Com uma pergunta muito simples, mas pertinente, queremos hoje iniciar este apontamento: haverá ou será justo afirmar-se que existe um projecto cristão de sociedade?

Sem dúvida que a resposta não é, nem pode ser assim tão simples, pois, à primeira vista, ela terá de ser contraditória, isto é, há e não há um projecto cristão de sociedade.

Não existe, de facto, um projecto cristão de sociedade, no sentido de que a fé não tem soluções técnicas para os problemas económicos, sociais e políticos.

Mas por outro lado, e de certa maneira, esse projecto existe ou melhor está implicado no modo como o cristão tem de agir e de participar na constituição da cidade dos homens. Porque a sociedade não diz respeito apenas ao desenvolvimento económico e político, ela é e assenta também num aspecto de ordem ética e espiritual.

Ao longo dos tempos os cristãos foram acoimados de não permanecerem fiéis à terra, de fugirem do mundo, de fazerem da terra apenas um trampolim para o céu.

Porém, a orientação da Igreja a este respeito vai, precisamente no sentido de empenhar e comprometer os cristãos nessa construção da cidade terrena, respeitando e obedecendo, está claro, a determinadas linhas de força e princípios fundamentais bem expressos em vários documentos pontifícios como, nomeadamente na “Pacem Terris” e na “Populorum Progressio” e outros…

Essas linhas de força e princípios fundamentais poderão ser resumidores nestes termos:
Primeiro, toda a actividade humana, na ordem temporal, tem a sua norma próxima na pessoa humana que é sujeito, princípio e fim da instituição social. Por isso, qualquer projecto de sociedade terá que atender e respeitar o homem, a sua dignidade a sua liberdade, numa palavra, os seus direitos.

Em segundo lugar, e conforme aos mesmos princípios e linhas de força, o cristão terá que ter presente que, na actividade temporal, não se salva ou santifica individualmente, mas na comunidade social.

Daí nasce a obrigação de se inserir e de se empenhar na edificação da cidade dos homens sem contudo, nunca se deixar levar por miragens e por sonhos de sentido meramente materialista.

Terá que ser, isso sim, um factor de humanização, numa permanente preocupação de pautar o seu comportamento e o seu empenho em harmonia com a sua fé, inserindo-se, pela seriedade e pela competência técnica, no progresso da sociedade, respeitando os princípios éticos, em todas as circunstâncias, não esquecendo nunca que o humanismo total pressupõe não só o homem total, mas também Deus.

Pois, todos nós sabemos pela experiência e pela História tanta antiga, como contemporânea que o homem pode organizar-se sem Deus, mas então organiza-se contra o próprio homem.

É o que aconteceu e está acontecendo em muitas partes do mundo, onde não só a praxis comunista materialista se estabeleceu, como também onde o materialismo prático campeia.

Por isso, sabemos de antemão que todas essas sociedades assentes em projectos que espezinhem a mensagem de transcendência, de libertação e de esperança que está radicada no homem e expressa no Evangelho, estão condenadas e ruirão, mais tarde ou mais cedo.

No fim de contas, o projecto de sociedade em que o cristão terá de se empenhar, não pode ser outro senão aquele que respeite o homem na sua dimensão total que o mesmo é dizer respeite o homem enquanto homem e o respeite também enquanto filho de Deus.