MUDANÇA QUE URGE

Portugal, parece cada vez mais, encaminhar-se para um abismo do qual dificilmente conseguirá sair, a não ser que haja uma efectiva mudança de responsáveis, mas sobretudo de políticas, de comportamentos e hábitos.

A austeridade imposta a semana passada pelo Governo aos cidadãos portugueses (a uns mais do que a outros) é mais um episódio a somar a muitos outros, que desde há décadas – mas com particularmente incidência nos últimos anos – se têm vindo infelizmente a repetir e a agravar.

Temos vivido assim a dolorosa realidade de reduções, instantâneas e a sangue-frio, do défice, à custa do sofrimento e da pobreza de milhares de famílias da classe média – porque são sempre essas as que verdadeiramente pagam a consolidação das contas públicas – e de manobras e engenharias financeiras – como agora a do fundo de pensões da PT – que em vez de resolverem o problema dão-nos a ilusão dessa resolução mas apenas o adiam com consequências quase sempre nefastas.

Na memória bem recente permanece a redução extraordinária do défice em 2007, abaixo dos 3% (conseguida pelo primeiro Governo deste mesmo Primeiro-Ministro à custa de todos nós) que, por incompetência ou intencionalmente por se aproximarem as eleições legislativas de 2009, incompreensivelmente vimos derrapar logo nos anos seguintes.

São estes políticos que apregoam que a consolidação das contas públicas "é uma tarefa de todos", quando todos constatamos que a sua desconsolidação foi apenas da responsabilidade de alguns. Políticos que teimam em falar-nos verdade, com sentido de Estado, e optam por nos ir tentando ludibriar com visões optimistas e contradições diárias que já ninguém compreende, para no fim nos voltarem sempre a pedir confiança e mais sacrifícios.

Sabemos que a economia paralela (cerca de 20% do PIB) é um dos principais obstáculos a que as finanças públicas têm de fazer frente para que algum dia se endireitem. E este problema passa pela consciencialização de todos, Estado e cidadãos, a maioria destes sempre nessa incessante procura da melhor forma de fugir ao fisco. Mas nesta área não seria preferível aumentar as deduções fiscais, de forma que tudo (ou quase) pudesse ser dedutível na carga fiscal dos contribuintes? O estrangulamento que a economia paralela sofreria e o consequente aumento da receita fiscal não seria suficiente para equilibrar as contas? A resposta fica para os economistas.

Acredito na economia de mercado como o único sistema capaz de contribuir, com geração de riqueza, para o efectivo crescimento financeiro dos países mas creio que temos muito que caminhar rumo à sua real regulação. Uma economia de mercado sem ser devidamente regulada torna-se uma selva onde vale tudo. E hoje, na Europa do terceiro milénio, vivemos mergulhados num capitalismo selvagem que tem de ser veementemente rejeitado.

E nós, membros desta antiga tribo de bons costumes, vamos aguentando isto como se nada se passasse. Como diz Vasco Graça Moura é mais do que hora de mostrar o nosso descontentamento aos nossos líderes políticos, bem como à "tropa-fandanga" que incondicionalmente os segue.

Não haverá neste país gente competente para o gerir que coloque de lado as partidarices do costume e sobretudo os interesses pessoais, gente que o queira servir em vez de servir-se dele? Não haverá gente neste país que ouse perguntar, por exemplo, porque é que são as agências de rating americanas que avaliam o risco dos países europeus? Com certeza que sim.