Foto © Samuel Mendonça

Na jornada de formação sobre liturgia, promovida pela diocese algarvia no passado sábado, o padre Carlos de Aquino destacou que a igreja-edifício, espaço litúrgico, remete para a realidade do mistério que lá é celebrado.

“O espaço litúrgico é, na verdade, um lugar simbólico na medida em que nos remete também para outra realidade: a do inefável, do transcendente, na perspetiva cristã do mistério de Cristo”, explicou o sacerdote.

Foto © Samuel Mendonça

“Por isso, dizemos que o espaço deve ser mistagógico, isto é, deve interpelar, ser um lugar influente, de encontro, significante, que diga a verdade daquela comunidade e que diga Deus e comunique e manifeste a sua própria presença”, prosseguiu o orador, que abordou o tema “O espaço litúrgico como experiência mistagógica”.

Na iniciativa, que teve lugar no Centro Pastoral de Pêra participada por cerca de 150 pessoas vindas de todo Algarve, o formador explicou assim que se pode “traduzir mistagogia como ação de conduzir para dentro do mistério e para a sua verdade” e acrescentou que essa ação, para além do próprio “espaço litúrgico”, pode ser também a “celebração de fé” ou a “catequese”, salientando que o “contributo da catequese mistagógica” é “ajudar todo o povo a perceber”.

Neste sentido, assegurou que “quando o espaço é bem construído, a sua direção transcende-se”. “A pessoa entra na igreja, mas «não fica» na igreja ou no altar-mor. O altar-mor eleva para fora, para o transcendente, para o mistério”, concretizou. “A igreja-espaço é primeiramente o lugar da assembleia e, curiosamente, quando se constrói uma igreja aquilo que menos se valoriza é a assembleia”, lamentou, sublinhando que é “a assembleia é que qualifica o espaço”.

Foto © Samuel Mendonça

“Antes de haver espaço, o nosso corpo é verdadeira «casa» de Deus. Se qualificássemos mais o corpo, mais a «casa» que cada um é, também qualificaríamos mais o espaço que depois construímos como a casa do Senhor”, complementou o padre Carlos de Aquino, advertindo que a igreja-edifício “não é um museu”. “O espaço é sempre habitado por uma assembleia que é a Igreja reunida e, por isso, é um espaço vivente, tem vida”, afirmou, lamentando a utilização que, por vezes, se faz dele. “Muitas vezes, o modo como habitamos este espaço é trágico”, criticou.

Na sua conferência (áudio disponível abaixo), o orador deixou assim claro que “a Igreja de Jesus é o edifício espiritual, a assembleia e os membros da comunidade dos cristãos”. “Deus não habita em templos construídos pelas mãos humanas. Habita na sua comunidade, na casa de «pedras vivas»”, afirmou, observando que “no âmbito cristão, a igreja-edifício não é o lugar onde habita a divindade, mas o lugar onde a Igreja se reúne e se encontra com Cristo ressuscitado e a ele se une”.

O padre Carlos de Aquino desafiou, por isso, os cristãos a constituírem uma “assembleia celebrante, não passiva” que faça no espaço da igreja a “experiência de encontro com o mistério e com a presença de Deus”. “Somos uma assembleia passiva. As verdadeiras missas de corpo presente são as de cada domingo onde a gente está lá desalmada. Está com o esqueleto, mas o coração e a alma anda perdida no almoço que deixou em casa para fazer, nas preocupações e inquietações da família e do trabalho”, lamentou.

O sacerdote, que percorreu o itinerário histórico do aparecimento das igrejas, explicou assim que “quando se pretende construir uma igreja-casa, porque necessária a uma comunidade, tem que se tomar consciência de que ela não pode ser apenas harmoniosa e bela por fora”. Neste sentido, lembrou períodos de construção de imponentes templos. “Por mais belas que sejam as igrejas construídas nesse tempo enquanto peças arquitetónicas, muitas vezes são contemporâneas de tempos de grande pobreza litúrgica e eclesial”, advertiu, considerando que “o novo templo tem que ser um meio específico que ajude a edificar a Igreja-comunidade”.

Foto © Samuel Mendonça

O conferencista defendeu deste modo que “o critério geral da construção da igreja edifício é o da idoneidade litúrgica do espaço”. “O espaço não pode perder a dimensão de ser este sinal simbólico, de tornar visível a celebração da liturgia e a verdade da assembleia que lá reúne. Só assim existem condições para que o mistério da sua igreja possa ser adequadamente celebrado e vivido”, alertou, considerando “fundamental nunca se anular a relação entre espaço e celebração”.

Neste sentido considerou que os “requisitos fundamentais do espaço” são a “funcionalidade” e a “nobre simplicidade”, frisando que “o espaço litúrgico diz do silêncio em que habita o mistério”.

Conferência do padre Carlos de Aquino: