Padre Miguel Neto

«Isto foi chato e temos de nos habituar que o crime faz parte do dia-a-dia». As palavras são do Presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, proferidas numa entrevista após o ataque ao Centro de Estágio do Clube, no qual jogadores, equipa técnica e funcionários foram agredidos violentamente por cerca de 50 homens encapuzados.

As imagens foram amplamente difundidas pelos meios de comunicação e redes sociais e deram azo a horas de comentários que, estou certo, se estenderão ao longo da semana e mesmo depois disso. O Governo reagiu prontamente, com uma conferência de imprensa na qual estiveram presentes os Secretários de Estado da Administração Interna e da Juventude e Desporto. A segurança desportiva passou a ser o mote de conversas e discursos, porque realmente o que aconteceu «foi chato».

Não foi agora que estas questões e o potencial para a violência, sobretudo no futebol, afloraram na agenda mediática e não só, dado que há relatórios que apontam para a periculosidade de situações e de grupos, que reagem face a qualquer desafio.

Mas tal situação parece não ter efetivamente ficado assente na cabeça de muitos dirigentes desportivos e notáveis adeptos, comentadores e outros que tais, que inflamadamente falam do jogo e da «indústria do futebol», como ontem se descrevia a atividade associada à modalidade num dos tais muitos comentários. Acirram-se rivalidades e espoleta-se a violência de adeptos que não vivem mais nada a não ser a vida clubística. As palavras não se medem e a falta de respeito é uma constante. Não importa quem se fere e somente interessa deixar no ar soundbites que ficam nos títulos e ajudam a aumentar audiências e vendas. Não há, efetivamente, RESPEITO, que é a base do espírito desportivo e se ele não existe, não pode haver mais nada. O futebol passou a ser um comércio puro e duro de pessoas que são tidas como “ativos”; um balanço de receitas de jogos e publicidade, de prémios e verbas provenientes das várias competições onde os clubes participam; um apuramento de rendimentos provenientes da gestão das imagens e das carreiras. É o dinheiro que tudo determina e que motiva as vontades quer de se ser dirigente, quer de decidir enquanto tal, pois é o dinheiro e a sua gestão que dão notoriedade…

E há sempre quem beneficie desta situação, pois como já mencionei, longas horas de tratamento destes temas por estações de televisão, canais temáticos de futebol, jornais generalistas e desportivos, geram mais dinheiro e audiências e, por seu turno, agravam a situação, num ciclo vicioso, qual “pescadinha de rabo na boca”, que leva os fãs a reiterar e solidificar as suas convicções.

«Foi chato» ter perdido um jogo que renderia muitos milhares ao clube. Claro. «Foi chato» ter passado toda a época desportiva a trocar galhardetes com os rivais do costume, FC Porto e SC Benfica. É sempre, sobretudo quando envolve descobrir mais podres deste mundo. «Foi chato» responsabilizar os jogadores pelos males do clube e fazê-lo publicamente em várias ocasiões. Pois foi e gerou muito mau ambiente. «Foi chato» despachar o treinador que tantas vezes se colocou ao lado dos dirigentes para os defender, porque agora que não ganhou já não interessa. Então, não foi? E claro que o treinador agora é o mais vil dos seres, responsável pela ignominiosa derrota e infeliz sorte do clube, que não vai ter as receitas necessárias para prosseguir a sua cavalgada até aos títulos. Costuma-se dizer, que pagamos pela boca…

Mas sabem uma coisa? É muito mais chato não poder desfrutar do prazer simples e absolutamente fantástico de ver um jogo com empenhamento e com amor ao desporto. É absolutamente chato não saber que umas vezes se vence outras não, porque um jogo é isso mesmo. É muito mais chato não se ser elegante, superior, desportista na hora em que as coisas correm menos bem e é muito chato não saber reconhecer os próprios erros e limitações. E hoje, creio que a situação é somente esta: não se sabe ser e estar no futebol, porque não se sabe o que é o futebol.

Eu estou verdadeiramente chateado. Espero, todavia, que quem gosta do desporto como eu e se sente verdadeiramente aborrecido com isto possa ter a oportunidade de continuar a viver os jogos de futebol como espaços de construção individual e coletiva, como momentos de lazer, como lugares de convívio saudável.