
A recuperação de algumas das peças mais significativas do espólio da Catedral de Silves terminou há cerca de um ano. Ana Lídia Mascarenhas, aluna de mestrado do Instituto Politécnico de Tomar e licenciada em Conservação e Restauro foi uma das técnicas envolvidas na recuperação das peças e o trabalho que realizou resultou na produção de um livro e de um CD didático, destinado a não especialistas na área da conservação e restauro, que visa sensibilizá-los e veicular informação sobre esta temática.
«Após a minha visita à exposição “Memórias Escondidas”, que estava a decorrer na Sé de Silves, deparei-me com o estado degradação do património móvel exposto», conta a jovem estudante, que é, também, natural desta cidade. «Quando abordei os mentores da exposição, disseram-me que o objetivo da mesma era mostrar à população da cidade o estado de degradação em que se encontrava o património, para além de dar a conhecer o espólio da Sé».
Preocupada com a preservação dos bens, quer pela sua formação académica, quer pelo amor que naturalmente tem pela sua cidade, sugeriu que «as esculturas em madeira policromada fossem as primeiras a serem intervencionadas» e que se tentasse estabelecer um acordo com o Instituto Politécnico de Tomar, no sentido de que esse trabalho de preservação e estudo das peças pudesse ser feito pelos técnicos que nele trabalham e cujo trabalho tem merecido o reconhecimento da comunidade científica nacional e internacional. Esse acordo viria a ser estabelecido entre a paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Silves e a instituição académica de Tomar, tendo sido entregues algumas das peças mais importantes para serem estudadas. «Foram escolhidas cinco esculturas: São Sebastião, São Vicente, São Francisco de Assis, Nossa Senhora do Ó e Deus Pai», diz a técnica e revela que a «escolha foi feita através da observação direta e pormenorizada de todas as peças expostas, de modo a avaliar quais as esculturas que apresentavam maior risco de perda».
A intervenção foi realizada no Laboratório de Pintura e Escultura do Instituto Politécnico de Tomar sobre a orientação da Professora Carla Rego (responsável pelo laboratório) e foi, desde o início «um desafio», segundo Ana Lídia Mascarenhas, sobretudo «devido ao estado de degradação que apresentavam», que resultava «dos restauros antigos que continham e, consequentemente, de todas as alterações a que foram sujeitas». Assim, procurou-se realizar «uma intervenção de carácter essencialmente conservativo, onde o fulcral era devolver a estabilidade aos materiais constituintes de cada obra, para que estas perdurassem», explica a mestranda.
Com o envolvimento no trabalho, Ana Lídia Mascarenhas acabou por decidir realizar o trabalho final da sua licenciatura sobre uma das peças da Catedral de Silves, trabalho esse que foi orientado pela professora Cláudia Falcão e que levou um ano a ser concretizado, mobilizando a vontade e a capacidade de trabalho desta jovem silvense. «Escolhi a obra São Sebastião, pois para além de ser a obra de eleição da exposição “Memorias Escondidas”, é a obra mais antiga a nível de datação, pelo menos do que se conhece», de todas as que a Catedral possui e de todas as que foram para análise. É no âmbito desse projeto que é produzido um livro e um CD didático. «O livro contém três capítulos: no primeiro capítulo, abordam-se as origens de Silves, da Sé de Silves e, por último, o espólio encontrado nos sótãos da Sé», explica a estudante e acrescenta: «No segundo capítulo, aborda-se a escultura em estudo, São Sebastião, mencionando-se, para além do seu estudo histórico, iconográfico e iconológico, a caracterização técnica e material da obra». O CD didático inclui pequenas «filmagens de cada procedimento realizado na intervenção, para que o leitor tenha uma visualização da intervenção».
Ana Lídia Mascarenhas considera o espólio da Catedral de Silves «muito amplo e diversificado, contendo obras lindíssimas e de riquíssimo valor artístico, como é o caso da escultura de Deus Pai, oriundo da capela do Santíssimo» e recomenda a sua preservação e conservação com muita convicção. A exposição “Memórias Escondidas” serviu, na sua opinião, «como uma mensagem».
Recordamos que esta iniciativa da paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Silves teve lugar em 2011, após terem sido descobertas diversas peças cuja existência não estava documentada. Nessa ocasião e após a Catedral de Silves ter passado a integrar a Rota das Catedrais Portuguesas, decidiu o pároco Carlos Aquino realizar uma mostra com estas peças, precisamente para «recordar as alterações vividas neste templo», que permitiriam «compreender melhor a sua história». As peças foram mostradas tal como foram encontradas, precisamente para que os visitantes percebessem a passagem do tempo e o efeito perverso que este e as recuperações feitas de forma incorreta podem ter no património. Visava, ainda, sensibilizar para a importância da conservação e restauro do património religioso de um templo com um passado tão importante para a história da região algarvia e do país.
A colaboração e o trabalho desta jovem silvense e do Instituto Politécnico de Tomar foram determinantes para que se encontrasse uma solução de preservação da imaginária encontrada nessa ocasião, bem como o apoio de alguns mecenas, que ajudaram a custear o trabalho de recuperação efetuado. Um desses mecenas foi o Banco Espirito Santo. «Todas as esculturas representam algo, um culto, uma época, uma passagem pelo tempo», diz Ana Lídia Mascarenhas. «O não tratamento das mesmas resultaria na perda total e, assim sendo, Silves ficaria mais pobre», conclui e deixa uma mensagem: «A conservação e restauro é uma área que cada vez mais conquista o seu lugar entre as ciências existentes, contudo ainda não teve o reconhecimento esperado. Esta área, por muitos ainda desconhecida e por outros pouco entendida, tem como propósito prolongar a vida da obra e salientar o património que nos foi deixado. Queria deixar uma mensagem: O quanto é importante preservar, conservar e restaurar o nosso património, incentivando quem o tem à sua guarda para que procure profissionais creditados na área da conservação e restauro, de modo a que as obras sejam corretamente intervencionadas e não sejam cometidos atos negligentes irreversíveis, que poderão levar à perda total ou parcial do património».
Às duas docentes que a apoiaram neste trabalho (professoras Carla Rego e Cláudia Falcão), a jovem estudante deixa uma palavra de agradecimento por todo o apoio, «disponibilidade, exigência, ensinamento, confiança dada», bem como pelo incentivo à «observação, reflexão e ponderação» e pelo «profissionalismo com que transmitiram a cada aluno a importância da conservação e restauro», tentando prepará-los da melhor forma para a sua profissão.
Terminado o trabalho, que mereceu nota alta e louvor por parte dos docentes do Instituto Politécnico de Tomar, a jovem mestranda deixa um desafio à paróquia de Silves: «Caso o deseje, será possível voltar a realizar a exposição, desta feita mostrando o antes e depois de cada uma das peças através de registo fotográfico que foi efetuado». Deixa, igualmente, um pedido a quem a algum possível mecenas: o livro que foi realizado no âmbito deste trabalho não foi ainda editado, pois é necessário o apoio financeiro de alguém…