Por mais que tentemos, nunca será possível comparar a dimensão das coisas humanas com a incomensurável dimensão das coisas divinas. E aqui digo “coisas” no seu significado mais lato e profundo, que é tudo aquilo que diz respeito ao homem e que com ele se relaciona. Se eu me servir de uma realidade humana, compreensível e natural, para tentar fazer compreender qualquer dos mistérios de Deus, falho redondamente. Porque, embora fazendo naturalmente parte da vida do homem, esse mistério é sempre sobrenatural e, como tal, não se poderá exprimir por palavras – só a fé, o acreditar e render-se à turbulência amorosa que provoca no coração, o poderá fazer sentir. Sem palavras que o consigam exprimir. No entanto, para haver comunicação e sintonia com o humano e com o divino, com o mundo que nos cerca e com o universo que nos enche o peito, nunca será demais, bebendo na nascente dos dons do Espírito, fazer desaguar nos outros o rio de palavras possíveis para tentar dizer aquilo que sentimos.
A verdade que procuramos poderá ser ajuda na busca da verdade que outros procurem. A torrente do rio caudaloso que nos atravessa poderá tornar fecundas as margens de rios outros, de outras margens. E é isso que me leva a dar testemunho do meu desassossego e da minha busca.
Ao rezar o pai-nosso, fiz sempre o esforço de tentar aprofundar esta expressão para além do que ela humanamente me dizia. Contornava as palavras “pai”, “paizinho”, “abba”, “papá”, e apenas conseguia fazer um sulco maior à sua volta. Pensava no carinho do meu pai, na ternura do meu avô e em tudo o que eles tinham contribuído para o meu crescimento. Lia, letra a letra, sentimento por sentimento, o meu papel de pai de quatro filhas, o meu poema de amor pelos meus oito netos, o meu livro de rimas pelos meus três bisnetos, ansioso pelo quarto que não tarda a chegar. Juntava a tudo isto o amor de todos os pais do mundo, e punha tudo num dos pratos da balança. No outro, o amor do Pai nosso. E sempre este prato pesava (e pesa) mais. Eu queria, comparando com o amor de todos os pais, de todos os avós, de todos os bisavós e trisavós, aproximar-me e tocar no amor do Pai. Por mais voltas que desse, sentia sempre que esse Pai era, tinha de ser, outra coisa. Que nunca, apenas através do amor humano dos pais, conseguiria penetrar no amor divino do Pai. Claro que esse amor do Pai é gerador e correia de transmissão do amor dos pais. Mas precisamos da ajuda do fogo de amor do Espírito Santo, a arder nos nossos corações, para o entendermos. O dom da sabedoria do Espírito manifesta-se, não na ciência ou na evolução tecnológica, mas sim na sabedoria do humilde entendimento das coisas de Deus.
E foi esse dom que me empurrou para “o princípio”, não para “o agora”, mas para “o sempre”. Para a raiz da existência, de algo que nos transcende, mas do qual participamos. Para a origem do homem, que sempre existiu na mente de um Deus que é Trindade e Família, que é Pai e é Filho, os quais se amam com tal intensidade, reciprocidade e entrega amorosa, que geram o Espírito que os une, que transmite e cria a vida dos homens, mas também a vida de todas as criaturas, a respiração do mundo. O Pai nosso é criador e progenitor. De todos e de tudo. Anterior a tudo e a todos porque antes do princípio já Ele existia. Fora do tempo porque é eterno. E é deste Pai nosso assombroso, do “big-bang” da explosão do encontro do Seu amor com a Sua vontade, que todos nós fomos criados. E toda esta Beleza divina que nos rodeia e comove. É um Pai cósmico. Que brilha em todas as constelações e nas mais insondáveis galáxias. Pelo mistério do Seu amor, criador do infinitamente grande e do infinitamente pequeno. E não há nada que, humanamente, possamos comparar a este nosso Pai.
Para além destas razões (e daquelas onde, com a luz da sabedoria do Espírito, cada um poderá chegar) há uma outra de igual valor para o cristão. Foi Jesus Cristo que nos ensinou a rezar o pai-nosso. E ao fazê-lo, ao invocar Deus como Pai, deu-nos as mãos e fechou o círculo universal dos filhos desse Pai de que Ele é o primogénito. Declarando-se nosso irmão, e declarando-nos filhos do mesmo Seu/nosso Pai. Depois, pelo batismo, fomos enxertados no Filho pelo fogo do Espírito Santo – que nos deu uma nova vida e, no Filho, nos tornou filhos do Pai. A santidade desta filiação é a coroa de glória que nos exorta a viver em graça, que é a participação na vida divina.