Em Semana de Oração pelos Seminários com mais uma edição do lausperene diocesano a decorrer para pedir a Deus vocações de consagração, o reitor do Seminário de São José, em Faro, explica, em entrevista ao Folha do Domingo, como tem sido levado a cabo nos últimos tempos o trabalho da formação dos futuros sacerdotes da Diocese do Algarve e adianta quais as opções que estão a ser pensadas para os próximos. Entrevista conduzida por Samuel Mendonça

A pandemia obrigou à alteração de rotinas no Seminário?

Respondo a essa pergunta segundo dois tempos distintos. A pandemia obrigou a alterações da vida, das rotinas e do estilo de vida dentro do Seminário, sobretudo nos primeiros meses da pandemia em que ela era uma novidade para a qual não estávamos preparados, em que iam surgindo quase de todos os dias indicações novas. Isso foi-nos obrigando a ir alterando algumas rotinas e o modo de estar. Atualmente, podemos dizer que não tem um impacto na vida quotidiana da comunidade do Seminário, a não ser naqueles pormenores essenciais e que têm que ver com os cuidados de higiene, não só com os formadores que vêm de fora mas também na relação entre nós, procurando ter uma vida normal. São os cuidados comuns a qualquer estabelecimento de ensino ou a qualquer outra instituição que tenha um conjunto de pessoas a viver juntas. Mas naquilo que é o habitual da vida do Seminário não alterou absolutamente nada, nem do ponto de vista da formação, nem dos horários, nem do modo de vivermos. Procuramos manter-nos com todos os cuidados.
Nos primeiros meses da pandemia alterou a nossa vida. O Seminário teve de fechar…

Nessa altura, os seminaristas foram para casa…

Sim. Logo quando surgiu a pandemia achámos, em concordância com as suas dioceses de origem, que o melhor seria regressarem a casa para estarem com as suas famílias porque isso, não só nos dava mais segurança, como também às famílias, sendo que alguns estão a mais de 300 quilómetros de casa. Imaginamos o que é, naquela situação, não poder ter um filho por perto.
Começámos depois a retomar a meio de maio, primeiro com o regresso dos nossos seminaristas maiores que vieram de casa para o Seminário Menor para fazer vida comunitária porque a vida em casa não permite ter os mesmos ritmos de oração, de vida comunitária, de ambiente de estudo. E, depois, os do propedêutico regressaram em junho para fazer uma última etapa.
No começo do novo ano letivo retomámos com normalidade e podemos dizer que quase não se sente diferença em relação a outros anos.

E eles frequentam aulas fora do edifício da instituição?

O seminarista menor, o David, tem aulas na [Escola] Tomás Cabreira. Vai à escola e volta com todos os cuidados necessários. Os outros têm toda a sua formação interna, embora tenham, por exemplo à quarta-feira, atividades ligadas à dimensão caritativa. Participam, de quando em vez às quartas-feiras, em ações, através das quais procuram ter contacto com os mais pobres. Colaboram com Cáritas Paroquiais ou com a Cáritas Diocesana, mas são saídas pontuais e controladas.

Apesar da pandemia tem sido possível manter esse trabalho que já vinha de trás?

Até agora sim porque acaba por ser uma saída controlada. Sabemos com quem estão e durante quanto tempo. Sabemos que não abona nada a favor do crescimento deles uma vida fechada no Seminário que pode chegar a ser uma vida artificial. Portanto, tentamos manter, até quando for possível e houver segurança, a normalidade das atividades.

Alguém que ponha a possibilidade de Deus o estar a chamar ao sacerdócio, mas não tenha sensibilidade para os mais frágeis e pequenos como é que se pode configurar com Cristo, o bom pastor, que vai à procura da ovelha perdida?

Essa dimensão da caridade e a sensibilização para a fragilidade e para a pobreza têm estado presentes na formação dos seminaristas. Que outras áreas de formação são importantes para além da formação teológico-pastoral?

No ano propedêutico privilegiamos muito três grandes dimensões. Uma delas é a dimensão humana no crescimento e conhecimento de si mesmo e temos um conjunto de formações que ajudam a pessoa a identificar aquilo que são as suas qualidades e virtudes, bem com aquilo que são as tuas fragilidades e defeitos, a saber lidar com isso e, portanto, a lidar consigo para que possa crescer no reconhecimento que tudo aquilo que a constitui como homem é dom de Deus.
Privilegiamos a dimensão humana também na relação com os outros, [de modo a] olharmos para o outro como dom e colocamo-nos sempre diante dele num sentido de serviço. Isso implica o respeito pelo outro e olhar sempre para ele como um dom que Deus me concede e não como um rival ou com outra perspetiva diferente.
Depois, a dimensão espiritual que é a dimensão central e que une os vários pontos. Aí, por recomendação da Santa Sé, reformulámos o ano propedêutico, correspondendo já à nova ratio [plano de formação] da Congregação para o Clero que saiu em 2016, na qual a dimensão espiritual é o grande fundo e a grande realidade que une todos os pontos. Neste sentido, há vários aspetos de formação que foram realçados, como a iniciação à oração ou alguns aspetos que damos por adquiridos, mas cujo sentido se desconhece, como a oração da Liturgia das Horas ou o sacramento da Reconciliação e a introdução a ele, bem como a Eucaristia porque celebramo-la e dizemos que é a fonte e o cume da vida da Igreja, mas notamos que, às vezes, há a carência de entender com maior profundidade o que celebramos.
Ao longo do ano eles fazem, habitualmente, três retiros e recoleções mensais para ajudar a fazer do ano propedêutico um ano de discernimento, para poderem no final dele decidir se querem ou não avançar.
Estas duas dimensões, a humana e a espiritual, estão muito unidas porque é na minha história humana real que a fé surge e que, mediante a fé, Deus me chama a um serviço.
Depois há ainda a dimensão sociocaritativa que tem a ver com o despertar para o serviço com uma predileção pelos mais pequenos, frágeis e pobres porque estes são também os prediletos de Jesus. Isto também tem muito a ver com a vida pastoral e é meta da formação teológico-pastoral. Não é que seja uma formação intelectual e que fique pela razão, mas que toque o coração e se transforme em ação. A questão dos mais frágeis é aqui essencial porque a caridade é algo intrínseco e identitário da vida da Igreja. Alguém que ponha a possibilidade de Deus o estar a chamar ao sacerdócio, mas não tenha sensibilidade para os mais frágeis e pequenos como é que se pode configurar com Cristo, o bom pastor, que vai à procura da ovelha perdida? Portanto, essa dimensão tem de ser trabalhada desde já, medindo também um pouco capacidade, a sensibilidade, a proatividade em relação a essa realidade do nosso mundo. Temos de saber ser o rosto de Cristo, bom pastor, para esses pobres. Até porque sabemos que pela caridade se evangeliza e se anuncia muito Cristo ao mundo. Não precisamos de fazer coisas extraordinárias. Precisamos de, extraordinariamente, amar aquilo que são as pequenas coisas da vida onde se inclui a dimensão da pobreza que é uma constante da nossa vida social e da nossa vida comunitária cristã e que temos de amar de modo extraordinário e perceber que a evangelização, o anúncio do evangelho, passa por aqui.

Muitos jovens chegam ao Seminário com uma iniciação cristã deficiente

Podemos dizer que o ano propedêutico é então uma etapa de descoberta vocacional a caminho do sacerdócio, de acompanhamento, de formação e de discernimento, preparatória para o ingresso no curso de Teologia?

O ano propedêutico tem existido ao longo das últimas décadas na vida de muitos seminários. Aliás, o ano propedêutico não é propriamente uma novidade para o nosso Seminário de São José. Nos anos 90 houve rapazes que frequentaram o ano propedêutico antes de ir para Évora, mas a determinada altura, a Província Eclesiástica do Sul [constituída pelas dioceses do Algarve Beja e Évora] determinou que devia haver sempre um ano propedêutico e que ele deveria realizar-se no Seminário de São José da Diocese do Algarve. Mais tarde, em 2016, a nova ratio estipulou como etapa fundamental e obrigatória o ano propedêutico que está orientado para que aconteça antes da formação filosófico-teológica, mas pode acontecer noutras etapas da formação como está a acontecer no caso destes três rapazes [acolhidos este ano da Diocese de São Tomé e Príncipe] que já fizeram a filosofia. Fazem o ano propedêutico para depois, eventualmente, continuarem com a Teologia, tal como acontece em muitos institutos de vida consagrada em que decorre a meio de um período de formação.
É o ano em que se pretende, no meio de tanta correria e, sobretudo, de tanta vida académica que marca muito o ritmo dos seminários, que haja uma paragem em que se possa dar mais atenção à vida interior, primeiro porque a percepção daquilo a que Deus me chama vem da dimensão espiritual e da vida interior, e depois porque a minha decisão por querer aquilo que Deus quer para mim também parte daí. Ou seja, não basta estar muito bem formado intelectualmente, não basta saber as verdades da fé, não basta humanamente ser muito bom. Tenho, espiritualmente, de estar devidamente formado para que seja capaz de perceber e corresponder à vontade de Deus.
A Santa Sé pretende que seja um ano fora daquela dimensão académica em que haja alguma formação mais do ponto de vista interior e, sobretudo, alerta para a questão da iniciação cristã porque se vai reparando que muitos jovens chegam ao Seminário com uma iniciação cristã deficiente.
A partir destas três dimensões faz-se um trabalho que os ajuda a perceber o que é que Deus quer para cada um e se estão disponíveis para avançar neste querer de Deus para cada um. O ano propedêutico é, sobretudo, isso.

A que é que se deve essa chegada ao Seminário com uma formação deficiente?

É uma pergunta complicada de responder porque acho que se deve a vários fatores. Primeiro, porque já concluímos há bastantes anos que – embora se continue a dizer que Portugal é um país católico –, o clima que vivemos já não é, nem cultural nem socialmente, marcadamente cristão.

O que acontece com muitos adolescentes e jovens é que ao fim de um percurso têm umas quantas noções intelectuais, doutrinais, de ideais de fé, mas nunca chegaram a encontrar-se com a pessoa de Cristo

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa diz que Portugal já não é um país cristão…

Concordo perfeitamente. Acho que é um país perfeitamente plural no que diz respeito às culturas, às dimensões da fé e das crenças e a outros aspetos. Estamos num tempo que é marcado pela globalização em que facilmente se exporta e importa aquilo que são outras realidades culturais, religiosas, ideológicas. Já não respiramos o Cristianismo e a fé cristã como antes. Isto naturalmente influencia a vida familiar. A dimensão religiosa e de vida de fé que havia nas famílias, que há umas décadas atrás era marcada pela oração em família, pela partilha da fé e pelo acompanhamento da família em relação à criança, ao adolescente e ao jovem que vai à catequese, também já não acontece.
Tem-se reconhecido na Igreja a necessidade e a urgência de fazer a transformação da catequese, de modo a que deixe a dimensão escolar, doutrinal, de conhecimentos da fé, e a que introduza a criança, o adolescente e o jovem na dimensão vivencial da descoberta de uma pessoa, do encontro com Cristo. O que acontece com muitos adolescentes e jovens é que ao fim de um percurso têm umas quantas noções intelectuais, doutrinais, de ideais de fé, mas nunca chegaram a encontrar-se com a pessoa de Cristo. E aquilo que é o motivo da nossa fé é o encontro com uma pessoa que é Jesus Cristo.
Estes três fatores que referi, e se calhar outros que têm a ver com a história pessoal, com o contexto familiar, com o contexto escolar e outros que só se compreendem singularmente na história de cada jovem, vão ajudando negativamente a que o percurso da fé seja deficiente. Isso nota-se até nas coisas mais elementares como a capacidade de manusear a Bíblia. Um jovem chega ao Crisma e não sabe fazê-lo porque nunca foi estimulado a isso e nunca se fez da palavra de Deus um lugar de encontro com Ele.

Mas os 10 anos de caminhada catequética preveem que ao final desse período os jovens tenham adquirido esses conhecimentos básicos…

A lógica da catequese é fazer germinar a semente da fé que já lá foi depositada ou, no caso dos que são batizados em tempo de catequese, que está a ser depositada. Essa é a previsão, mas tal como nas previsões meteorológicas por vezes a chuva não cai onde deveria cair e como deveria cair.

Tem vindo a crescer o interesse de muitos catequistas e muitos párocos pelo Seminário para que os jovens conheçam também o Seminário e possam ouvir que a vocação sacerdotal é uma realidade que pode acontecer na vida de algum deles

Se não houvesse o desejo das paróquias em vir ao Seminário e do Seminário em ir às paróquias, se calhar, muitos destes adolescentes e jovens que temos no Pré-Seminário não os teríamos porque não teriam ouvido falar de Seminário e de vocações

Foto de arquivo – Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O apoio das comunidades é fundamental no trabalho desta natureza que começa desde logo no recrutamento das vocações sacerdotais. Como tem corrido essa colaboração para lá do lausperene? Como tem o Seminário ido ao encontro das comunidades paroquiais e as comunidades paroquiais vindo ao encontro do Seminário?

Esse é um trabalho que tem sido muito positivo e que, certamente, já aconteceria antes, mas falo daquilo que tem sido os meus três anos de responsável pelo Seminário e pela equipa formadora. Positivo, quer na forma como nos têm acolhido quando nos propomos ir ao encontro dos grupos de catequese, dos grupos de jovens ou a participar nas eucaristias para termos um momento de diálogo com a comunidade, quer na outra vertente que é a das solicitações que temos recebido para nos visitarem e estarem connosco. Mesmo agora, em tempo de pandemia, isso continua a haver. Este sábado vou receber um grupo de 12 catequizandos do 7º ano aqui de uma das paróquias de Faro. Nota-se que tem vindo a crescer o interesse de muitos catequistas e muitos párocos pelo Seminário para que os jovens conheçam também o Seminário e possam ouvir que a vocação sacerdotal é uma realidade que pode acontecer na vida de algum deles. Posso dizer que nestes três anos essa ligação, esse entrosamento de trabalho vocacional entre o Seminário e as paróquias, quer na ida do Seminário às paróquias, quer das paróquias ao Seminário, tem sido crescente e acho que tem sido também muito positivo. E diria, com todo o risco porque acho que estas coisas não se podem medir a curto prazo mas a médio/longo prazo, que tem sido frutuoso porque acredito que aqueles que temos vindo a ter no pré-Seminário não são fruto de um trabalho de uma equipa, mas da ação de Deus através destes vários meios. Se não houvesse o trabalho, a promoção, o desejo das paróquias em vir ao Seminário e do Seminário em ir às paróquias, se calhar, muitos destes adolescentes e jovens que temos no Pré-Seminário não os teríamos porque não teriam ouvido falar de Seminário e de vocações. Quase consigo dizer que ao longo destes três anos percorremos praticamente todas as paróquias da diocese e muitas delas puderam vir até ao Seminário, fazendo esse esforço por estar presentes.

Este comprometimento da família na caminhada do jovem – que não é para que ele seja necessariamente padre, mas para que descubra qual é a sua vocação – é fundamental para o estimular a continuar o caminho

Do mesmo modo calculo que a relação com as famílias também seja muito importante. Como tem sido aprofundada?

A relação com as famílias é importante porque nenhum jovem, nem nenhum adolescente cresce saudavelmente sem que todos os ambientes da sua vida – família, escola, comunidade cristã e, neste caso, Seminário – estejam interligados e harmonizados. Notamos sobretudo que o estímulo e o acompanhamento das famílias é uma parte fundamental, por exemplo, no Pré-Seminário. O Seminário vai mantendo o contacto e as próprias famílias vão-se interessando. Este comprometimento da família na caminhada do jovem – que não é para que ele seja necessariamente padre, mas para que descubra qual é a sua vocação – é fundamental para o estimular a continuar o caminho. Em muitos momentos sabemos que se não fosse a família, o adolescente ou jovem não viria. Se calhar ficaria pelo caminho, desanimar-se-ia e este trabalho conjunto entre famílias e Seminário é um dos pontos fundamentais, mesmo já na fase do Seminário. Acaba por ser um trabalho que procuramos fazer, quer com as famílias dos pré-seminaristas, quer com as famílias dos seminaristas e sem o qual não é possível que alguém cresça vocacionalmente de modo saudável. A família é parte fundamental da vida do Seminário. A família tem de fazer parte de uma espécie de equipa formadora alargada porque senão parece que há um crescimento estanque com uma parte do jovem que respeita à vida familiar, outra à vida religiosa, outra à vida escolar, quando todas estas dimensões têm de estar entrosadas e a fé deve ser o ponto que as une. Só assim pode haver um crescimento saudável de alguém que, de modo equilibrado e saudável, poderá vir a servir o povo de Deus.

Portanto, na maior parte dos casos as famílias estimulam este discernimento vocacional?

Na maioria dos casos, sobretudo com os adolescentes, isso acontece. Aliás, nem nós contamos com pré-seminaristas sem o consentimento das famílias. Há uma relação estabelecida, a apresentação daquilo que é a caminhada e uma concordância da família. E isso é muito positivo porque daqueles que temos, quer em Seminário, quer em Pré-Seminário, a verdade é que não temos casos de termos que «lutar contra a vontade da família». As famílias que temos são famílias entusiasmadas com a vocação dos filhos.

Mas pode-se dizer que isso é hoje uma realidade mais presente do que há uns anos? Houve uma evolução nesse sentido ou sempre foi assim?

Não consigo ter uma opinião clara sobre isso porque há uns anos íamos tendo alguns casos em que havia famílias que se opunham à entrada [dos filhos] no Seminário. No meu tempo de seminarista, há 20, 23 anos, tinha um ou dois colegas cujos pais não aceitavam. E acho que isso vai sempre havendo.

Mas essa é uma reação inicial e depois, ao longo do tempo, vão aprendendo a aceitar?

Vão aceitando. Há um momento em que querem que o filho seja algo para ser feliz e a dada altura aceitam que aquilo que o filho quer…

Querem que o filho seja algo para ser feliz, mas que não passa pelo Seminário?

Os pais muitas vezes projetam nos filhos uma profissão, um sonho e a dada altura fazem um percurso de maturidade que passa pela seguinte reflexão: importa que ele seja feliz e se o caminho passa por ali, eu aceito. Isto sucede na vida dos adolescentes e jovens lá fora e o mesmo sucede no Seminário quando, nalguns casos, as famílias inicialmente não aceitam.

Como noutras realidades da vida comunitária cristã em que a presença também diminuiu, o Seminário não é exceção

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O serviço da formação dos futuros sacerdotes é delicado, mas que continua sempre a ser necessário e também neste tempo. Como é que a equipa tem adaptado o trabalho a estes tempos de diminuição do número de vocações?

É importante perceber que, como noutras realidades da vida comunitária cristã em que a presença também diminuiu, o Seminário não é exceção. O Seminário é um lugar de discernimento vocacional. Não se trata de um lugar preenchido com números, do qual resultam estatísticas ou tabelas. Acho que é preferível termos poucos mas que estejam disponíveis para um trabalho sério, com a mínima maturidade, do que termos muitos mas que acabam por não permitir um trabalho assim. O trabalho do Seminário nunca pode ser contabilizado em função de um número.
Quando chegámos ao Seminário, ele só tinha um seminarista. Portanto, quando aceitámos esta missão, aceitámo-la já com esta perceção clara de que não vínhamos para um tempo de muitos seminaristas, que também antes já não existia. Vimos para um tempo de aceitar aqueles que for possível chamar e para um trabalho em que aceitaremos aqueles que Deus nos der, sejam poucos ou muitos. Isto é exigente porque é muito mais fácil programar a vida comunitária com uma dúzia do que propriamente com três ou quatro. A vida comunitária reduzida é muito mais difícil.

Nesse sentido, há uma diferença…

Neste sentido há uma diferença que, naturalmente, empobrece a questão das relações, da diversidade, do convívio…

E teve de haver uma adaptação.

Tem de haver, necessariamente. Em todos os anos, desde que estou nesta missão e neste serviço, há permanentemente adaptações. Não houve um ano propedêutico que fosse fotocópia do anterior. Estamos sempre a adaptar-nos. E o trabalho do Seminário tem de ser isto. Não podemos pensar que fazemos um plano educativo ou educacional que servirá para todos anos. Daí a exigência deste trabalho. Quando chegamos a junho e começamos a ter noção de quanto vamos ter e quem vamos ter, temos de fazer um programa em função deles. Porque uma coisa é ter só propedeutas, todos dos 19 aos 21 anos, outra coisa é ter propedeutas em que um tem 19, outro 25 e outro 28 e outra ainda é ter propedeutas também com seminaristas menores. O trabalho no Seminário tem de olhar para a singularidade das pessoas que temos naquele ano. Todos os anos são anos de adequar, de rever e de renovar o modo de propor o discernimento vocacional conforme aqueles que Deus nos dá.

Trabalhamos sempre em função daqueles que temos, das idades, das maturidades, das suas necessidades, tentando introduzir algo novo ou adequando de maneira a que possamos ajudá-los a fazer caminho, conforme aquilo que é o seu percurso, a sua história e a sua maturidade

Nesse sentido, há sempre renovação em cada ano na forma de fazer o acompanhamento da pastoral vocacional e do Pré-Seminário?

Sim. Nestes três anos nunca houve nenhum igual a outro, quer no modo como estabelecemos o programa da vida do Seminário, quer até no modo como nos relacionámos, as temáticas e o tipo de atividades com o Pré-Seminário. Trabalhamos sempre em função daqueles que temos, das idades, das maturidades, das suas necessidades, tentando introduzir algo novo ou adequando de maneira a que possamos ajudá-los a fazer caminho, conforme aquilo que é o seu percurso, a sua história e a sua maturidade. O mais importante é não termos uma espécie de cartilha à qual quem vem se tem de adaptar. Temos de fazer o contrário. Temos de perceber que tipo de adolescentes, de jovens, de homens temos diante de nós e adequar-nos àquilo que são as suas necessidades e propormos, sempre de modo novo, aquilo que pode privilegiar e promover a sua capacidade de discernimento à luz da fé.

Mesmo que um dia cheguemos à conclusão de que a sua vocação não é serem padres, que tenhamos contribuído para serem bons cristãos e, nesse sentido, bons homens no meio da sociedade

Presumo que esse trabalho não seja nada fácil até porque as realidades mudam com muita velocidade.

Não é um trabalho fácil porque todos os anos temos de o rever e até acontece durante o decurso do ano porque muitas vezes programamos o ano propedêutico ou de Seminário Menor com uma determinada lógica durante o verão – sobretudo no mês de Setembro, quando já temos ideia de quem virá, das suas maturidades de fé e humanas e intelectuais e dos seus percursos –, e depois, à medida que vamos tendo conhecimento de como é que eles realmente são, temos muitas vezes que adaptar as coisas para que possamos corresponder e, sobretudo, ajudá-los porque a questão é que isto seja um benefício para eles. Mesmo que um dia cheguemos à conclusão de que a sua vocação não é serem padres, que tenhamos contribuído para serem bons cristãos e, nesse sentido, bons homens no meio da sociedade.

O padre António de Freitas, reitor do Seminário de Faro – Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Hoje em dia os jovens estão muito presentes e durante muito tempo em ambientes digitais. É necessário que o Seminário chegue a esses ambientes?

O Seminário já chegou a esses ambientes, mas é necessário que continue a fazer lá caminho. Chegou a esses ambientes por aquilo que a pandemia nos obrigou. Já antes o fazíamos e tínhamos a nossa presença no Facebook e no site que agora está a ser renovado, uma presença constante em que íamos fomentando várias coisas, quer algumas atividades que íamos fazendo, sobretudo no exterior, quer alguns textos e orações que fossem fazendo esta ligação do Seminário com os jovens e com outras pessoas da nossa Igreja Diocesana. Mas a pandemia obrigou-nos a acelerar e a Semana das Vocações de maio passado foi sinal disso. Tivemos de fazer um trabalho diferente. Não podíamos estar presencialmente com os jovens, com os adolescentes, no Pré-Seminário, nos encontros de catequese, então aquela foi uma semana em que decidimos investir tudo através das plataformas digitais e das redes sociais. E continuamos a sentir necessidade de fazer esse caminho, por isso agora estamos a rever o nosso site e a dar-lhe uma configuração nova que seja mais interpelativa, mas também no uso mais permanente do Facebook e até na possibilidade, prevista para este ano, de fazermos encontros e contactos pessoais ou em grupo através das redes sociais com os jovens e adolescentes do Pré-Seminário.
Mas isso é uma daquelas realidades que não podemos excluir do nosso trabalho de acompanhamento e de promoção da questão vocacional porque sabemos que esse é parte do nosso mundo habitado maioritariamente pelos jovens e adolescentes. Então onde está alguma realidade humana, a Igreja tem de estar aí e o Seminário não pode ficar de fora.

