Na formação que realizou sobre as cartas de São João e o livro do Apocalipse para cerca de 60 participantes, o cónego Mário de Sousa explicou que o evangelista escreve para que os que já acreditam em Jesus corrijam e purifiquem a sua fé.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

“São João não pretende apresentar um relato exaustivo do que Jesus disse e fez, mas apenas uma seleção dos sinais daquilo que Ele realizou diante dos seus discípulos para que quem lê acredite que Jesus é o Cristo, o messias, o ungido e também que é o filho de Deus”, afirmou o biblista no passado sábado na jornada de formação que a Diocese do Algarve levou a efeito, através do seu Centro de Estudos e Formação de Leigos do Algarve (CEFLA) no Centro Pastoral de Ferragudo.

O diretor do CEFLA e especialista no estudo de São João assegurou que o discípulo “não está a escrever para que as pessoas comecem a acreditar em Jesus”, mas “para gente que pertence à comunidade e precisa de corrigir e purificar a sua fé”. “A obra destina-se a pessoas que já acreditam em Jesus, mas que não acreditam retamente. E fazê-lo para purificarem a fé é condição para se construir a comunidade”, sustentou.

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A formação de sábado, destinada a primariamente aos alunos do Curso Básico de Teologia, mas aberta a outras pessoas, foi constituída por um programa dividido em quatro partes. A primeira abordou “As comunidades joaninas e as cartas de S. João”, a segunda “O simbolismo e as chaves de leitura do Apocalipse”, a terceira “O rolo dos sete selos e o Cordeiro revelador (Ap 5,1-8,19)” e a quarta “As duas cidades: Babilónia, a grande prostituta, e Jerusalém, a esposa do Cordeiro (Ap 17,1-22,5)”.

O formador realçou a “autoridade” do autor, “o discípulo amado”, que “a tradição sempre viu” como sendo João, o “único que se manteve sempre fiel”, aquele que conhecia Jesus “verdadeiramente”. Lembrando que importa não confundir o autor com o escritor dos textos, o cónego Mário de Sousa justificou que as semelhanças entre os escritos joaninos se explicam “por terem sido gerados na mesma escola teológica” que se remete a essa “autoridade do discípulo amado”. “O facto de ser um anónimo é um técnica também literária para que tu lhe emprestes o teu nome e hoje sejas tu o discípulo amado de Jesus, o discípulo fiel em todas as horas, nos momentos de alegria, mas também nos momentos de cruz”, sustentou.

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O cónego Mário de Sousa disse ainda que “as comunidades para quem o evangelista escreve encontram-se ameaçadas” exteriormente com os romanos, o paganismo e o Judaísmo e interiormente. Algumas dessas dificuldades disse verificarem-se com os judaizantes e com os cristãos de origem helénica, aqueles que vêm do paganismo, de fora de Israel, que “têm outra estrutura mental”, “o que necessariamente causa faturas, falta de unidade”. “Se, perante os de tendência judaizante, é necessário sublinhar a natureza divina de Jesus, perante os cristãos influenciados pelo ambiente helenista é importante realçar a sua natureza humana”, concretizou.

O biblista deixou claro que o livro do Apocalipse, contrariamente ao sentido que lhe deram, não trata do “anúncio de uma catástrofe”. “A palavra indica que se trata de uma revelação. O revelador é Jesus Cristo. E fá-lo a quem? Ao seu servo João”, clarificou, acrescentando que “uma das grandes finalidades do Apocalipse é combater as doutrinas que contaminam o Evangelho, repreender as comunidades mornas, mas também incentivar as comunidades fiéis e que dão testemunho”.

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Neste sentido, explicou que o livro do Apocalipse “tem uma linguagem muito diferente do Evangelho e das cartas, embora com temas que pressupõem também o Evangelho”. “O cordeiro imolado é a personagem central do livro e que remete para a forma como Jesus foi apresentado no quarto Evangelho”, frisou.

O cónego Mário de Sousa destacou então que o “grande princípio hermenêutico” é o de que “a história está nas mãos de Deus”. “Embora seja necessário lutar contra as forças do mal, Deus terá sempre a última palavra. Os cristãos vivem naquele tempo e hoje um tempo de combate entre as forças de Deus e as forças do mal. As forças do mal lutam com todo o seu poder contra Deus e o seu projeto de salvação, mas Deus está no trono. A história não anda ao Deus dará. Deus governa a história. E governa a história para uma salvação que há-de acontecer, quando as forças do mal forem completamente vencidas, depois de combatidas, dominadas e subjugadas”, desenvolveu.

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O sacerdote referiu que o livro ajuda a perceber que, na liturgia da celebração dominical, “Deus, através de Jesus, conduz a história para que ela seja verdadeiramente uma história de salvação”. “O Cordeiro vai, ao domingo, na comunidade litúrgica, revelando o sentido da história e como ela está a ser conduzida por Deus”, afirmou.

O formador evidenciou que “o livro termina com a feliz e inebriante visão dos novos céus e da nova terra”. “Tudo isto acontece para levar a história a um fim e esse fim é a vitória de Deus quando toda a realidade for transformada, os novos céus e nova terra. E isto concretiza-se numa nova cidade. A cidade pecaminosa que é destruída, dá lugar a uma nova cidade que tem a sua origem em Deus que é a nova Jerusalém”, descodificou, acrescentando que “a nova Jerusalém é o culminar da história da salvação” e que, “depois de vencido todo o mal, aparece uma nova realidade que corresponde ao projeto original de Deus que o homem estragou e aos anseios mais profundos do ser humano”.

Reconhecendo que estudar o livro do Apocalipse “não é tarefa fácil”, constatou que “a linguagem simbólica não é novidade na Bíblia”, mas o autor “fá-lo de uma forma nova porque constrói a sua teologia através de símbolos”. “Usa o símbolo pela realidade transcendente daquilo que se fala. Seria impossível uma linguagem descritiva. A linguagem evocativa permite-nos passar a barreira do imanente para o transcendente. A simbólica pretende despertar e envolver a pessoa toda”, justificou, acrescentando que, na simbologia, “os diferentes níveis devem ser interpretados à vez” para se chegar à “interpretação do conjunto”.

Aludindo aos vários tipos de simbolismo usados no livro – cósmico, teriomórfico, aritmético, cromático e antropológico – apresentou as “chaves de leitura” para o ler e as “grandes linhas orientadoras” para o interpretar.