
O padre Ricardo Teixeira, sacerdote da congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus (dehonianos) que trabalhou durante cinco anos na China, considera um “mau acordo” aquele que foi assinado a 22 de setembro de 2018 entre Pequim e a Santa Sé sobre a nomeação dos bispos católicos.
“Mais vale um não-acordo do que um mau acordo”, afirmou no passado dia 18 de maio o missionário, que foi o protagonista da quarta tertúlia de um conjunto de cinco que se concluem este mês, promovidas pela paróquia das Ferreiras.
“Se me perguntassem a mim a minha resposta era óbvia e clara: eu não assino acordo com alguém cujo único objetivo é destruir-nos”, sustentou o sacerdote, que no início da sua intervenção começou por mostrar algumas imagens de igrejas a serem incendiadas e cruzes a serem destruídas.

“Foi depois do acordo que coisas assim começaram a acontecer com mais frequência”, garantiu, acrescentando ter informações de que a situação se tem “tornado pior”. “Eles têm agora um documento para forçar estas comunidades: «esta igreja foi construída por vocês que não estão aqui reconhecidos, portanto destruímos»”, afirmou, considerando que o governo chinês tem agora mais “uma forma de ataque”.
O sacerdote disse ainda que “os chineses não falam deste acordo”. “Nas redes católicas sociais que eu sigo não houve nenhuma que tenha sequer falado do acordo”, assegurou, garantindo, no entanto, que os chineses católicos não viram a sua assinatura como um desrespeito, mas como uma falta de conhecimento. “O cardeal Parolin devia conhecer melhor a China”, considerou o sacerdote que está, desde há um ano, como formador do Seminário dos dehonianos no Funchal.
Natural do Porto, com 40 anos, 13 dos quais como sacerdote, o padre Ricardo Teixeira chegou à China com o visto de estudante porque “não podia dizer que era padre”. No entanto durante os quatro anos em que lá esteve, para além de ter estudado chinês, assistiu a comunidade católica clandestina. “A regra chinesa é a seguinte: podes ter a religião que quiseres das cinco que eles autorizam. A cristã é uma das autorizadas”, explicou, acrescentando, no entanto, que “quem pertence a uma religião não pode trabalhar para o governo num país em que não há, propriamente, empresas privadas”. “Tudo é controlado pelo governo: transportes, hospitais, escolas, bancos”, completou.

O missionário contou que ia à quinta-feira presidir à celebração da eucaristia na casa de um oficial chinês. “Muitos são cristãos em família. É a família que se reúne e convida um padre. Celebra-se a missa e as respostas são quase em surdina. E nunca nos falta gente jovem por incrível que possa parecer”, testemunhou.
“Mais para o interior há aldeias totalmente cristãs. Eu estava numa aldeia em que o presidente da junta e os polícias vinham à missa. Havia um que tinha a mulher responsável pela catequese e só lhe dizia: «diz-me quando é que eu tenho de estar fora de casa». E o marido saía de casa para a mulher dar catequese”, prosseguiu.
O sacerdote contou ainda que um dia foi celebrar a uma localidade em que teve de subir a pé durante 2h10 até chegar, cansado, a uma catedral monumental. “Como é que fizeram isto cá em cima?”, perguntou admirado. “Trouxemos tudo às costas. Se abríssemos a estrada era para o governo vir cá acima e destruir-nos a igreja”, responderam-lhe. Naquele dia, as 2.000 hóstias que tinha sido convencido a levar consigo, foram poucas para os 12 ministros extraordinários da comunhão distribuírem aos cristãos presentes.
O missionário considera ainda que não se deve “falar propriamente de duas Igrejas”. “Não é assim tão claro que haja uma Igreja perseguida e outra apoiada pelo governo”, afirmou, lembrando casos em que “deste lado do rio tem de se celebrar só em casas particulares e do outro lado do rio há igrejas abertas”. “Eu estive em igrejas clandestinas na face da rua, edifícios grandes, abertos, mas eram igrejas clandestinas porque aquele padre que celebrava lá era um padre que tinha sido ordenado por um bispo que não era reconhecido pelo governo. Mas sabiam que ele era padre e que o bispo que o ordenou é bispo. E o governo nesse distrito, ignorava. Havia outros sítios em que o bispo, reconhecido pelo governo, teve a sua catedral retirada e feita num centro comercial”, contou, considerando que naquele caso o objetivo foi “humilhar os cristãos da Igreja oficial”.

O padre Ricardo Teixeira contou que “o governo, muitas vezes, escolhe o bispo que lhe convém porque diz o que querem que diga” e lembrou missas a que assistiu sem concelebrar, cujas homilias pareciam um “comício político”. “Mas, se calhar, é o mesmo padre que depois vêm ter connosco e diz-nos: «olhe eu conheço uma família cristã que precisa de um padre. Pode ir lá? Eu não posso porque eu não os posso denunciar»”, acrescentou, explicando que os denunciadores recebem dinheiro.
O sacerdote contou ainda que, numa determinada diocese, ao ir com os restantes sacerdotes dehonianos falar com o bispo para saber se poderiam estabelecer alguma colaboração, foram recebidos na catedral por um secretário que pediu que ficasse ali apenas um e os restantes o acompanhassem. Levados até um restaurante onde os aguardava o prelado, ele explicou-lhes que tinha o seu escritório sob escuta e que ao chegar lá iria dizer ao sacerdote dehoniano que lá o esperava o contrário do que acordariam naquele restaurante.
O missionário apresentou ainda a sua explicação para a repressão chinesa à Igreja Católica. “O ódio que eles têm ao Cristianismo é o que têm aos estrangeiros que dominaram o país. Os franceses levaram o Cristianismo para lá e construíram as igrejas”, afirmou, lembrando o domínio durante muito séculos de franceses, alemães, belgas e ingleses e que o governo chinês olha para as igrejas como símbolo desse período. “Estas são as igrejas dos que nos dominaram, dos que nos drogavam”, complementou, numa alusão à famosa Guerra do Ópio.
O sacerdote destacou ainda que não são só os cristãos os perseguidos. “Toda a zona interior da China é muçulmana e tem os mesmos ou piores problemas do que nós”, afirmou, lembrando que “um sexto da população chinesa é muçulmana” e que existem “campos de reeducação para muçulmanos”. Segundo o missionário, mesmo o Budismo, religião maioritária, é “muito especial”. “Não é o Budismo que nós conhecemos com Dalai Lama. Esse senhor é proibido de se falar na China. Se querem ter os templos budistas abertos não se fala desse senhor”, contou.
O sacerdote, que assistiu a rusgas a entrarem pelo quarto adentro, depois daqueles anos de trabalho na China quis fazer um tempo de férias em Portugal, mas viu a renovação do visto ser-lhe recusada. “O que eu suspeito é que alguém dos cristãos, ou porque precisava ou porque se zangou, denunciou”, admitiu, considerando que a polícia não o expulsou do país quando foi denunciado porque ser “demasiado escandaloso”. Ainda tentou regressar à China por Macau, seguindo pela fronteira de Hong Kong, mas não o deixaram entrar, tendo chegado a ser interrogado pelas autoridades chinesas.

A tertúlia terminou com a atuação do grupo de música tradicional portuguesa “Entretenga”, após o cântico do Avé de Fátima cantado em chinês.