Na abertura da assembleia plenária da Conferência Episcopal, que decorreu em Fátima de 8 a 11 de Novembro, o Presidente da CEP não pôde ignorar os actuais “tempos de crise” e as “duras medidas de austeridade”, e recordou que não é possível “exigir sacrifícios às pessoas” sem “o testemunho nem os exemplos das lideranças”. Nesse quadro, criticou a “ânsia obsessiva do lucro que desumaniza a vida” e as “querelas pessoais e os jogos político-partidários pouco transparentes, que aprisionam os líderes aos interesses instalados”. Em resultado de tudo isto, o arcebispo primaz lamentou que “as novas gerações não tenham expectativas em relação ao futuro, quer pela falta de trabalho, quer por falta de horizontes para a vida”, e que “cada vez mais, os centros sociais e lares se encham de pessoas que já não têm lugar à mesa das suas famílias, tanto por razões de ordem laboral e económica, como pela banalização dos laços familiares”.

Em reacção a estas declarações, proferidas na Segunda-feira, 8 de Novembro, a Direcção da revista Sábado, em editorial da sua edição de 11 de Novembro, escreve que «a Igreja Católica está cheia de vontade de entrar na política», acrescentando, qual conselheiro Acácio, em tom de aviso e prevenção que «convém que os bispos percebam que a política é feita de escolhas, que essas escolhas têm de ser claras e que essa clareza divide». Ora, o editorialista parece ignorar que a Igreja Católica, nesta matéria há muito que fez as suas escolhas e que essas escolhas são muito claras e nessa clareza a Igreja não tem qualquer receio de dividir as águas. A Igreja Católica fez, desde sempre, mas de modo categórico em matéria de doutrina social, desde 1891, ano da primeira Encíclica Social Rerum Novarum, uma clara OPÇÃO PREFERÊNCIAL PELOS POBRES!

Não contente, o douto editorialista, vai ainda mais longe e pergunta se “a Igreja quer explicar ao País qual a real importância que atribui à necessidade de controlo do défice? Quer dizer quais os impostos que devem subir e quais os impostos que devem baixar? Quer esclarecer se prefere que sejam feitos cortes na saúde ou na educação? E conclui a Direcção da Sábado: “mas responder a essas perguntas seria arranjar muitos inimigos”, pensando ela que a Igreja se limitaria a criticar e não apresentaria propostas concretas, por medo dividir e arranjar inimigos!

Ora, nem de propósito, nesse mesmíssimo dia 11 de Novembro, na conferência de imprensa de apresentação das conclusões da assembleia da CEP, os bispos portugueses apresentam as suas propostas, sem medo de dividir ou de arranjar inimigos, dizendo com toda a frontalidade: “O bem comum da nação assume prioridade nos critérios da construção do nosso futuro. Lucros indevidos, meros proveitos eleitorais e resultados oportunistas não servem a recuperação nacional. As medidas de austeridade, para merecerem acolhimento benévolo dos cidadãos, têm de ser acompanhadas de forte intervenção na correcção de desequilíbrios inaceitáveis e de provocantes atentados à justiça social. É hora para pôr cobro à atribuição de remunerações, pensões e recompensas exorbitantes, ao lado de pessoas a viver sem condições mínimas de dignidade.

Será que os Senhores da Direcção da Sábado e afins, ficaram a perceber que as medidas de austeridade para controlo do défice são aceitáveis para a Igreja se paralelamente também se controlarem lucros indevidos, resultados oportunistas e rendimentos exorbitantes? Será que ficaram a conhecer quais os salários que devem subir e quais as remunerações exorbitantes que devem baixar? Será que ficaram a saber quem deve suportar mais a carga fiscal e quem deve pagar menos impostos? Será que estes ilustres porta vozes do neo liberalismo ficaram a saber, de uma vez por todas, que para a Igreja existem «lucros indevidos» e «remunerações exorbitantes» que deverão ser reduzidas em lugar de se reduzir directa e indirectamente pela via fiscal os magros salários e pensões da maioria? Será que estes Senhores ficaram a saber que em lugar de se cortar na saúde ou na Educação, como eles perguntam, se deverá antes cortar nas mordomias de todos aqueles que se instalaram à mesa do Orçamento de Estado, seja na Administração central, regional e local, seja no sector empresarial publico ou participado pelo Estado?

É claro que para aqueles que idolatram o mercado como um absoluto intocável, isto de atacar os lucros indevidos e as remunerações exorbitantes será uma heresia, mas para nós cristãos, heresia é atacar os pobres e os mais desfavorecidos. Heresia é promover o amiguismo e favorecer o clientelismo, como os vários e sucessivos governos têm feito. Estamos conversados, ou serão precisos mais esclarecimentos?