COMO sabemos, Vicentius foi o primeiro bispo que, nos finais do século II d.C., fundou a catedral de Faro (Ossónoba).(1) Era, ainda tempo das perseguições aos cristãos. Um mapa do tempo das primeiras igrejas do cristianismo no Império Romano, assim o confirmam. O bispo Vicentius esteve convocado e presente para o 1.º Sínodo, em Granada (início do século III), subscreveu em oitavo lugar, por estas palavras: Vicentius Episcopus Ossonobensis subscripsit (2).

Outras figuras episcopais lhe sucederam, mas Vicente foi o nosso primeiro bispo a sagrar catedral em Faro. Assistiu aos primeiros Sínodos, ou sejam assembleias de eclesiásticos convocadas, entre os superiores dignatários do cristianismo, sendo mais tarde tomado a designação de concílio.

Com a tomada da Faro romana, pelos árabes, em 711 da era cristã, e a profanação do templo cristão, criou-se um hiato de 478. Em 1189, o rei de Portugal, D Sancho I conquista Silves e chama para o futuro reino do Algarve, o seu confessar. Frei agostinho, D. Nicolau, para chefiar a igreja cristã, reposta, sagrando a mesquita dos árabes ao culto do cristianismo.

Ainda Faro estava possuída pelos conquistadores de 711. Quando, em 1249, a cidade de Santa Maria de Faro é conquistada pela Ordem de Aviz, sob o comando do rei de Portugal, D. Afonso III, o burgo perde todo o seu prestígio de séculos de fundação. É com D. João III, 7 de Setembro de 1540, que Faro recupera a categoria de cidade, o privilégio de cidade de progresso, o rei Piedoso deu-lhe poder temporal, porque achou-a “a meyo do reino e pela sua grandeza e crescimento em homens e fortuna”; seu neto, o jovem D. Sebastião, fizera a transladação, de Silves para Faro, da Diocese, em Março de 1577, a um ano antes da sua morte, em Marrocos (3).

D. Jerónimo Osório retomaria a diocese dos cristãos romanos 866 anos depois. A catedral de Faro aguardou os tempos, de quase um milénio depois, para receber o seu bispo. E se Vicente a iniciou, Osório a reiniciou num prestígio de ser o maior e reconhecido latinista, não só de Portugal, como da Europa do renascimento.

Jerónimo da Fonseca Osório foi o novilatino português que alcançou a maior reputação europeia. Montaigne em (Essais I), deixou o testemunho de o “bispo Osório, o melhor historiador latino da nossa época”. Lendo as “CARTAS” de D. Jerónimo Osório, na tradução do dr. A. Guimarães Pinto, encontramos muita das suas cartas escritas em Faro, nos finais do século XVI, em número de 9, de Faro para Roma (página 118), para o cardeal D. Henrique (pág. 121), de Faro para D. Sebastião (pág. 162), de Faro para D. António do Crato, tio do rei D. Sebastião, De Faro para a rainha D. Catarina, etc.

D. Jerónimo foi um bispo atormentado, o castigo em ser um Homem culto do seu século, pelas suas obras internas, dirigidas aos mais altos dignatários do reino, muito crítico, à ignorância da maioria pelos seus livros editados no estrangeiro; pela sua posição de homem honesto e patriota, perante o perigo da ameaça pela perda da nacionalidade, o que viria a acontecer, em Alcácer-Quibir. Aqui ficou desterrado, num exílio incompreendido.

Jerónimo foi um Homem de paz. As suas cartas, os seus livros não cabiam nas cabeças dos portugueses do seu tempo, era um bispo e escritor inconveniente. Basta lermos as palavras do professor Américo da Costa Ramalho, na contra capa do livro “AS CARTAS “ de D. Jerónimo Osório: No século XVI, D. Jerónimo Osório foi o português mais célebre na Europa, graças aos seus tratados escritos em elegante latim, então língua internacional por excelência. Ora os seus livros, com numerosas edições, em vários países europeus, foram verdadeiros “best-sellers”. Depois do século XVI, o facto de a sua obra estar em latim, que não foi traduzido para português (com excepção do “ De rebus Emmannuelis”, e da “Epistol ad Elisabetam Angliae Reginam”, Osório tornou-se um desconhecido para os seus compatriotas. A tal ponto que historiadores da Cultura Portuguesa em geral, e até da política cultural da época de D. João III, o ignoram (4).

O bispo que em 1577 chegara de Silves para Faro com a diocese às costas, numa sexta-feira Santa, e num período de política nacional muito conturbada, nas influências políticas e palacianas de Filipe II de Espanha, que viria a ser Filipe I de Portugal, filho do imperador Carlos V, que preparara, até à sua morte, a ocupação do reino de Portugal, por Espanha à sangre y estocada. Seria demasiado longo entrar nesse triste capítulo da nossa história. Por isso mesmo o bispo do reino do Algarve, D. Jerónimo Osório passou, pela defesa da continuidade do reino de Portugal, com todos os vitupérios de uma sociedade dividida e ultrajada. D. Jerónimo Osório partira de Faro para Tavira, a evitar sangue derramado pela situação em que a cidade vivia. Veio a falecer a 4 de Agosto de 1580, nessa missão diplomática e de esclarecimento político e de apaziguamento. Diz-se que caiu do cimo duma mula. Ficou sepultado no convento de S. Francisco (Tavira), até meados do século XVII. Após a Restauração regressa a mortalha a Faro, por diligência do bispo D. Francisco Barreto I, sendo depositado no panteão dos bispos, na Sé Catedral de Faro, na dignidade própria de um grande Bispo.

Dois bispos. Duas grandes figuras da igreja de Faro: o fundador Vicente e o da continuidade, Osório. A cidade de Faro, o Algarve, devem, pelo menos, uma singular homenagem, construindo um memorial, dois relevos em pedra calcária ou mármore, ainda, mais simples (em tempo de crise, para os crentes, sempre os mesmos), dois painéis em azulejos, no mais antigo local (berço da cidade), o Largo da Sé.

Para que Vicentius e Osório estejam no espaço que outro bispo, o Avelar, se honra no conhecimento, na dignidade da Praça renascentista de Faro, onde se iniciou o cristianismo, no final do século II. É uma obrigação cultural, dá-los a conhecer a quem nos visita: que é muita a gente que passa diariamente pelo largo da Sé.

E, de entre tantos que têm o dever e obrigação, pelo que usufruem pelo turismo; pelos que têm o espirito da Cidade, vamos honrar esses dois Homens que nos honram e vivem na memória da cidade. Queiram ser cultos, Farenses, pelas origens de o serem, e em continuidade.

Teodomiro Neto

1) “Faro – Romana, Árabe e Cristã”- Livro editado em 2010
2) “Constituição do Bispado do Algarve”- Frei Vicente Salgado (1732-1802)
3)”Faro 450 Anos de Cidade”. Edição 1990
4) “CARTAS” – D. Jerónimo Osório (1506-1578)