1 – Se é verdade que a Liturgia da Igreja constitui o lugar privilegiado para a proclamação, para a escuta e para a celebração festiva da Palavra, é igualmente verdade que este encontro comunitário, realizado na Liturgia, deve ser preparado nos corações dos fiéis, por um aprofundamento e assimilação do significado da Palavra celebrada para a vida de cada pessoa. (Cf.Verbum Domini 72). Efectivamente, o importante, em tudo isto, é que se verifique um encontro pessoal entre quem lê ou escuta a palavra e Deus que nos fala, ali, por seu Filho, o Verbo eterno feito homem. É, pois, de sumo interesse, para todos, que cada fiel tenha um verdadeiro contacto pessoal, frequente, e profundo com a Sagrada Escritura. Segundo o pensamento de São Jerónimo: «quem ignora as Escrituras, ignora Cristo».

Em tudo isto, porém, há que evitar qualquer espécie de subjectivismo individualista. Por isso, é sempre de desejar, e até de dar preferência, aos contactos com a Bíblia, feitos em grupos ou pequenas comunidades, onde a Palavra lida, escutada e rezada, tenha um maior sentido de comunhão entre todos na mesma e única fé da Igreja, e, desse modo, se torne vida para cada um dos elementos do grupo.

2 – É certo que, no interior da comunidade eclesial, alguns dos seus membros têm um papel de maior relevância, no que concerne à Palavra de Deus, não como seus senhores ou detentores, mas, enquanto especialmente «consagrados» e «deputados» para a anunciar a todos, em nome de Cristo, como seus ministros. Entre esses, encontram-se os Bispos, os Presbíteros e os Diáconos. Mas isto não significa nem que os demais fiéis estejam excluídos de proclamar a Palavra, nem que os ministros sagrados, pelo facto de terem o dever de a anunciar, não tenham que a viver. Pelo contrário. De facto, se há alguém na Igreja que deva ler, escutar e viver a Escritura, são todos os que, nas comunidades, têm a missão de a anunciar: como hão-de anunciar a Palavra de Deus aos outros, se eles mesmos a não conhecem, a não escutam, a não vivem? É que, antes de serem seus anunciadores, hão-de ser, seus ouvintes e cumpridores. Só assim terão «autoridade» para a proclamarem em nome de Deus.

Por sua vez, os fiéis leigos, chamados também a ler, a escutar, a viver a Palavra, não estão dispensados de a darem a conhecer aos demais, quer anunciando-a de viva voz, quer testemunhando-a no seu modo de viver a vida de cada dia. Alguns até poderão ser responsabilizados por alguma missão específica, em nome da comunidade cristã. Nesta situação podem enumerar-se os catequistas, os moderadores de grupos formativos, os pais de família e muitos outros.

Ser anunciador da Palavra é, de algum modo, ser missionário, ou seja, é ter parte na missão essencial da Igreja que é, por natureza, missionária. Trata-se, porém, de uma missão que precisa de ser preparada com cuidado, por uma sólida formação e por muita oração. Mas isso não dispensa ninguém de «uma grande familiaridade pessoal» com a Palavra de Deus», preferivelmente de forma orante.

O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
D. Manuel Madureira Dias
*Bispo do emérito do Algarve