D. António Barbosa Leão, dando continuidade e consolidação à ação pastoral desenvolvida por D. António Mendes Belo, foi o bispo missionário do Algarve, intransigente na defesa da Igreja, mas sempre com capacidade de compreensão e de indulgência.

Folha do Domingo, passados cem anos, recorda este bispo intemerato que lutou pelos direitos dos homens e de Deus, pela liberdade, pela justiça, pela concórdia entre os algarvios, e que combateu o desemprego, a injustiça e a fome . Ao rol das acusações e discursos anticlericais, a Igreja no Algarve vai contrapor com realizações sociais e culturais e deixa de lado o discurso apologético, a verborreia estéril e caceteira dos anticlericais maçónicos e republicanos da última hora.

Nas cidades, vilas e nas freguesias mais populosos (v. g. Albufeira, Aljezur, Estoi, Faro, Fuzeta, Lagos, Loulé, Odiáxere, Olhão, Portimão, São Brás de Alportel, Tavira, Vila Real de Santo António) organizou casas de trabalho, dirigidas por senhoras, para a confecção de empreitas, bordados, enxovais, paramentos e trabalhos manuais, para promover e dar emprego à juventude feminina e angariar também fundos para a catequese e obras paroquiais. Uma das casas mais dinâmicas foi a de São José, de Loulé.

Desejava que o culto fosse imponente e procurou organizar em cada paróquia um grupo coral e difundiu a música sacra. As filarmónicas abrilhantavam as procissões e as missas a grande instrumental. A Quaresma foi revitalizada com pregação, procissões e canto das almas. As cerimónias da Semana Santa eram realizadas em quase todas as paróquias: O clero alternava anualmente com as paróquias vizinhas para que se celebrasse o Mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo na maioria das paróquias.

Não se esqueceu dos pobres e por onde passava deixava sempre uma avultada esmola para os mais indigentes. Apoiou em cada paróquia o bodo aos pobres nos dias mais significativos da liturgia cristã, pelo Natal, Ano Bom, Dia de Reis, Páscoa da Ressurreição, Pentecostes e nas festas dos oragos.

Em apoio da acção catequética, fundou a Folha do Domingo (19.07.1914). «O programa desta modesta publicação também o podemos resumir em meia dúzia de linhas. A explicação do Evangelho do domingo; o desenvolvimento gradual, em pequenos artigos, da doutrina do Catecismo; a demonstração da santidade da moral cristã, feita à luz da razão e com eloquência esmagadora dos exemplos, que a vida dos santos nos apresenta em páginas duma leitura edificante e salutar; a propaganda de obras de ensino, piedade, caridade e acção católica, tendentes simultaneamente à santificação individual e ao auxílio do próximo carecido de luz, de pão ou de consolo; tudo isto acrescido duma nota breve, mas completa do movimento religioso das freguesias, a que o boletim se refere, do horário dos actos do culto, do anúncio das festividades, etc.; tudo isto, repetimos constitui o programa, que nos propomos realizar».

No meio de tantas privações, reconstruíram-se igrejas e executaram-se obras de conservação (Lagoa, Ferragudo, Salir, Silves, Almancil, São Brás de Alportel) e os pobres tiveram sempre um lugar especial no seio da Igreja. Nesta altura a Igreja sofreu perseguição feroz mas rejuvenesceu. A igreja do Azinhal foi incendiada (1915) e ficaram só as paredes em ruínas. Uma dependência da residência paroquial foi convertida em capela. Ao domingo a catequese e a missa eram na capela incendiada e as obras de reconstrução começaram a 3 de Novembro de 1915 e, no ano seguinte, as obras para a construção do novo cemitério. Várias igrejas estiveram encerradas. Em Mexilhoeira Grande o pároco teve que se ausentar devido aos conflitos e passados 19 meses reabriu ao culto. Houve missa celebrada pelo pároco de Alvor e participaram cerca de 800 pessoas, em Julho de 1914. Em São Marcos da Serra a igreja também esteve encerrada por causa dos desacatos e reabriu ao público em Setembro de 1923. Também em Nossa Senhora da Rocha a capela esteve interdita por causa dos desacatos praticados. Reabriu em Janeiro de 1924. Odeleite ficou sem pároco residente desde 1911. Em Alcoutim, em 1922, ainda não havia missa dominical.

Os roubos eram frequentes e as autoridades nada fizeram para castigar os delinquentes, como em Alvor, Fuzeta, Lagos, Lagoa, São Brás de Alportel. Na Fuzeta, a Junta retirou da igreja o que lhe fazia falta para as festas (1911). Em Moncarapacho a Junta de Paróquia, auxiliada pelo regedor e com a autorização do administrador do concelho, encerrou a igreja paroquial e as capelas da freguesia. O povo ficou privado do exercício do culto. Cerca de 10 mil pessoas, em 1917, protestaram perante o Governo Civil e este foi obrigado a reabrir a igreja paroquial e as capelas da freguesia. E muitos sacerdotes tiveram que se ausentar e algumas paróquias ficaram abandonadas.

Durante seis anos, praticamente o culto exterior foi proibido, mas a Igreja não entrou em conflito e na polémica de caserna. Havia apenas a festa litúrgica dentro das igrejas. Raras foram as procissões que se realizaram. O Dia de Ano Bom, em honra do Menino Deus, era festejado com pompa em várias freguesias mas, em Santa Bárbara de Nexe, apesar de toda a opressão, o prior até conseguia organizar a procissão. O mesmo aconteceu com a procissão da Senhora da Piedade, em Loulé, e a procissão da Ressurreição, em São Brás de Alportel. Mas a célebre procissão do Triunfo, em Tavira, só em 1917 saiu à rua com o resplendor de “antigamente”. O mesmo aconteceu com a procissão de Nossa Senhora das Dores, em Faro, que se realizava desde 1773, com os sete andores ou passos das Sete Dores de Maria.

A partir de 1916 começaram a sair à rua algumas procissões mas ainda houve vários conflitos. Mas em Vila Real de Santo António até os bombeiros fizeram a guarda de honra na procissão de Nossa Senhora da Encarnação (1917). Em Alcoutim, Albufeira, Lagoa, Monchique, Paderne, Portimão, Santa Bárbara de Nexe, São Pedro (Faro), Silves e Vila Real de Santo António, as autoridades locais não toleravam procissões e foi difícil aos párocos conter a multidão de fiéis para realizar as procissões dentro das igrejas. Por vezes, a procissão fazia-se à roda do adro, mas na maioria das freguesias as procissões recomeçaram a percorrer as ruas das aldeias com o maior respeito e decoro. Foram raros os locais (Faro, Vila Real de Santo António, Santa Bárbara de Nexe) em que houve atitudes impróprias durante uma procissão. A afamada procissão de São Sebastião, em Faro, saía da ermida para a Sé, onde era aguardada pelo Cabido. Era de noite, e “triunfalmente” o santo era aclamado por grandes multidões em que predominava o elemento marítimo. À luz de archotes e tochas, eram levantados durante o percurso entusiásticos vivas. No dia seguinte regressava à sua capela. Como se introduziram abusos, foi realizada de dia, de tarde. No regresso incorporava-se o Cabido. Nos últimos anos da monarquia, a procissão entrava na Sé e regressava logo à sua capela. Com a implantação da República, deixou de se fazer a festa. Só em 1924 é que o Cabido se encarregou de retomar a celebração da festa de São Sebastião. O mesmo aconteceu em Silves, Tavira, Monchique e Alferce. O jornal da Diocese esteve atento a todas estas dificuldades. Em artigos pequenos e claros expôs a doutrina da Igreja. Por intermédio do conto, da estória, de diálogos vivos e oportunos do momento presente, foi expondo a doutrina da Igreja e torneou a questão religiosa. Entre os vários colaboradores, ficarão na história do jornalismo algarvio o Cónego Lorena, que escreveu sobre temas históricos e litúrgicos, o Cónego Guerreiro, especialista em transmitir uma mensagem por intermédio de diálogos populares, e o P.e Santos Silva (foi director do jornal de Outubro de 1922 a 1937 e silenciou O Moca e o Diário do Algarve) pela sua vasta cultura e dialéctica contundente. O jornal nunca acusou frontalmente ninguém. Apenas expôs a doutrina da Igreja em pequenos textos, com vários subtítulos, de forma clara e acessível (e também apologética), onde transparece o Evangelho e a catequese no momento oportuno. Não ignorou a crítica política da situação reinante e a dicotomia dos que se diziam cristãos. Perante o mutismo e o encolher de ombros de muitos, enalteceu todos aqueles que espontaneamente, apesar das ameaças e opressões, viviam a fé. As notícias sobre as paróquias são um espelho da vitalidade da Igreja e também um incentivo para novas iniciativas, sobretudo nas paróquias de menor dimensão.