Olho para a vocação a que Deus me chamou e as de alguns colegas que tive em tempo de Seminário que hoje também são padres que dão precisamente testemunho da importância das JMJ. (…) Pode ser uma grande força neste despertar de muitos jovens para a entrega total a Deus através desta possibilidade que é o ministério sacerdotal

O processo de caminho até à Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de 2023 e a própria realização do evento em Lisboa poderá ajudar a um despertar vocacional?

Não tenho a menor dúvida. Até porque olho para a vocação a que Deus me chamou e as de alguns colegas que tive em tempo de Seminário que hoje também são padres que dão precisamente testemunho da importância das JMJ no despertar ou reanimar do dom que Deus estava a querer despertar em nós, mesmo nalgum momento da caminhada em que ponderávamos outra coisa para a vida. Acho que as JMJ são uma espécie de grande encontro que para alguns jovens é continuidade de um caminho de fé, mas para outros é um despertar da fé, quase uma espécie de primeiro anúncio onde por vezes a dimensão vocacional, o desejo de entrega, de serviço, de doação, de partir para algo diferente, cresce e anima-se. Acho que sendo bem aproveitada, do ponto de vista paroquial, dos grupos de jovens, das catequeses e do evento em si mesmo, pode ser uma grande força neste despertar de muitos jovens para a entrega total a Deus através desta possibilidade que é o ministério sacerdotal.

E de que forma é que o Seminário também espera aproveitar o evento?

O Seminário não tem calendário próprio em relação à JMJ, até porque a comunidade anualmente muda. Mas o que pensamos é fazer uma caminhada com a vida das catequeses, dos grupos de jovens da nossa diocese. E nesse âmbito, tal como eles se vão preparando para a Jornada e vão alimentando o desejo da Jornada e de tudo aquilo que ela traz, aproveitarmos o entusiasmo do momento para nos tornarmos mais presentes e, quem sabe, apelar mediante o tema e tudo aquilo que se vive numa JMJ para os fazer questionar «porque não eu?», numa entrega de serviço à Igreja e à humanidade, através do ministério sacerdotal. Acho que se trata, não propriamente de fazer um programa paralelo a muitos que já existem quer para os jovens, quer para os adolescentes da catequese, mas aproveitar, sobretudo, o entusiasmo e fazer caminho com eles.

Mas é previsível que os seminaristas possam participar na JMJ?

Não só é previsível como será uma questão que não se coloca porque acho que seria absurdo para qualquer um que esteja no caminho vocacional não participar na oportunidade que é uma JMJ no próprio país com a presença do Santo Padre, sabendo que este é um momento fundamental na vida da Igreja e que ao longo da sua existência de mais de três décadas fez tanto bem à Igreja e à juventude com o surgimento de tantas vocações sacerdotais e religiosas onde muitos jovens aprenderam a entregar-se, também através do matrimónio e dos vários ministérios nas vidas comunitárias paroquiais e diocesanas. Não só lhe fará bem porque é jovem e por estar em comunhão com a Igreja que vai viver este momento de um modo muito intenso, mas também por estar num ambiente que o ajuda a percecionar o que é são os jovens de hoje e o que é que os jovens cristãos de hoje querem e esperam de um padre e de um pastor. Permite viver a fé com os jovens para perceber como é que podemos levar Cristo aos jovens.

A Diocese do Algarve iniciou em 2012 uma parceria com as dioceses dos países africanos de língua oficial portuguesa para a formação dos seus seminaristas. Que balanço se pode fazer dessa colaboração?

Posso falar dos últimos três anos e referir algumas coisas dos outros porque estive sempre ligado, uma vez que era um dos formadores do ano propedêutico entre 2010 e 2015. Acho que é um balanço positivo. Em primeiro lugar porque a nossa Igreja Diocesana, através do Seminário, presta este serviço àquelas Igrejas, nossas irmãs, que têm mais dificuldade na formação dos seus futuros pastores. Acho que é muito bom para nós porque nos ajuda a ter a percepção da Igreja de um modo mais global, universal, não só com as dioceses do sul, mas com outras de outros países, sobretudo de origem africana. E depois acho que também é salutar até para a própria comunidade e para os próprios seminaristas porque ajuda a crescer nesta dimensão da universalidade, da catolicidade da Igreja. E esta partilha de culturas, de modos diferentes de ser Igreja, acaba por enriquecer. Até para nós, diocese algarvia, acho que acaba por ser um bom contributo na formação dos nossos seminaristas porque sabemos que em algumas localidades da nossa diocese temos algumas comunidades de origem africana com uma presença muito forte. O facto de se conviver com colegas seminaristas vindos desses países ajuda-nos a ter mais tarde sensibilidade para essas comunidades, para esse grupo de pessoas e de cristãos, caso os sejamos chamados a servir. Isso ajuda-nos porque já vamos com algum conhecimento da realidade cultural, religiosa e humana dessas pessoas. É positivo porque todos ficamos a ganhar e também para estarmos despertos e fazer-nos crescer numa coisa muito importante que é a pluralidade, que não só é uma realidade humana fora da Igreja, mas também acontece dentro dela.

A Comissão Episcopal Vocações e Ministérios está a elaborar um novo Plano Nacional de Formação (ratio) auscultando os seminários diocesanos para a partilha de experiências que possam ser colocadas ao serviço de todos. O Seminário do Algarve tem participado neste processo?

Não. Porque o Plano Nacional é sobretudo direcionado para a formação nas etapas do discipulado e da configuração que são as novas designações que compreendem tudo aquilo a que se chama Seminário Maior. E, nesse sentido, têm sido chamados a contribuir e trabalhar neste projeto os reitores ou formadores de seminários maiores. No nosso caso, não participamos porque não temos essa realidade. No entanto, acompanhamos na medida em que nos encontros de formadores ou nas reuniões de reitores a nível nacional se vai dando um pouco conta do que se vai fazendo.

A dimensão espiritual, não como um anexo da vida do cristão e da vida do presbítero, tem que ser muito mais trabalhada

Mas que mudança precisa a formação de seminaristas? Ou está bem como está?

Acho que é sempre preciso mudar alguma coisa. E por isso mesmo é que no nosso caso, quando assumimos esta missão, decidimos fazer aqui uma adequação daquilo que era o Seminário Propedêutico, e também agora do Seminário Menor, dado que este ano temos um seminarista menor. Acho que, sobretudo, temos que olhar à nossa realidade juvenil e mesmo à realidade de alguns homens já adultos que se questionam sobre as vocações. Quando se diz que é preciso mudar alguma coisa, renovar, tem de se ter sempre o cuidado de perceber que a renovação e a mudança na Igreja dá-se em continuidade e não em rotura com algo que vinha de antes. Não se trata de dizer que vamos mudar porque antes estava tudo mal. Antes, a circunstância em que trabalhávamos era diferente. E esta é uma questão fundamental porque senão parece que quando entra uma equipa nova é que começa tudo como se antes não houvesse nada.
Neste sentido, olhando sobretudo aqui ao nosso caso da Província Eclesiástica do Sul e à formação que é dada e que acho que, de um modo geral, é boa e completa, acho que há alguns aspetos que é preciso melhorar e outros em que é preciso apostar ainda mais. E a dimensão espiritual é um deles. O tempo do Seminário Maior é um tempo marcadamente académico, não porque tenha de ser forçosamente assim, mas porque a carga de formação, de horário e de estudos muitas vezes a isso obriga. E a dimensão espiritual, não como um anexo da vida do cristão e da vida do presbítero, tem que ser muito mais trabalhada.

O padre, muitas vezes, é «empreiteiro» porque tem obras, é «restaurador» porque tem restauros, é «administrador» porque tem contas para pagar e faz tantas coisas porque em muitos casos não tem outro remédio, mas noutros poderia delegar nos leigos

Se a formação não trabalhar a dimensão comunitária do serviço não haverá capacidade (…) de avançar num novo modelo de evangelização e organização paroquial, não haverá capacidade de trabalhar com leigos, com diáconos e suas famílias e com outros presbíteros

Trabalhada em que sentido?

No sentido de ser aprofundada e de cada seminarista que vai fazendo o percurso de discernimento saber que a vida interior de amizade com Cristo, íntima com Jesus, é algo vital e que todo o seu agir como presbítero tem de partir daí porque senão corremos o risco de virem a ser, como alerta o Santo Padre alerta, «funcionários do sagrado». E o padre, muitas vezes, é «empreiteiro» porque tem obras, é «restaurador» porque tem restauros, é «administrador» porque tem contas para pagar e faz tantas coisas porque em muitos casos não tem outro remédio, mas noutros poderia delegar nos leigos. Às vezes perdemo-nos no meio disto tudo e aquilo que pode dar alguma unidade, equilíbrio e sensatez é a vida interior. [Importa] perceber o essencial a que fui chamado por Deus neste ministério. Porque senão vamos preenchendo a nossa vida com coisas, quando só uma interessa e que é esta unidade profunda, íntima, com Cristo que depois nos faz amar de modo íntimo e profundo o povo de Deus a quem somos chamados a servir.
Desde 2016 podemos dizer que estamos diante de um tempo de mudança e este novo documento que irá surgir na Igreja portuguesa é precisamente isso, uma proposta de mudança. Acho que esta mudança de nome – em vez de tempo filosófico e tempo teológico passar-se a chamar etapa do discipulado e etapa para configuração – significa a necessidade desta mudança. Não estamos nesta etapa formativa para sermos intelectuais de Deus, mas sermos discípulos de Jesus e, configurados com Ele, sermos servidores do seu povo. E isto só se consegue a partir da dimensão interior da vida que tem de ser mais trabalhada.
E uma melhor preparação pastoral. A dimensão espiritual e a dimensão pastoral estão profundamente unidas, mas a dimensão pastoral, quer no tempo próprio de formação teológica, quer depois no acompanhamento dos seminários e na fase de estágio, é importante. E, por isso, é que muitas vezes temos batalhado que os estágios pastorais sejam mais longos. O estágio pastoral não pode servir para aprender a fazer umas quantas coisas da vida administrativa. É para aprendermos, sobretudo, a ler os sinais dos tempos, percebemos que povo de Deus é que temos diante de nós, quais são as realidades das famílias, quais são as suas ansiedades. Não é só «montar uma máquina» como se a paróquia fosse uma empresa. Essa «máquina» só faz sentido em função das reais necessidades de um povo. Esta dimensão pastoral precisa de ser melhor preparada.
Acrescentaria um outro ponto. Dentro da dimensão humana há um pormenor que me tem preocupado muito que é o perigo do individualismo e da dificuldade em viver e trabalhar em comunidade. É uma questão a trabalhar cada vez mais num tempo em que tudo nos leva ao individualismo porque basta ter um telemóvel ou um tablet para termos a nossa vida «resolvida». Temos acesso a tanta coisa [que parece] que não precisamos de mais ninguém. E corre-se o risco de muitas vocações viverem esta dimensão do individualismo e depois quando chegam ao pastoreio das comunidades cada um «viver na sua quinta», isolado, achando que a comunidade tem de ser à sua imagem e semelhança, sem perceber que há um antes e que haverá um depois.
Esta é uma dimensão que se tem de trabalhar muito porque a nossa fé é de raiz comunitária porque o nosso Deus é um Deus comunitário e a vida de um presbítero não é para si mesmo, é para uma comunidade, inclusivamente, na possibilidade de trabalhar com colegas e de viver em comunidade, que é uma coisa que nem sempre é fácil de ser proposto e de ser aceite. Esta é uma das dimensões fundamentais porque se a formação não trabalhar a dimensão comunitária do serviço não haverá capacidade, naquilo que tantas vezes se tem falado na diocese, de avançar num novo modelo de evangelização e organização paroquial, não haverá capacidade de trabalhar com leigos, com diáconos e suas famílias e com outros presbíteros. Ora se não há capacidade de trabalho e de relação comunitária como é que poderemos almejar um novo tipo de evangelização e de vida pastoral? Quando tudo se continua a concentrar no individualismo sacerdotal não podemos desejar outro tipo de coisa senão aquela que se centra no pároco.

Faz-me confusão quando alguém diz «não sou capaz de trabalhar com outro» quando no Seminário, em tantos momentos – desde a vida interior com a Lectio Divina, desde a vida pastoral, desde a organização do Seminário em que tínhamos pequenas equipas de trabalho para vários aspetos da vida da instituição – fomos sempre «empurrados» para o trabalho em comunidade

Mas a nível formativo também tem havido uma preocupação nesse âmbito de sensibilização para as vantagens dessa opção, tendo em conta a realidade que estamos a viver de diminuição do número de sacerdotes?

Acho que tem havido um esforço e pelo que sei também a nível de Seminário Maior há ainda mais vontade de trabalhar esta dimensão. Mas vivemos numa espécie de tempo contracorrente em que tudo é muito individual, concorrencial, muito fixado no eu, na minha opção, personalizando todas as coisas. Mas acho necessário continuar esse trabalho porque senão não vamos poder desejar outro tipo de pastoral, outro tipo de trabalho paroquial, intercomunitário, se cada presbítero não for capaz de trabalhar e de ser com outros, sem que tudo dependa de si. E isto começa logo nesta fase da formação inicial da vida.
Alguns têm opinião de que o Seminário individualiza muito a vida. Eu, pela experiência que tenho de Seminário, quer como seminarista, quer como formador, acho o contrário, mas sei que há mecanismos em que se consegue «suportar» a vida comunitária durante uns anos porque se sabe que depois se terá a sua vida pessoal e a «sua» paróquia. Este tipo de pensamento é absolutamente errado porque ninguém é para si e ninguém pode pensar que será um bom pastor se for só para si e para as suas coisas. Temos de ser uns com os outros e uns para os outros e isto implica trabalhar-se com sinceridade no tempo de Seminário. Faz-me confusão quando alguém diz «não sou capaz de trabalhar com outro» quando no Seminário, em tantos momentos – desde a vida interior com a Lectio Divina, desde a vida pastoral, desde a organização do Seminário em que tínhamos pequenas equipas de trabalho para vários aspetos da vida da instituição – fomos sempre «empurrados» para o trabalho em comunidade, em equipa, em grupo. Acho que tem muito que ver com o querer pessoal. O Seminário esforça-se por promover o trabalho comunitário, mas muitas vezes depende da sinceridade e da consciência com que cada um se coloca ao serviço de Deus e da Igreja através do ministério.