1 – Segundo a carta aos hebreus, já citada (Heb.1,1-2), Deus falou-nos outrora, por meio dos Profetas. Aqui, a Palavra «profetas» poderá ser entendida, em sentido genérico, ou seja, como palavra proferida por vários autores, em todo o Antigo Testamento. De facto, as páginas das Escrituras anteriores a Cristo contêm, a seu modo, muito variado aliás, a palavra de Deus que haveria de atingir o seu cume na Pessoa do Verbo encarnado. Com alguém escreveu: Cristo é a Palavra que contém em si todas as palavras reveladas; e as palavras reveladas nas Escrituras dizem, todas e cada uma delas, algo do Verbo eterno de Deus.

Nós acreditamos, conjuntamente com os nossos irmãos hebreus, que Deus fez chegar a sua divina vontade ao Povo de Israel, através de Abraão e dos demais patriarcas, de Moisés e dos demais chefes do povo, dos Profetas e dos Sacerdotes. Essa divina vontade, infundida no coração de cada homem pelo Criador, foi de facto, explicitada, repetidamente pela mediação desses homens que Deus escolhera para serem seus porta-vozes, junto do Povo. E os Autores sagrados, que consignaram por escrito todo o ensinamento desses homens, escolhidos por Deus, não fizeram mais do que registar, sob o impulso do Espírito Santo, tudo o que Deus queria que a humanidade soubesse sobre Ele e o seu mistério.

As palavras da Escritura são, portanto, palavra de Deus; e, como tais, são sementes do Verbo divino que está no seio do Pai, desde toda a eternidade e se fez «homem», no tempo, para dizer a palavra última e completa. Deus adoptou as palavras humanas, como veículo da Palavra divina, servindo-se delas como de um instrumento acessível ao homem. Como disse Bento XVI na homilia de Natal de 24 de Dezembro de 2006: «a Palavra eterna fez-se pequena, fez-se criança, para que possa ser entendida por nós».

2 – Com a Encarnação do Verbo, a Palavra de Deus passou a ter um rosto. E esse rosto chama-se Jesus de Nazaré. Quem O vê, vê o Pai; quem o escuta, escuta o Pai. De facto, Jesus é, todo Ele, a Palavra de Deus, quer quando fala, quer quando faz silêncio; quer quando escreve no chão, quer quando age, porque tudo nele é realização da vontade do Pai. Jesus diz-nos a Palavra de Deus, em palavras que se escutam, acolhem e vivem; e diz-nos a mesma Palavra, quando actua em favor dos homens, sobretudo daqueles que mais precisam de apalpar o amor que Deus lhes tem. E, entre estes, estão, claramente, os mais abandonados da sociedade, os pecadores e os pobres e injustiçados, porque foi, para esses, que o Verbo se fez homem e habitou entre nós.

O amor de Deus pela humanidade é tão profundo e incomparável que Deus se decidiu a vir Ele mesmo, na Pessoa do Filho, ao encontro dos homens, já que tinha enviado antes muitos servos que os homens não escutaram. É verdade que nem todos escutam também o seu próprio Filho, mas o amor de Deus revela-se também nisso, pois apesar de tudo, Ele veio ao nosso encontro e tornou-se acessível aos que nele crêem.

D. Manuel Madureira Dias,
Bispo Emérito do Algarve

O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico