Os tempos dos museus: O nome Museu provém do templo das Musas que existiu no Hélicon-Atenas. Museu se chamou ao complexo cultural, construído por Ptolomeu, na Alexandria; como em Roma se deveria dar o nome de museu à villae especial, reservada ao diálogo filosófico. Depois, pelos séculos, primeiro no Ocidente medievo, desenvolveram-se os hábitos das colecções, como o de Di Rienzo a Petrarca. E muito pródigos foram os novos núcleos “colecções”, no período renascentista (1453 – com a conquista de Contantinopla); na radiação do capitalismo comercial italiano (séc. XV), que contribuiu para o desenvolvimento da personalidade e do culto. O pendor clássico do Humanismo encorajou papas, príncipes, altos dignatários e ricos negociantes a encomendarem obras a um mundo de artistas, criando-se os studios, cabinets, gallerias, (capelas exigidas pela contra-reforma). Logo, por toda a Europa, se vai alastrando o gosto pelas ricas colecções e o culto faustoso do cabinet: na França de Francisco I, na Espanha de Carlos V, na Áustria dos Hasburgos, na Inglaterra de Henrique VII, no Portugal de Manuel I e seu filho João III. Os banqueiros da era moderna, com os Médicis em Itália, Jacques Coeur na França, os Furster, os Hochstetter, os Tucher, etc pela Alemanha e Holanda. A 10 de Agosto de 1793 abre o primeiro museu público europeu (a todas as classes), Museu do Louvre, em Paris. E, nesse formato da modernidade museológica, a França contava, no ano de 1800, com 22 museus abertos à apreciação de um público ávido e aberto ao conhecimento do classicismo. No avanço do século XIX, chegando ao liberalismo e o vigor do romantismo, as nações abrem-se ao gosto pelas antiguidades e pela polimórfica, curiosidade científica: As capitais centro e norte-europeias abrem os seus museus ao público: 1807 – Museu de Bruxelas; 1808 – Rijksmuseum, de Amesterdão; 1810 – Brittish Museum, de Londres; 1819 – museu do Prado, Madrid; 1822 – Mauritshys, de Haia; 1828 – Museu de Berlim; 1836 – Pinoteca de Munique; 1852 – Ermitage de S. Petersburgo.

OS MUSEUS EM PORTUGAL – A 15 de Março de 1791 abriu em Beja o primeiro museu português: o museu Cenáculo Pacense Vilas-Boas, em exposição de placas, fragmentos de esculturas, etc. Com a lei da extinção dos conventos, em Portugal, 1834, foi desencadeada a dispersão de um multissecular património sacro/artístico; cria-se a necessidade e obrigação em promover o seu agrupamento. Já D. Pedro IV autorizara a instalação do museu portuense, no convento de S. Francisco, 1833, na cidade do Porto. Por portaria de 1837, é posta em prática a criação dos museus nas capitais de província. Lisboa determina, 1836, a criação do museu da marinha; outros se seguem até que em 1884 se crie o Museu Nacional de Belas-Artes, na opulência arquitectónica do palácio seiscentista das Janelas Verdes. Com a portaria de 1837, é posta em prática a anunciada criação dos museus nas capitais do reino.

O MUSEU DE FARO – primeiro museu criado no Algarve, foi a 4 de Março de 1894, em Faro. Abriram-se as portas do museu, pela circunstância da inauguração da transformação dos novos Paços do Concelho; estava o presidente da Câmara, Ferreira Neto, na cidade do Porto, para assistir às comemorações do V centenário do nascimento do Infante D. Henrique, quando, o vice presidente, em exercício, Manuel Bívar Weinholtz, procedeu à inauguração do museu da cidade, ficando o seu embrião no próprio espaço do edifício da Câmara à espera que chegasse a República para a sua transferência. Não foi difícil encontrar patrono para o museu: o nome do Infante de Sagres estava à mão. Assim se decidiu, por unanimidade o reconhecimento da figura maior das navegações a partir do Algarve: Museu Arqueológico Infante D. Henrique.

Com Faro, o Algarve entrava na modernidade dos museus. Para a sua instalação, muitos foram os contributos em figuras notáveis e dávidas. Com o fim do século XIX provoca-se o desenvolvimento da região, pela chegada a Faro do combóio, em 1889, como última fase nacional da instalação ferroviária no País. Esperou Faro a visita da família real, D. Carlos e D. Amélia para o acto inaugural /oficial do museu, que aconteceu a 9 de Outubro de 1897.

O Homem do Museu de Faro, seu impulsionador, foi o Cónego Joaquim Maria Pereira Boto, a grande figura pioneira, entregando-se à sua paixão, a arqueologia. A cidade, na novidade museológica, foi recebendo da região, património daqui e dali; também pelo vandalismo dos arqueólogos apressados que desventraram e desviaram uma parte muito substancial da nossa riqueza artística, arquitectónica e escultórica soterrada, assim protegida, em peças decorativas, em joalharia, também numismática, entre outros materiais, desde Milréu (Estoi), às ruas de Faro e noutras partes do Algarve deram esses registos. Com a ausência de monsenhor Boto, o Museu de Faro entrou numa prolongada orfandade. Mas outras figuras ressurgiram, em tempos próprios, para erguerem o Museu de Faro aos louvores de um dos mais importantes dos museus de Portugal. Também o museu passou pelas passinhas do Algarve: Esteve congelado numa igreja (dos Capuchos) durante décadas, com toda a fartura de peças: pinturas de séculos, artes/sacras, pelo arrolamento dessas obras, entre outras riquezas artísticas, que a República decretou., a caminho do museu. Iniciámos com monsenhor Boto, as figuras do Museu. Não devemos esquecer Justino Cúmano, Mário Lyster Franco, José António Pinheiro e Rosa, o homem da reconstituição do museu Municipal de Faro, apoiado pelo autarca João Vieira Branco, construtor do projecto doutro autarca, Gordinho Moreira, que nos anos sessenta, do passado século, adquirira o Convento renascentista de N.ª S.ª da Assunção, para a actual instalação. Em século XXI, o Museu de Faro recebeu, para a sua direcção, uma jovem, Dália Paulo, que repõe toda a dignidade à Casa da nossa maior memória. E nessa reposição temos a reconstrução de Ossónoba recuperada do chão de Faro. Hoje, pudemos passear pelo espaço da outrora cidade romana, o nosso primeiro berço e encontrarmo-nos nesse passeio de recuperação e de cultura: da cidade que consideramos de Monumental!

O museu de Faro tem a maior exposição, permanente, de arte pictórica, que vem dos séculos XVI ao XIX. São setenta e oito (78) telas numa só sala, numa disposição muito bem concebida, em luz e espaço, em que não nos envergonhamos pela Europa. O estudioso de arte, Magno Moraes Mello deixou a sua apreciação às obras expostas, na grande sala dos séculos, em pintura: Diante de um número bastante extensivo de imagens (muitas delas desconhecidas do grande público, como também de especialistas que debruçam sobre o estudo da pintura em Portugal), e diante da diversidade cronológica desta pesquisa, isto é, optou-se por não privilegiar uma época em concreto (…) Apresenta-se aqui todo um leque cronológico e estilístico de toda a pintura farense, numa evolução de quase 500 anos de produção, não omitindo nenhum tipo de pintura.(1)

O século XX deu entrada, no museu municipal, a um naipe de pintores algarvios ou residentes que tem vindo a preencher as galerias do museu, desde Samora Barros, Augusto Lyster Franco, Roberto Nobre, Manuel Baptista, tanto quanto Vicente de Brito que passam as fronteiras dos reconhecimentos, segundo o crítico de arte, Rui Mário Gonçalves: Durante os anos cinquenta, quando a polémica Abstracção-Figuração dominava as preocupações da vanguarda, uma nova geração de artistas estava em formação.(2)

A sala que expõe Carlos Porfírio, no Museu Municipal de Faro, é uma jóia da Casa: pintura do século XX, em nove (9) telas, em que o pintor foi ao encontro da narrativa popular para ilustrar, em tintas, a nossa tradição longínqua: as lendas de raiz do povo, desde o Tesouro Encantado, a Zara. Dois dos nove quadros expostos, em que o primeiro, numa pintura abstrata, resulta de uma meditação ingenuísta e profunda que faz o inventário dos mais pessoais formulários, num processo hibrido; no segundo, (Zara), temos o pintor conseguido. Quem é Zara, que vem envolta no mistério das sedas, dos véus, pingos de ouro, beleza da gesticulação, nos movimentos silenciosos, sedução ir-
real, em que o pintor situa a mulher numa espantosa visão volátil?

Faro pode orgulhar-se em ter, pelo século XX, cinco Museus, que passaremos a designar, continuando: após a fundação do Museu Arqueológico e Lapidar-Infante D. Henrique, logo reparámos que outro museu surgira: um anexo à escola profissional/ofícios, Pedro Nunes, fundada, em 1889. Era o embrião do futuro museu da Marinha, que irá conhecer várias acomodações, passando em 1931 para o primeiro piso, numa sala do Paço Episcopal, até chegar à morada definitiva, em 1964, para se instalar no Departamento Marítimo de Faro, junto à Doca, com determinação de Museu Comandante Ramalho Ortigão. O Museu da Marinha, como passou a popularidade, é constituído, por elementos diversos, ligados ao mar. A colecção de Caravelas, de naus, como a de N.ª S.ª da Conceição, uma das muitas miniaturas, que podemos admirar, assim como quadros de diversos mestres da pintura, desde Maria Justina Tibúrcio, Augusto Lyster Franco, João Vaz, entre outros. Nesse ano de 1964, entra no museu uma encomenda feita ao mestre Carlos Porfírio: um magnífico triplico, quadro de grandes dimensões, sobre a pesca do atum, na costa algarvia. O museu da Marinha, de Faro é um mimo, merece uma visita, sobretudo, a didáctica/escola. A 23 de Junho de 1932, o presidente da Câmara Municipal de Faro, Mário Lyster Franco faz aprovar (por unanimidade) o Museu Antonino, instalado que foi num anexo da ermida de Santo António do Alto. O Museu dedicado ao imaginário de Santo António de Lisboa, abre ao público a 27/10/1934. Desactivou-se no início do século XXI. A 15 de Dezembro de 1962, abre em Faro um novo modelo de museologia etnográfica. Cá temos a originalidade de Porfírio com um museu criado de raiz, no centro da cidade. Emanuel Correia, entrando no novo museu da Pontinha, afirmou na palavra escrita: Porfírio ama aquilo que vê: o seu Algarve. Faz de cada recanto do urbanismo rural um poema de amor, e, cada muro caiado, chaminé, telhado ou vão de entrada de habitação, tornam-se jogos lúdicos (3). A imprensa regista a inauguração: O Museu de Etnografia aberto em Faro, na Pontinha, constitui um dos melhores do país. Deve a sua grandiosidade ao talento do ilustre algarvio que é C. Porfírio. (4)

Ainda em finais do século XX, o bispo D. Manuel Madureira Dias, no sonho de fundar, junto à Catedral de Faro, um museu de arte sacra, criando um embrião ao sonho, onde centenas de pessoas passam diariamente numa apreciação sem leitura, necessária ao conhecimento dos conteúdos.

Após o 25 de Abril/1974, as cidades, vilas e aldeias do Algarve, foram abrindo portas aos seus possíveis museus, como Lagos, tendo Silves o seu museu de raiz Àrabe (perdeu o museu da cortiça). Portimão construiu a memória das fábricas de peixe, Tavira vai avançando. Outras localidades, como Messines tem a sua Casa Museu João de Deus, tal como Loulé, Alcoutim, Vila Real de Santo António.

1) Pintura – Edição Câmara Municipal de Faro – 2000
2) “ Pintura Portuguesa à XII Bienal de São Paulo” – Edição S. Paulo-Brasil-1973
3) “Centenário Carlos Porfírio” – Edição Câmara Municipal de Faro – 1996´
“ O Algarve”- 16/12/1962


Teodomiro Neto

O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico