Uma ponte é, para todos nós, uma obra do engenho humano, que nos permite atravessar algo: um rio, um braço de água, um vale profundo. Faz-nos passar de um lado para o outro, colocando-nos, em segundos, perante uma realidade nova e diferente, uma outra margem.

Passar é, neste contexto e metaforicamente, um ato de comunicação, um estabelecer de uma relação entre quem está de um lado e quem está do outro, pondo em contacto visões, culturas, religiões, economias, experiências, conhecimento. Passar é, essencialmente, repito, comunicar. E quem nos recorda isto, nas suas muitas comunicações e viagens, vincando bem esta ideia, em palavras fortes e insistentes sobre a necessidade de criarmos pontes, de estabelecermos essas travessias em direção ao outro, é o Papa Francisco.

Dizia ele em 20141: «Onde há um muro, há fechamento de coração! Precisamos de pontes, não de muros!». Em 20152, afirmava: «Jesus é o grande ‘construtor de pontes’, que constrói em si mesmo a grande ponte da comunhão plena com o Pai». Num vídeo de 20183, Francisco exortava: «Nunca me cansarei de repetir: ‘Não construam muros, mas pontes!’ Unam as extremidades dos oceanos, que os separam, com entusiasmo, determinação e amor». Dirigindo-se a teólogos, em 20184, declarava: «Sem renunciar à prudência, somos chamados a reconhecer todos os sinais e mobilizar toda a nossa energia para remover muros de divisão e construir pontes de fraternidade em todas as partes do mundo». Ao regressar da viagem apostólica a Marrocos5, comentava com os jornalistas: «Ivo Andrich, [autor de] “A Ponte sobre o Drina (…) diz que a ponte é feita por Deus com as asas dos anjos para que os homens se comuniquem… (…) A ponte é para comunicação humana. (…) Quem constrói muros permanece prisioneiro deles. Os construtores de pontes vão avante». Também aos jornalistas, regressando do Iraque6, salientou: «Temos que derrubar muros e construir pontes».

Essa travessia nem sempre é fácil, mas para que seja útil e proveitosa, deve ser voluntária, pois sem sinceridade não nos leva à conversão. De que nos serve dizer, sem fazer? Falar de solidariedade, sem a praticar? Pregar a honestidade e a justiça, sem a exercer? Alardear que se deve acolher, proteger, rejeitando, ao invés, sempre que a isso somos chamados? Proclamar o entendimento, se promovemos a discórdia? Exaltar o perdão, se não somos capazes de pedir desculpa?

Estes abismos, que todos temos dentro de nós, são margens sem ligação. Impedem-nos de realizar o caminho que o próprio Deus fez e de que o Natal é o símbolo maior. Jesus, Seu Filho, nasceu de uma mulher e fez-se homem. Viveu entre nós, para poder, de viva-voz e em presença, falar da lei e dos profetas, do amor de Deus e da Sua vontade. Ele foi a Palavra feita carne e a ponte viva entre céu e terra, pois, como diz Francisco7, superou «o abismo da infinita diferença entre ele e nós e» veio «ao nosso encontro». Fê-lo para que estivéssemos em completa comunicação, ou seja, em comunhão plena, participando, com Ele da totalidade do universo, da criação, da vida do próximo, numa relação de absoluta entrega.

Por isso, importa olhar para o mundo e nele sermos atores empenhados e criativos, que se envolvem na realidade à nossa volta:

• Ajudando e aceitando que os mais pobres devem ter lugar ao nosso lado, como é o caso dos refugiados. Não podemos demitir-nos da obrigação de sermos colaboradores na resolução deste tão grave problema, quanto mais não seja ultrapassando e ajudando a ultrapassar os preconceitos, para evitar o «naufragar a civilização», de que também nos fala o Papa8. E, ao invés de sermos construtores de pontes, integrarmos o grupo dos que adotam a «moda de fazer muros ou arame farpado», nem que seja à volta do coração;

• Sendo verdadeiramente solidários e não críticos e desconfiados de tudo, nem que seja do jovem ou da senhora que, à porta do supermercado, nos pede ajuda para o Banco Alimentar. Partilhar o que se tem é próprio do cristão! E partilhar é construir pontes com os que passam dificuldades e fome;

• Agindo responsavelmente, sobretudo num período de tão grave crise pandémica. Temos de proteger os outros, protegendo-nos também a nós e seguir todas as recomendações que nos são feitas, de modo a vencer um problema tão crítico;

• Purificando-nos das más palavras, dos maus pensamentos e, ao contrário, investindo no uso do sorriso e da esperança, como sinais claros de que pretendemos ser irmãos, fraternamente irmãos, que se olham e entendem e cooperam. Porque as más palavras são pedras de altos muros que nos impedem de ver o outro.

É isto o Natal: o momento em que Deus nos dá o exemplo maior, fazendo do Menino Jesus ponte entre o céu e a terra. Esse tempo de sermos construtores de pontes é agora, pois a metáfora só serve para definir a atitude civilizacional que deve ser preponderante nos cristãos: a abertura ao outro. Ou como diria Jesus, amar o próximo. Ou como podemos dizer nós, comunicar.

É agora, neste e em todos os Natais, para que sejamos sempre cúmplices «do milagre, que acontece / todos os anos e em todas as nações», como dizia Miguel Torga9. É agora a hora de endireitar veredas, altear os vales, abater os montes e as colinas, para que todas as criaturas vejam a salvação de Deus (Lc 3,1-6). Para que todos possamos fazer a travessia e estar na mesma margem!

Desejo a todos que esta quadra seja para nós um desafio e que as prendas que dermos sejam fruto deste esforço de nos tornarmos verdadeiros construtores de pontes! Um Santo e feliz Natal, pleno da Graça do menino que é Salvação do Mundo.

1Angelus de 9 de dezembro 2014
2Angelus de 15 de setembro de 2015
3Vídeo de preparação para uma vigília de oração do sínodo dos jovens, divulgado a 12 de maio de 2018
4Conferência Internacional de Ética Teológica Católica na Igreja Mundial em Sarajevo, de 26 a 27 de julho de 2018
5Viagem Apostólica a Marrocos, 31 de março de 2019
6Viagem Apostólica ao Iraque, 8 de março de 2021
7Angelus de 15 de setembro de 2015
8Conferência de Imprensa em Lesbos, Grécia, Viagem Apostólica, 6 de dezembro de 2021
9Miguel Torga, Natal, Coimbra, 25 de Dezembro de 1983, https://viciodapoesia.com/2018/12/21/pelo-natal-com-poemas-de-miguel-torga/.