O padre Fernando Rodriguez Garrapucho disse ao clero das dioceses do sul do país que a “eclesiologia da comunhão” é “o melhor instrumento de que hoje se dispõe para o trabalho que tem como finalidade a reconciliação e a unidade dos cristãos na única Igreja de Cristo”.
Aquele orador nas jornadas de atualização dos bispos, padres e diáconos das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal que se realizou online e que ontem terminou, acrescentou que a “categoria de Igreja-comunhão foi e continua a ser um grande motivo de aproximação a uma eclesiologia da unidade entre todos os cristãos”. “A categoria de comunhão abriu a eclesiologia católica ao diálogo ecuménico e ao reconhecimento dos elementos da verdadeira Igreja de Cristo que há nas outras confissões”, sustentou.
“A vantagem é que esta eclesiologia não é exclusiva de nenhuma confissão cristã precisamente porque está presente em todas elas e se converteu num ponto de confluência, graças ao qual se podem ir superando os aspetos mais difíceis que dividem os seguidores de Cristo”, sustentou aquele membro da congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus que também é consultor da Comissão Episcopal das Relações Interconfessionais da Conferência Episcopal Espanhola.
Na abordagem aos temas “De uma «Igreja Piramidal» à «Igreja Comunhão». O repto da Sinodalidade” e “Ser Igreja hoje: transparente, credível e em permanente estado de conversão”, (dehonianos), Interconfessionais da Conferência Episcopal Espanhola que apresentou na última quarta-feira, o padre Fernando Garrapucho assegurou que “para compreender a fundo os conteúdos da eclesiologia da comunhão” é preciso “transpor as fronteiras confessionais”, ou seja, “conhecer a eclesiologia das outras confissões cristãs porque não se pode compreender esta dimensão só na teologia católica”. “É curioso como no século XX, a redescoberta da eclesiologia da comunhão ocorreu à vez em todas as Igrejas Cristãs”, constatou.
Aquele sacerdote e investigador espanhol considerou, no entanto, que para se avançar nessa convergência ecuménica é preciso uma “meta comum”. “Hoje não existe um consenso sobre o qual deva ser o modelo de realização da Igreja-una de Cristo que os cristãos devem procurar. Cada Igreja tem a sua ideia sobre a sua vida eclesial, cada uma esforça-se em alcançar esse objetivo segundo a sua própria conceção, de modo que existem tantas metas de vida como eclesiologias diversas”, observou, questionando: “Que modelo de unidade de Igreja universal deve constituir a meta que procuram hoje as Igrejas cristãs? Qual é o conceito de comunhão e sinodalidade que podemos encontrar juntos para nos reconhecermos uns aos outros como Igreja de Cristo?”.
O orador defendeu que para avançar neste campo é preciso regressar aos três critérios que a Igreja do século II encontrou para, face aos grupos heréticos, reconhecer a sua verdadeira identidade de modo a “regressar à referência apostólica”: “o cânone das Escrituras, o Credo e a sucessão apostólica”.
O sacerdote aludiu à necessidade de se encontrar uma “forma nova do exercício do primado” que valha para todos os cristãos. “Uma voz comum do Cristianismo é vista, cada vez mais, como algo necessário para os cristãos. Portanto é uma tarefa de todas as Igrejas no momento presente colaborar nesta busca do primado dentro da sinodalidade e da comunhão”, defendeu, considerando que sem o primado universal não pode haver “sinodalidade plena e universal”.
Por outro lado, destacou também a importância da relação do Cristianismo com a cultura e referiu-se a uma “sinodalidade cultural”. “Se o que é dito contra certas leis que desumanizam fosse dito pelos protestantes, pelos católicos e pelos ortodoxos (e também pelos judeus e pelos muçulmanos sobre questões como a família ou a vida), então o governo teria outro respeito por essa manifestação cultural favorável a uma cultura que humaniza e dignifica a pessoa”, concretizou, voltando a insistir na importância da constituição de um “Conselho de Igrejas Cristãs”, à semelhança do que já fizera nas jornadas do ano passado.
O conferencista acrescentou ainda no plano prático e pastoral a necessidade de um “testemunho cristão comum de responsabilidade relativamente à natureza e à salvaguarda da Terra, casa comum de todos os homens”.
O padre Fernando Garrapucho considerou ainda que não só que a dimensão da comunhão abre a Igreja Católica às restantes Igrejas cristãs, como também a toda a humanidade. “O conceito de comunhão fez com que a eclesiologia e o sentido de Igreja se alarguem também a toda a humanidade e quem descobriu melhor isto foi, em parte, a Teologia da Libertação, que não disse nada novo senão que a opção preferencial pelos pobres é a opção de toda a Igreja desde o princípio. Nessa opção pelos últimos, que sempre manteve e vive, a Igreja entra em comunhão com toda a humanidade, começando pelos mais excluídos da cultura e da riqueza”, afirmou.
O orador realçou que a “categoria da comunhão” é “uma categoria eclesiológica que tem raízes na Sagrada Escritura”. “Esta eclesiologia da comunhão é a eclesiologia da Igreja dos três primeiros séculos”, lembrou e acrescentou que “a Igreja como comunhão está por trás de todas as recuperações e equilíbrios conseguidos pelo Concílio Vaticano II”. No entanto, constatou: “falta-nos muito para assumir e receber na vida o Concílio Vaticano II. Falta-nos assumir tudo o que implica as mudanças e as reformas que nos propõe”.
O sacerdote, que se referiu ainda à importância do movimento pentecostal, desafiou a que se possa “caminhar sem que tenha de haver monolitismo doutrinal, mas uma pluralidade de teologias que não quebra a unidade da mensagem evangélica”. “Se nos deixarmos levar pelo poder do Espírito de Deus e pela criatividade a que nos desafia o Evangelho, esta renovação em chave sinodal é a que nos propõe o Papa Francisco para que a façamos também de forma ecuménica. Ele diz que a realidade é poliédrica, na qual o Espírito suscita carismas muito diferentes ao serviço da comunhão. Portanto, este caminho sinodal que estamos agora a fazer tem de ter estes critérios claros e não deve temer que a sinodalidade nos leve a uma Igreja democrática onde as coisas se decidem por votação”, concluiu.