O padre Mário de Sousa disse aos cerca de 200 casais algarvios que participaram no Jubileu das Famílias que a Diocese do Algarve promoveu no último sábado em Faro que amar o cônjuge implica renunciar aos próprios egoísmos.
“Gostar nos outros daquilo que corresponde à nossa sensibilidade, não é amor”, advertiu o sacerdote, considerando que o “grande drama dos casais” é cada cônjuge “levar a vida inteira” a querer transformar o outro para que ele “se molde à sua imagem e semelhança”. “Isto não é amor. Amor é gostar tanto do outro que sou capaz de o amar de tal forma que procuro mudar-me a mim para poder ir ao seu encontro e com ele ser uma só carne. É gostar tanto do outro que sou capaz de renunciar até à minha maneira de pensar, aos meus projetos, aos meus sonhos egoístas para construir com o outro uma vida em conjunto”, acrescentou.
O conferencista, que abordou o tema da jornada – “Família, fonte de vida e misericórdia” – explicou assim que o amor que os cristãos são chamados a viver, à imagem do “amor que Deus é”, “é gostar do outro apesar dos seus pecados”. “Se eu gosto apenas no outro daquilo que a mim me dá jeito, não é amor. É egoísmo”, reforçou, acrescentando ser preciso “ter um coração capaz de acolher o outro, apesar das suas misérias, que o mesmo é dizer «ser misericordioso como o Pai»”. “O grande distintivo de uma família cristã é este: amar apesar das misérias e perdoar porque se ama. Não se trata de um amor meramente humano, de uma paixão, mas de um dom de Deus”, acrescentou, lembrando que “o amor é uma das três virtudes teologais” e que “este amor apenas se consegue perceber quando se experimentou o seu perdão”. “Apenas usará de misericórdia quem se sentiu misericordiado por Deus”, completou o sacerdote que se referiu também à importância da fidelidade e ao perigo de uma amor fechado em si mesmo.
Neste sentido, considerou a família como o “espaço privilegiado da experiência da misericórdia”. “No dia-a-dia vivemos com tantas máscaras, mas na família somos aquilo que somos. Nela vivemos tantas graças, mas também a constante desilusão de o outro não corresponder aos meus projetos e sonhos, de não mudar como eu gostaria que mudasse, de não reagir como eu tinha pensado que reagiria”, referiu, aludindo à necessidade de os casais voltarem recorrentemente ao princípio da relação entre os dois, àquele momento do matrimónio que deu início à nova família como “âncora e memorial onde se vai buscar a riqueza que naquele momento unia e não dividia”, a “frescura do amor que deu sentido e tempero à relação”.
O orador considerou, por isso, que “o perdão é a graça de procurar de novo esse «princípio» iluminado por Deus, que purifica a relação e a fortalece”. “Por um lado possibilita uma aceitação cada vez maior das misérias do outro e, por outro lado, confronta-me com o amor que lhe «devo» e que me leva a purificar a forma de eu estar na relação”, sustentou, considerando nesta perspetiva que “os momentos de crise, quando vividos no coração de Deus, são sempre momentos, embora dolorosos, purificadores, na medida em que possibilitam uma revisão da vida familiar e das atitudes de cada um”. “As crises, tal como as tentações, não são um pecado; pelo contrário, são necessárias, porque é perante elas que nós nos definimos, que definimos o que queremos da vida, purificamos aquilo que não está bem e que tomamos decisões concretas”, defendeu.
Considerando que “o grande inimigo da família não são as crises” mas a “indiferença”, o padre Mário de Sousa reconheceu que o ideal apontado “nem sempre é possível e nunca é fácil”. “Quando a amizade se dilui (que o mesmo é dizer: a preocupação com o outro, com o seu bem, com a sua alegria de viver), o veneno do egoísmo vai, pouco a pouco, paralisando a capacidade de encontro com o outro e, naturalmente, com Deus”, lamentou, acrescentando que “mesmo do mal Deus é capaz de tirar o bem”, “nunca desiste e dá sempre a volta, apesar das infidelidades”.
O orador explicou, não obstante, que o projeto cristão da família, tal como o Evangelho, apresenta “o horizonte e o caminho”, mas disse ser preciso “ter sempre presente que não se destina a anjos, mas a seres humanos”. “Se se é discípulo de Jesus, membro da Igreja e filho de Deus ainda antes de ser família, se por ventura a família se desfizer continuamos a sê-lo”, lembrou, acrescentando que “a Igreja não é constituída por «perfeitos» mas por seres humanos, que, como os apóstolos, têm momentos de fraqueza, de desânimo, de abandono e, como Pedro, até de negação”. “Embora o modelo cristão seja para a família o amor de Cristo pela Igreja, nunca nos podemos esquecer, como lembra o papa, que estamos em planos diferentes: nós somos humanos e Cristo é divino. Por isso, como «mãe», a Igreja tem a responsabilidade de cuidar e acompanhar os casais jovens e as famílias no seu peregrinar, porque as dificuldades são muitas e várias as tentações. Esse deve ser o objetivo da pastoral familiar”, considerou.
Neste sentido, e citando o papa na exortação ‘Amoris Laetitia’ (A Alegria do Amor), o conferencista admitiu que “«há casos em que a separação é inevitável e, por vezes, pode tornar-se até moralmente necessária» quando está em causa, por exemplo, o bem dos filhos”. “A comunidade cristã jamais se poderá esquecer que antes de ser família, as pessoas que a constituem são filhas de Deus e membros do único corpo de Cristo. Por isso, quando o projeto familiar cristão fracassa, a comunidade terá sempre presente que os divorciados e também aqueles que voltam a constituir uma nova família continuam a ser seus filhos, ou, como lembra o papa Francisco, não estão excomungados, pertencem à Igreja de pleno direito, não estão fora da comunidade eclesial”, afirmou.
O padre Mário de Sousa lembrou que “não existem famílias perfeitas”, que “cada caso é um caso” e como diz o papa, “é necessário que os pastores tenham a sabedoria de discernir cada um deles”. “Jamais podemos faltar à verdade. Jamais podemos transformar as palavras de Jesus sobre o divórcio”, afirmou, lembrando que Cristo foi claro ao afirmar que quem deixa o cônjuge para casar com outra pessoa, comete adultério. “Não podemos maquilhar isto, diluir as palavras de Jesus de acordo com o sentimento de cada tempo, mas lembrando sempre que embora este seja o ideal, o horizonte e o caminho que o Senhor nos indica, Ele continua a estar presente quando falhamos, caímos e não somos capazes. É preciso ter sempre presente que o Senhor não abandona nem exclui ninguém da sua misericórdia”, pois “sabe Deus o que levou a desistir e a romper essa unidade”, acrescentou.
Neste sentido evidenciou tratar-se de “filhos feridos a quem a Igreja, como «mãe» e sacramento de Cristo misericordioso, sem nunca faltar à verdade, é chamada a acolher com misericórdia, a pôr aos ombros e a cuidar das feridas como o bom pastor”.
Conferência do padre Mário de Sousa