O LIVRO, em título genérico “Restauração dos Algarves ou os Heróis de Faro e Olhão”, escrito em 1809 e assinado por L. S. O. (Luís de Sequeira Oliva) e descoberto, recentemente, na Biblioteca Nacional, em que a APOS (Associação de Valorização do Património Cultural e Ambiental de Olhão) se responsabilizou para a edição 2010, 200 anos depois, com adaptação, anotação e introdução de Edgar Cavaco, sendo uma ficção teatral sobre os acontecimentos da primeira invasão francesa pelo Algarve, com o final do levantamento popular dos marítimos olhanenses, incitados por dois “agentes” (Sebastião Martins Mestre, capitão das Milícias de Tavira e um dos chefes da insurreição de 1808 e o coronel José Lopes de Sousa, de serviço em Vila Real de Santo António. É este o “caudilho” que incendeia o patriotismo dos marítimos de Olhão, que logo são abandonados pelos dois agitadores, quando o perigo assoma, deixando os marítimos de Olhão à deriva) graduados ao serviço secreto do exército inglês, levando os militares franceses em debandada. Estes dois homens são preparados e enviados para o fim, ali no lugar de Olhão, e em provocações, já que Faro e Tavira, cabeças do poder político, eclesiástico e de guerra, não estavam amadurecidos para o fim a que se propunham. Assim, Olhão, à beira de Faro, faria a estratégica necessária à rebelião: gente do mar, destemida, sem receios, gente de ambição relativa às circunstâncias das suas vidas, gente facilmente influenciável. Tudo se prepara para o fim a atingir. E o que estava consciente nessa gente que dava o dura para a vida difícil. Depois… franceses,!? Bom…Era gente a comer à rica em impostos de gente pobre.

Esta “Restauração dos Algarves ou os Heróis de Faro e Olhão”, um documento, apesar de todo o vitupério recalcado dos acontecimentos e do tempo da ocupação, tem leituras que nos levam por visões, outras, do quotidiano repetido e atropelado aos acontecimentos desse mês de Junho de 1808. Reparo no título “Heróis de Faro e Olhão”.

Vamos pela peça teatral em que o autor L.S. O., omitindo o seu nome por completo, e pela situação apressada em querer ser o primeiro a escrever a sua ficção dos recentes acontecimentos, ou, ainda por não ter tido o conhecimento das démarches das autoridades superiores, anunciadas pelo Patriarcado, em Lisboa, seguidas, tanto pela Igreja da Diocese do Algarve, como da ordem, última, do príncipe D. João, quando fugitivo para o Brasil. E é com Governo Provisório do Algarve, tendo à frente a autoridade do Bispo do Algarve, D. Francisco Gomes de Avelar, com documento eleito pela Junta, duzentos anos depois, num carácter de unidade entre os habitantes do Algarve, com Olhão, se classificava como freguesia marítima, cabeça da revolta.

A peça tem como cenário Faro. É na cidade capital, Eclesiástica, que passa a militar, que Luís de Sequeira Oliva monta o teatro dos acontecimentos. Porque, só ingenuamente, podemos separar todo a força e poder político instalado dos acontecimentos. Oliva bem o entendeu e o consentiu em verdade (que a sua tem mais crédito, escrito a um ano de distância, 1809, dos acontecimentos, que a ficção desconexa do entender à maneira maoísta, de alguns cavalheiros de comunicações oportunas.

Reparamos em vários capítulos do documento teatral (já Gil Vicente tratava a verdade pela ficção) o interesse das classes: militares, funcionários, etc, na importância do bem estar que a finança francesa distribuía a quem servia. Na página 83 está bem patente esse espírito do interesse: Obedeciam os oficiais, seguiam-se os soldados e quantos mais.

Soldados: Allons, marchons à la gloire, vive l’argent (Vamos, marchemos, viva o dinheiro)
Capitão: C.Vive l’Empereur (Viva o imperador)
Soldado: Vive l’argent, et l’Empereur (Viva o dinheiro e o imperador)
Capitão: Armes en repos, marche (Armas em repouso, marcha)

Luís de Sequeira Oliva tem no seu trabalho pontes, muitas, de acesso ao conhecimento das situações. Este é o trabalho pioneiro dos acontecimentos, e o mais credível, consideramos. Penso que Alberto Iria, um homem que foi, como se costuma dizer, em sentido depreciativo, um rato das bibliotecas, teria tido conhecimento do texto de Oliva para a elaboração da sua tese, A Invasão de Junot no Algarve, 1941?

Maurin, por vezes vacilante, outras determinado, tem o seguinte diálogo com um capitão português, submetido, às ordens do general francês, em Faro. Interroga-se perante o arrojo dos marítimos olhanenses: “Como? Numa povoação de pobres pescadores? Acostumados à miséria, escravos por natureza? Não posso acreditá-lo. (página 56). Ordenando o massacre aos naturais de Olhão, perante a recusa do capitão de Faro (Filipe Landerset?), que lhe dá a resposta: “Sou sincero, sou português, não irei pelas ruas (Faro) ou praças públicas pregar aos meus compatriotas a revolta, mas esperarei a opinião pública; e quando esta se declarar contra vós, serei o primeiro a unir-me à causa da minha pátria. Quem vos fala assim não é bom para semelhante expedição”.

Na página 62, Maurin ordena a capitulação dos habitantes de Olhão. O massacre total, ordenando a um oficial francês que obedeça: “É necessário, quanto antes, marchar com todas as tropas de Artilharia e Infantaria sobre Olhão, para exterminar os revoltosos”.

Como o capitão português vaticinou, a revolta em Faro foi uma questão de dias, 16 de Junho em Olhão, 19 de Junho em Faro. A cidade em peso popular, a que os militares lhes seguiram, foi o suficiente para o recuo ao massacre de Olhão.

As figuras populares dos pescadores de Olhão, que Oliva dá voz, retira a polémica, sobre a origem de ser olhanense. Nada tem a ver com o “olhão” de água, tão repetido e exigido. Assim, o marítimo de nome Charroco, é claro no que quer dizer Olhão: “Pois eu vo-lo explico: quer dizer coisa que olha muito. Ora, quem olha muito, não vê pouco, quem não vê pouco, não é tolo; nós somos da terra dos que olham muito; tirai-lhe agora a consequência, e aí tendes a resposta.” (1)

O livro agora republicado pela APOS, leva-nos aos tempos de muitas paixões, entre o querer ser patriota e a promessa da modernidade entre os antagonismos: absolutismo decadente e o liberalismo florescente.

Uma ocasião para o leitor se debruçar nos acontecimentos de dois séculos, numa escrita que nos parece ser fiel aos acontecimentos, sem hilariedade. Numa homenagem àqueles que, sabendo esperar pelos ventos da unidade, evitando um massacre desnecessário a um povo de vontades para o melhor. Mas… ingénuo no seu maior, por que heróico.

Teodomiro Neto


1) A terceira pessoa do plural do verbo olhar, no tempo presente, escrevia-se igualmente olhão
(grafia que se perdeu que se perdeu através da actualização ortográfica)
Edgar Cavaco, quem encontrou o texto nas gavetas do esquecimento pela Biblioteca nacional,
não deixa de nos chamar a atenção: Olhão esteve sempre e continua no Olhar!