A Santa Casa da Misericórdia de Faro retoma na sexta-feira, após três anos de interregno por causa da pandemia de Covid-19, a multissecular Procissão do Enterro do Senhor, a terceira de maior expressão das realizadas no Algarve, logo depois da Procissão da Festa Grande de Nossa Senhora da Piedade (Mãe Soberana), em Loulé, e da Procissão da Ressurreição da Festa das Tochas Floridas, em São Brás de Alportel.

O ano passado, quando se começou a retomar grande parte das iniciativas interrompidas com a pandemia, ainda se equacionou a hipótese de retomar o cortejo, mas o provedor entendeu que não havia ainda condições sanitárias que garantissem a segurança dos utentes da instituição. José Candeias Neto, em declarações ao Folha do Domingo, lembra que a preparação e a realização da procissão implicam acesso acrescido de pessoas à Santa Casa e garante não ter querido correr riscos. “O ano passado convidámos as pessoas a visitarem as imagens na igreja”, recorda ainda.


Provedor da Misericórdia de Faro continuamente desde 1979, Candeias Neto realça que esta não foi a única interrupção na realização da procissão no passado recente. “Houve um período grande em que não se fez a procissão e depois deu-se o 25 de Abril [de 1974] e também não se fez. Começámos a fazer a procissão, mais ou menos, a partir de 1981”, lembra.


Entretanto, acrescenta que estes quase quatro anos passados sobre a última edição realizada em 2019, trouxeram uma alteração na logística organizativa com a aposentação de vários funcionários que tinham a seu cargo a preparação do cortejo, restando apenas um com a experiência necessária. “Dá muito trabalho e estava com receio que a gente não conseguisse organizar a procissão com o devido respeito”, confessou.


Para fazer face a esta realidade, a Misericórdia nomeou então este ano uma comissão, presidida pelo cónego Rui Barros Guerreiro, presidente da Assembleia Geral, e constituída ainda pelo vice-provedor e por mais dois mesários, para a promoção da procissão.
O provedor assegura que “a preparação da procissão implica muita gente” e conta que “há mais de 15 dias que andam três pessoas envolvidas” diretamente na sua organização. “Antigamente havia voluntários”, lembra, lamentando que hoje isso já não aconteça. Ainda assim assegura que se não fosse a colaboração do Moto Clube de Faro, a Santa Casa “não organizava a procissão”.

Aquele responsável explica ainda que o andor de Maria Madalena, incluindo o arranjo floral, é da responsabilidade da Casa Verde, estabelecimento comercial da capital. Candeias Neto acrescenta que a Câmara Municipal paga às duas bandas filarmónicas, responsabiliza-se pela instalação sonora e pelo rosmaninho que é colocado nas ruas. A Misericórdia suporta os arranjos de flores dos restantes andores de Nossa Senhora da Soledade e de São João, encargo que garante ser na ordem das “centenas largas de euros”, o pagamento de 500 euros à GNR pela representação a cavalo e dos seguros necessários. “Temos alguns donativos, mas são poucos”, acrescenta, referindo-se sobretudo a apoios das Juntas de Freguesia de Faro e do Montenegro e de alguns fornecedores da instituição e explicando que os provenientes de particulares são “muito poucos”.

O provedor lembra que as imagens dos três andores, substituídas ainda antes da sua chegada em 1976 à Misericórdia, já não são as originais, mas constata que se revestem de maior beleza. As antigas estão na exposição de arte sacra da Misericórdia, patente no espaço da sacristia. “O povo reagiu mal quando se mudou a imagem. Queria a antiga”, relata, referindo-se à imagem de Nossa Senhora da Soledade paga pela Santa Casa juntamente com a de São João, lembrando que a de Santa Maria Madalena “foi oferecida pelos donos da Casa Verde” João Luís Fernandes Júnior e Urbano José Alves em 1942.
Não obstante a referência mais antiga às celebrações da Semana Santa em Faro remontar a 1678, o provedor conta que já o Compromisso da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Faro de 1619 se refere às Endoenças promovidas pela instituição, embora sem mencionar concretamente a Procissão do Enterro do Senhor. José Candeias Neto recorda que no tempo em que D. Marcelino Franco era bispo do Algarve (entre 1920 e1955), aquele cortejo era “mais completo”, quer no trajeto, quer na composição. “Passava pelo Largo Afonso III, iam as bandeiras todas da Misericórdia e, além dos painéis, iam também os objetos da paixão junto à cruz”, recorda, acrescentando que os intervenientes iam “todos vestidos de balandraus”.

O provedor, que se mostra convicto de que a edição deste ano terá muita participação, adianta ainda que os comerciantes da Rua de Santo António foram convidados a retirar as explanadas e os moradores a decorarem as janelas com colchas e colgaduras.

O cortejo partirá da igreja da Misericórdia pelas 21h de Sexta-feira Santa, percorrendo o seguinte itinerário: Praça D. Francisco Gomes; Rua Dom Francisco; Gomes; Rua Ivens; Praça Ferreira de Almeida (Largo da Palmeira); Rua Lethes, Rua de Portugal; Rua Sacadura Cabral, Largo 25 de Abril, Rua Mouzinho de Albuquerque, Rua João de Deus, Largo dos Combatentes (junto ao tribunal), Rua de Santo António, Rua D. Francisco Gomes, Praça D. Francisco Gomes, recolhendo posteriormente à igreja da Santa Casa.
O secular préstito procura anualmente reviver, com densidade silenciosa, o episódio protagonizado por José de Arimateia. Pilatos, depois da confirmação da morte de Jesus, entregou o corpo de Cristo a este membro do conselho do Sinédrio para que fosse sepultado.

O cortejo sai aberto pela representação a cavalo da GNR e um friso de tochas. Segue-se a matraca, cujo som áspero que se ouve ao longe, e que simboliza as ondas de ódio amontoadas pelos judeus à volta de Cristo. A certa distância vem o guião ladeado por duas lanternas. Alguns metros desviada, a iniciar as alas os balandraus com tochas, a cruz com o lençol pendurado. Entre as alas, o “tumbinho” carregando o corpo de Cristo, debaixo do pálio.

Participam ainda no préstito autoridades eclesiásticas, civis e militares, as Ordens Terceiras de Nossa Senhora do Monte do Carmo e Franciscana Secular, a Irmandade da Misericórdia, os Bombeiros Municipais e Voluntários de Faro, os agrupamentos do Corpo Nacional de Escutas, os grupos dos Escoteiros de Portugal e a companhia da Associação de Guias de Portugal, entre outras entidades e instituições. No meio, seguem os três andores, comportando as imagens de Nossa Senhora, o apóstolo João e Maria Madalena, os três que permaneceram junto à cruz.

Abrilhantam o cortejo, atuando antes da sua saída e acompanhando-o musicalmente em todo o itinerário, as formações da Associação Filarmónica de Faro e da Sociedade Filarmónica 1.º de Maio, de Lagos.

Para além dos apoios já referidos, a edição deste ano conta também com a colaboração da Associação de Desenvolvimento Comercial da Zona Histórica de Faro.