século XIX; a Guerra Franco-Prussiana na segunda metade do século XIX entre franceses e alemães; a I Guerra Mundial, na qual Portugal acabou por entrar, e que resultou em 10 milhões de mortos e no desmembramento do Império Austro-húngaro que se divide por diversos países que vão desde a Áustria e Hungria até aos Balcãs; e na II Guerra Mundial que causou 40 milhões de mortes.

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D. Manuel Clemente lembrou a propósito destes dois últimos conflitos a ação dos papas de então, sublinhando no primeiro o esforço de Bento XV para “ver se consegue acabar com a guerra” e que “fez uma série de avisos”, advertindo que a humilhação da Alemanha levaria a “pagar muito caro por isso”. “Na II Guerra Mundial, já que não se resolvia o conflito, Pio XII ensaiou criar uma rede internacional de apoio às vítimas”, recordou.

O patriarca emérito identificou então as três figuras consideradas como os “pais da Europa”: Robert Schuman, nascido no Luxemburgo, mas cuja família era da Lorena, região disputada pela França e Alemanha, e que foi primeiro-ministro e depois foi ministro dos Negócios Estrangeiros da França; o alemão Konrad Adenauer; e Alcide De Gasperi, embora nascido em território que na altura pertencia à Áustria e que voltou à Itália, tendo sido primeiro-ministro deste país.

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“Além de serem cristãos e católicos convictos tinham uma outra característica comum: todos eles tinham andado de um e do outro lado da fronteira, todos estes homens tinham conhecido a guerra de muito perto”, realçou D. Manuel Clemente, explicando que a sua intenção foi “a reconstrução do continente com o maior idealismo possível: fazer uma Europa que finalmente resolva os problemas em conjunto, se desenvolva em conjunto e cujos recursos básicos sejam repartidos”, ou seja, “criar condições para que não haja rivalidades entre os países europeus”.

O cardeal lembrou que a matéria-prima eleita para a reorganização industrial do continente foi o carvão e o aço, numa alusão à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) que uniu Bélgica, Alemanha, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos e que esteve na origem do que veio a ser mais tarde a Comunidade Económica Europeia (CEE) e, posteriormente, a atual União Europeia.

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D. Manuel Clemente aludiu ao “sonho com os pés na terra” dos “pais da Europa”. “Esta mistura de pés na terra e cabeça aberta aos sonhos é que fez a Europa e temos de concordar que é um projeto muito bonito”, afirmou, pedindo aos presentes para terem isso em conta quando forem votar daqui a um mês para eleger os deputados para o Parlamento Europeu. O conferencista disse que “há quem fará tudo para desagregar esta União Europeia que não lhes interessa nada” e que as bombas de Hiroshima e Nagasaki, “segundo os especialistas, são «brinquedos» comparadas com as que existem hoje”. “E se em Hiroshima foi o que foi… juizinho porque senão não sobrará Europa. E o momento é realmente perigoso, este que estamos a viver”, avisou.

O Dia da Europa é comemorado anualmente a 9 de maio, para festejar a paz e a unidade do continente europeu. A data assinala o aniversário da assinatura da «Declaração Schuman» em 1950, que conduziu à CECA.

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No final da conferência, que contou com a presença do pároco, o padre Tiago Pereira, e dos presidentes da Câmara e da Assembleia Municipal de Vila Real de Santo António, bem como dos vereadores e do presidente da Junta de Freguesia. O presidente da Câmara disse que a intervenção do patriarca emérito, mais do que uma “aula de história”, “foi uma aula de cidadania”. “É importante que tenhamos a noção que a Igreja tem este papel também. A Igreja não se limita a transmitir catequese. A Igreja tem este papel de formar os seres humanos”, afirmou Álvaro Araújo, considerando a conferência de D. Manuel Clemente uma “lição para a vida”. “Todos percebemos a importância da Europa. Quem não tinha a noção, hoje aprendeu aqui muita coisa. Se não tivesse sido a fundação da Europa, às tantas, tinha havido a terceira guerra mundial. Não tivemos mais guerras porque alguém um dia se lembrou de formar a Europa”, concluiu.

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Depois da palestra, foi realizada uma oração pela paz e de consagração a Nossa Senhora que serviu de acolhimento da imagem peregrina de Nossa Senhora da Piedade, popularmente evocada como «Mãe Soberana», que está de visita àquela paróquia, e que contou também com a participação dos cónegos Carlos César Chantre, vigário-geral da Diocese do Algarve, e Carlos de Aquino, reitor do Santuário da «Mãe Soberana», e do padre Ferdinando de Freitas, que também participaram no momento anterior.