São muitos os caminhos. São muitas as pessoas. Os caminhos são tantas quantas as pessoas. Porque cada pessoa tem o seu trilho, o seu norte. Que, muitas vezes, pode percorrer sozinha ou, muitas outras, acompanhada. Deixando as marcas dos passos na areia, ou calcando, com os pés nus, as pegadas dos outros. Há caminhos de superfície, de dura realidade. Há caminhos de êxtase que rumam às estrelas. E há caminhos de profundidade que mergulham no miolo da terra. Os mineiros fazem este trajecto, perfuram as trevas, avançam no "vácuo", descem aos infernos. No túmulo vazio das minas, nesse lugar inferior, será possível tropeçar nas faixas e nos panos de Cristo Ressuscitado? A verdade desta "loucura" foi-nos relatada mais uma vez (agora em Portugal) por Luis Urzúa, chefe de turno dos 33 mineiros que ficaram prisioneiros, a 700 metros de profundidade, na mina de São José, no Chile, vítimas de um desmoronamento de terras ocorrido no dia 5 do passado mês de Agosto. O mundo viveu esse drama, em directo, durante 69 dias. Quando do resgate, a 13 de Outubro, Urzúa foi o último a chegar à superfície. E todos o ouvimos dizer: "Deus esteve sempre connosco". Há dias, na conferência que deu no nosso país, tornou a afirmá-lo de uma forma extraordinária e surpreendente: "Deus foi o mineiro 34".

Luis Urzúa, topógrafo de formação e mineiro de profissão, tem 54 anos de idade, é o mais velho de 6 irmãos (que ajudou a educar), é casado e tem dois filhos. A convite de várias entidades, anda pelo mundo a relatar a sua experiência, o milagre da sua sobrevivência e da dos seus camaradas. Todos eles, um a um, foram salvos pelo vaivém da cápsula Fénix, como fabulosos pássaros renascidos do ventre da terra. Eles sim, ressuscitados para a luz. E a luz era tão intensa que tiveram de proteger os olhos para não cegar. Tudo isto é extraordinariamente simbólico e conotativo…

Em todas as suas palestras este homem põe a tónica em duas palavras: Fé e Verdade. E conta que, logo que se apercebeu da gravidade do que se estava a passar, se dirigiu aos companheiros dizendo: "No grupo pode haver muitas religiões, muitas crenças, mas vamos todos rezar a um só Deus". E afirma ter sido a fé o grande baluarte para manter a esperança.

Numa tal situação, e no decurso dos dias, somos tentados a perguntar: esperança em quê? E, transcrevendo a parte final de um dos seus artigos, dou a palavra ao P. Tolentino Mendonça para responder – n’"A possibilidade de reencontrar a vida", onde ele fala em "aceitar o risco de sentir a vida integralmente e de maravilhar-se com ela: na escassez e na plenitude, na imprevisibilidade dolorosa e na sabedoria confiante." Sem o saber, talvez tivesse sido muito semelhante a este o discurso do mineiro chileno aos seus companheiros.

Mas também insistiu na "importância da verdade para garantir a união". Porque, se falassem todos a verdade, não iriam ter problemas. E aqui a verdade aparece-nos como antídoto da dúvida, do medo, do desespero, da alucinação. Uma verdade que une, mas que não pode ser egoísta ou individualizada. Uma verdade que precisa ser escavada e descoberta no interior da mina, mas também no fundo escuro de cada homem. Trazida cá para fora e partilhada, reciprocamente repartida por todos. Para se tornar forte e vigorosa, porque assimilada e consciente. Uma verdade que se procura no coração e na razão, nas palavras e nos gestos.

Uma verdade que é salvação – a salvação do "mineiro 34".