Foto © Samuel Mendonça

O padre Nelson Rodrigues destacou no passado sábado, na jornada de formação sobre liturgia promovida pela Igreja algarvia, que o canto litúrgico é “veículo da oração”.

O sacerdote, que abordou o tema “A música litúrgica – expressão de fé de uma assembleia orante” na Jornada de Pastoral Litúrgica, afirmou que “o canto serve para conduzir à oração e conduzir a própria oração até Deus”. “Além disso, o cântico litúrgico é mais ainda do que uma expressão ou uma exteriorização dos sentimentos religiosos, mesmo os mais profundos. Tem um significado sagrado, quase misterioso, porque é um encontro. A música deve possibilitar este encontro”, complementou, acrescentando ainda que “o canto litúrgico revela o conteúdo do coração do homem e a qualidade da sua relação com Deus”.

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Na formação, participada por cerca de 150 pessoas de todo Algarve que teve lugar no Centro Pastoral de Pêra, o orador considerou ainda que “o canto litúrgico é obra de Deus” e “uma graça divina”. “Sendo o cântico litúrgico um veículo para a oração é também uma graça de Deus dada ao homem”, sustentou, considerando-o também “uma manifestação de fé”. “O canto na igreja tem qualquer coisa de sacramental. É um sinal que simultaneamente manifesta e alimenta a fé existente naquele que canta bem”, afirmou.

O formador percorreu um século de pronunciamento da Igreja sobre o tema, desde a constituição Motu Proprio (1903) do papa Pio X até ao quirógrafo do papa João Paulo II (2003).“Fazendo este percurso iremos compreender o papel da própria música na liturgia e na nossa vida”, justificou, salientando que “a música sacra exerce uma função primordial na liturgia ao proporcionar que o povo participe de uma forma mais calorosa nos santos mistérios” e que “a música é um tesouro de inestimável valor que deve ser preservado e valorizado nas celebrações litúrgicas”.

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Na conferência que proferiu (áudio disponível abaixo), o padre Nelson Rodrigues lembrou que o documento de São Paio X estipulou que “a música deve ter as qualidades próprias da ação litúrgica – santidade, bondade das formas e universalidade” – e que “nem todo o género musical pode ser executado na liturgia”, para além de ter confirmado a “primazia do canto gregoriano sem, com isso, excluir outras expressões musicais como a polifonia sacra ou a música mais moderna”. “Em relação ao texto litúrgico, o papa deu a indicação da obrigatoriedade de se cantar o texto tal e qual como está nos livros litúrgicos”, acrescentou, observando que esta norma continua atual. “Se por um lado, a renovação litúrgica de São Pio X se apresentou como detentora de grandes novidades, em muito continuou afastada na verdadeira abertura que a Igreja na época precisava”, concluiu.

Mas porque “nem sempre foram observadas as leis prescritas pelo papa”, explicou ter surgido depois a constituição Divini Cultus (1928) de Pio XI, a encíclica Mediator Dei (1947) de Pio XII que “pretendeu em certa medida dar continuidade à reforma litúrgica já começada”, a encíclica Musicae Sacrae Disciplina (1955) e a instrução Musica Sacra et Sacra Liturgia (1958) do mesmo pontífice que rejeita a polifonia sacra e a música religiosa na liturgia e aponta o lugar da “música sacra moderna” e do canto religioso popular.

Chegado ao Concílio Vaticano II, o formador enumerou os pontos dedicados à música na constituição Sacrosanctum Concilium (1963). O padre Nelson Rodrigues lamentou que após o concílio tenham surgido “muitas vezes” “deturpações do seu sentido mais verdadeiro, caindo-se no erro de se optar por práticas pouco consentâneas com o espírito que imbuiu os padres conciliares”. “Então se pensarmos na renovação litúrgica, o concílio abriu umas janelas, mas em muitos sítios do mundo «escancaram-se as portas todas ao ponto de se deixar de habitar na casa e ir passar a viver para a rua»”, metaforizou.

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“No que respeita à música sacra, só pelo facto de se inserir no plano da liturgia podemos imaginar que sofreu as consequências de quem indevidamente tenta ajustá-la segundo a forma que lhe parece melhor”, prosseguiu, lamentando que “em muitos casos o critério para a escolha das músicas” seja “o que parece melhor”.

Afirmando que “a espiritualidade adjacente à música sacra não mudou muito” e que esta, sendo do passado mas também de hoje, continua atual, o sacerdote apresentou ainda as normas surgidas depois do Concílio Vaticano II com o intuito de implementar o desejado espírito da renovação litúrgica.

Conferência do padre Nelson Rodrigues: