A Crise Familiar – IV
Neste sentido, muitos continuam a pedir à Igreja o sacramento do matrimónio prometendo ser fiéis, amar e respeitar os cônjuges na saúde e na doença, mas com logo com a reserva mental de que isso será assim apenas enquanto não aparecer qualquer condicionalismo ou vontade que os faça mudar de intenção. Embora cada caso deva ser analisado como cada qual sem a pretensão de condenar quem quer que seja, os matrimónios que resultam em divórcio são, por isso, na sua larguíssima maioria, efetivamente nulos, pelo que deveriam ser assim declarados pela Igreja. Importa então fazer três coisas: em primeiro lugar melhorar exponencialmente a preparação para a receção do sacramento; em segundo assegurar o apoio e acompanhamento após ter sido recebido; e, em terceiro, aperfeiçoar o processo existente para declarar a nulidade do matrimónio.
Sinais de esperança
A história está cheia de exemplos de grandes civilizações que ruíram porque iniciaram processos de corrosão internos e interiores. No entanto, e apesar do panorama muito cinzento, há sinais de esperança que nos mostram que é possível travar para corrigir o sentido da marcha a tempo de evitar males maiores que já se conseguem imaginar. É necessário que mudemos enquanto é tempo para que não seja preciso descermos ainda mais fundo.
Precisamos de modelos audazes e corajosos que não se preocupem em mudar o mundo mas comecem por mudar-se a si mesmos para que voltem a ensinar às crianças quais os verdadeiros valores; gente que seja capaz de viver de harmonia com a sua própria natureza e com a natureza da Criação que lhe foi entregue para ser cuidada para poder ser deixada às gerações vindouras; gente que se importa com a crise familiar e com a crise ecológica por saber que estas têm consequências muito mais graves, e cada vez mais evidentes, do que a crise económico-financeira.
A união faz a força e, neste sentido, surgem cada vez mais pessoas com uma consciência muito nítida de que todos precisamos uns dos outros e que ninguém pode viver sozinho; pessoas que sabem que o mais importante da vida são as pessoas e não a economia e os seus interesses; gente que sabe ser preciso regressar à riqueza e à sofisticação das coisas simples nas quais reside o segredo da felicidade. Neste sentido, há também quem ainda vá conseguindo heroicamente rejeitar contribuir para a tragédia demográfica que se assiste nesta Europa.
O crescente surgimento de pessoas que querem viver e trabalhar juntas, umas com as outras, e, principalmente, umas para as outras, é então um sinal enorme de esperança.
O crescente surgimento de pessoas que querem viver e trabalhar juntas, umas com as outras, e, principalmente, umas para as outras, é então um sinal enorme de esperança. Estas comunidades sustentáveis e ecológicas, constituídas por indivíduos que querem viver em harmonia consigo mesmos, com os outros e em respeito para com a Criação (muitos também numa relação espiritual com o transcendente), têm-se multiplicado um pouco por toda a Europa (sendo que algumas das mais conhecidas estão sedeadas na Escócia – www.findhorn.org – e Alemanha – www.siebenlinden.de), pelos Estados Unidos da América e noutras partes do globo. Esta atitude de respeito pela Criação inclui, obviamente, todos os seres criados. Não se trata, portanto, de uma relação de subserviência relativamente a esses seres, mas de respeito por eles.
As comunidades cristãs primitivas viviam nesta cultura da partilha e, no contexto desse legado histórico, as suas sucessoras têm aqui uma responsabilidade acrescida da qual não se podem demitir, até por significar o tão desejado regresso à origem e à comunhão. Mais do que pela retórica gasta da teoria, pelo estilo de vida seremos capazes de convencer outros.
É urgente o regresso a condições de vida que possibilitem uma prática cristã mais sã, mais vivida e vivenciada.
É urgente o regresso a condições de vida que possibilitem uma prática cristã mais sã, mais vivida e vivenciada. É necessário aprender do testemunho de apoio e entreajuda muito presente nalgumas comunidades cristãs entre os seus membros.
É possível, no presente, construir um futuro no qual os idosos voltem a ganhar o gosto pela vida; uma organização que não imponha aos anciãos condições de sobrevivência sub-humanas; um sistema que aproveite e valorize toda a sua experiência adquirida ao longo de uma vida e que possa conjugar essa dimensão do conhecimento com a trazida pela ciência nos últimos anos.
Felizmente há cada vez mais gente que rejeita a formatação que a sociedade impõe e ousa pensar e agir fora do protótipo estabelecido para alcançar um amanhã de esperança que pode começar a ser cada vez mais presente. Que não passe muito mais tempo sem que consigamos ir por aí.
O diretor