Nesta minha procura das "coisas últimas", li agora, nestes dias quentes de verão, o último livro de José Tolentino Mendonça, editado no passado mês de julho pela Assírio & Alvim. Com o estranho título de "O Hipopótamo de Deus e Outros Textos", reúne 44 textos em 142 páginas. No calor dos dias e das noites tenho lido e relido estes pequenos-grandes textos como quem se refresca com a suave brisa do norte. Tolentino Mendonça nasceu na Madeira em 1965, é professor universitário, teólogo e padre, escritor, poeta e dramaturgo, ensaísta e tradutor, reconhecido como um dos mais jovens pensadores e intelectuais da actualidade.

Pois bem: esta sua obra veio reforçar (e de que maneira!) o meu propósito de contar mais um episódio ocorrido no percurso do meu caminho em demanda da verdade. De uma forma quase sublime, Tolentino levanta uma ponta do véu que a cobre. Todos os seus textos são um hino à tríade Verdade, Bondade e Beleza. Atingem o mais fundo do nosso deslumbramento e mergulham-nos num "duplo e recíproco êxtase – de Deus no homem e do homem em Deus – (que) é o conteúdo da visão da beleza". Mas, n"O Hipopótamo de Deus", o autor diz: "O método de Deus (…) é trabalhar a medida do olhar humano, rasgá-lo imensamente para que ele vislumbre o incomensurável, tudo o que não tem resposta, mostrando que se o Mal é um enigma que nos cala, o Bem é um mistério ainda maior. A maravilhosa criação também não tem resposta. Porquê pretender a todo o custo uma solução para o Mal, se o Bem é igualmente uma pergunta, e uma pergunta ainda mais funda, vasta e silenciosa?"

Isto tem muito a ver com as minhas dúvidas e com o que se passou comigo: Há já algum tempo desloquei-me a Portimão para ouvir Frei Bento Domingos numa das "Conferências na Biblioteca". Sou admirador da novidade da palavra de Frei Bento a interpretar as "coisas penúltimas" e a discorrer sobre as "coisas últimas". A sala estava cheia. E no fim, não tive coragem para fazer perguntas. Mas já cá fora, na descontracção de um breve convívio, aproximei-me dele e expus-lhe o que pensava sobre "a vontade de Deus" e a minha não aceitação da maneira como, vulgarmente, com ela se conotavam todas as desgraças que aconteciam, desde as calamidades às doenças, dos acidentes viários ou laborais à morte, das deficiências físicas até às guerras ou à fome no mundo. Como expressão de conformismo e aceitação, dizia-se foi Deus que assim quis, foi esta a vontade de Deus. A vida é o mais admirável dos dons de Deus e, para mim, o mal e o bem, a doença e a saúde, as tristezas e as alegrias, fazem parte da essência da vida, são seus atributos naturais, não são manipulação do dia-a-dia das criaturas, como se fossem marionetas, nas mãos do Criador. Nesta altura Frei Bento interrompeu-me para dizer que tinha sido uma pena eu não ter soltado este assunto na sala, pois perdemos, assim, uma boa oportunidade de esclarecimento. E, com toda a simplicidade, perguntou-me se ainda sabia responder à pergunta "para que nos criou Deus?". Respondi-lhe que sim, que me lembrava perfeitamente de o ter aprendido na catequese de menino. E acrescentei de seguida: para O conhecermos, amarmos e sermos felizes para sempre. Exacto, retorquiu ele, então a vontade de Deus é que sejamos felizes, e quando Lhe pedimos que seja feita a Sua vontade, cada vez que o fazemos estamos a pedir-Lhe a felicidade, a paz e o bem, a pedir-Lhe que nos faça felizes. Felizes para sempre, "assim na terra como no céu", porque foi para isso que Ele nos criou, porque é essa a Sua vontade.

Volto a olhar para "O Hipopótamo" e torno a deslumbrar-me com Tolentino Mendonça quando diz que o mistério de Deus esplende e se revela. "Esplende enquanto beleza irresistível. Em momentos determinantes da experiência religiosa, o sussurro é o de uma beleza divina que se atravessa, obscura e fulgurante, uma beleza que se prende ao nosso corpo, num combate nocturno, até ao romper da aurora."