Inês Teotónio Pereira disse hoje ao clero do sul de Portugal que a Igreja deve pensar-se como “outra cultura, no sentido de ser alternativa que permite entrever outras possibilidades na cultura plural na qual se encontra, procurando oferecer uma orientação particular a partir da sua diferença”.
A antiga jornalista e deputada substituiu o escritor, cronista do Expresso e comentador da Renascença, Henrique Raposo que estava anunciado como derradeiro orador da atualização do clero das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal que hoje terminou em Albufeira e que não pôde participar.
A proposta foi apresentada como oposição à postura que disse ter atualmente a Igreja. Teotónio Pereira aconselhou a Igreja a deixar de “pensar-se e atuar como contracultura em relação à cultura atual” em “modo de oposição ostensiva, resistência militante e exílio defensivo”.
A oradora agarrou precisamente no tema herdado – “Impacto das transformações socioculturais na Igreja em Portugal, em especial no Sul” – para defender aquela sua proposta. “As transformações socioculturais não têm tido impacto na Igreja e eu acho que têm de começar a ter”, considerou.
Inês Teotónio Pereira desafiou a Igreja a “ser porta que se mantém aberta, sempre e a todos”, considerando que “a hospitalidade incondicional será forma de busca da verdade e da realização da identidade” eclesial. “A Igreja está mais do lado do que ainda lhe cabe ser do que do lado do que já foi”, considerou, acrescentando que a “porta de entrada” na Igreja são mais os movimentos eclesiais do que as paróquias. “As pessoas procuram muito a dimensão espiritual e tem de se fazer este link. Tem de se mostrar que a porta está aberta. As pessoas não sabem que as portas estão abertas e isso angustia imenso”, desenvolveu.

A conferencista, que apresentou um retrato sociocultural da sociedade atual, alertou que a configuração da sociedade de “desapego ao mundo territorial” “choca com a forma como a Igreja está estruturada com base territorial e geográfica”. Inês Teotónio Pereira explicou que hoje as novas gerações preferem a “liberdade de desresponsabilização” para não ficarem presas a um território e a bens que têm associada uma responsabilidade pública. No entanto, a oradora alertou que “as novas gerações precisam de uma sensação de pertença” que deve ser valorizada.
Considerando que a Igreja é tida como “guardiã” da identidade cultural da Europa e do mundo, alertou para a “falta de identificação” como Catecismo da Igreja Católica, que disse ser “olhado como guia para os bem-comportados, bastante inalcançável, cada vez mais distante das regras sociais que existem ou da vivência do dia a dia”. Por outro lado, realçou que a solenidade confunde-se com poder e “isso afasta” as pessoas.
Constatando a “nova realidade” existente na família, referiu que “o casamento é visto como um formalismo e não como um sacramento” e aconselhou a Igreja a deixar de ver as mulheres “como mães”. “Temos de valorizar toda a outra dimensão que a mulher tem por ser mulher. É importante ajudar as mulheres a ter um papel relevante na sociedade”, afirmou.

Por fim, considerou que “o trabalho é a maior ameaça à família”, acrescentando que colocar o trabalho em primeiro lugar “não faz sentido, não está a levar à felicidade de ninguém e está a destruir a família em todas as suas dimensões”.
A atualização dos bispos, padres e diáconos das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal, promovida pelo Instituto Superior de Teologia de Évora sob o tema “Jubileu: tempo de graça e de renovação da Igreja e do Presbítero”, decorreu em Albufeira, no Hotel Alísios, desde segunda-feira, 13 de janeiro, até hoje com cerca de 80 participantes.