CAPITALISMO HIPER-CONSUMISTA QUE MANIETA

No último editorial referimo-nos às dificuldades que cada vez mais famílias portuguesas têm para fazer face às suas despesas mensais. Esta constatação pode levar-nos à dedução simplista de que o problema foi causado pelo descontrolo das contas familiares com origem no consumismo desenfreado pelo qual muitos agregados se deixaram seduzir e encarcerar. No entanto, com recurso a uma análise mais detalhada, realizada com base num simples exercício de memória recente, facilmente conseguimos apurar que, em bom rigor, essa constatação não reporta a verdade do acontecido na sua totalidade.

Portugal viveu, até há bem pouco tempo, mergulhado num contexto ilusório alimentado por várias instituições e organismos, a começar pelas do próprio Estado. Fez-se-nos crer que vivíamos num país plenamente integrado no Projecto Europeu, consubstanciado já em muitos dos seus ideais como a igualdade do poder de compra entre países europeus e, consequentemente, de equidade no acesso aos chamados bens de primeira necessidade.

Fez-se-nos crer que, no curto intervalo de uma geração, ficaria assegurada a melhoria das nossas condições de vida com recurso a créditos facilitados cujas obrigações tenderiam a ser cada vez mais facilmente honradas por via do progresso de um país em crescimento.

Este discurso cor-de-rosa irradiou de governantes e levámos anos a ouvir diariamente desmentidos e desvalorizações de avisos realistas sobre o estado da Nação. O ambiente de hiper-incentivo ao endividamento foi reinando e crescendo com a conivência de responsáveis. Para além do Estado, a banca e outras entidades estimularam até ao limite o acesso ao crédito, quantas vezes tendo como expediente o marketing agressivo.

No Algarve cresceram as superfícies comerciais um pouco por todas as cidades do litoral como se duas ou três não fossem suficientes para toda a região, mesmo em tempo de Verão. Cada Câmara Municipal quis ter o seu Centro Comercial (nalguns casos até mais do que um, desvario que a digladiação entre eles se ocupou de corrigir) assim como outras infra-estruturas, numa estratégia que pouco ficou a dever à concertação e coordenação expectável entre autarquias que demandam pela regionalização. E a extravagância continua, ameaçando adquirir contornos de escândalo tendo em conta a situação cada vez mais degradada do país sem que ninguém ouse opor-se neste Estado de direito e democrático.

Manipulados por um capitalismo hiper-consumista fomos levados a adquirir um infindo número de produtos, parte deles absolutamente supérfluos, com a fundamentação de que nos facilitariam a vida de forma a podermos dispor de mais tempo livre para a família, para o lazer, para o desporto, para a cultura, para a espiritualidade. Paradoxalmente, nunca tivemos tão pouco tempo para essas dimensões essenciais da vida.

Os juros da dívida pública batem recordes e continuarão a bater até que os agentes da especulação concretizem o seu objectivo de deixar a presa ferida de morte. A Grécia não chegou, seguiu-se a Irlanda. A Irlanda não chega, seguir-se-á Portugal. E se Portugal não chegar, será a vez da Espanha… E até quando continuaremos assim, manietados por uma estratégia económica que faz as pessoas valerem menos que os números? O FMI já teve a coragem de dizer que a actual crise financeira teve origem no fosso entre ricos e pobres. Aprenderemos a lição que esta crise nos quer dar? Não se vêem sinais significativos disso, mas esperemos que sim.

O Director