
O padre Vasco Pinto Magalhães veio alertar o clero do sul do país que “é preciso substituir o paradigma tecnocrático pelo paradigma personalista”.
Na formação anual dos bispos, padres e diáconos das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal, que decorreu a semana passada em Albufeira e que este ano teve no centro a reflexão sobre o homem, o sacerdote jesuíta, referindo-se ao tema “O Homem é a medida de todas as coisas? Os novos contextos da evangelização”, destacou naquele paradigma a humanização como “grande critério ético”. “O humanismo e a humanização são a medida de todas as coisas”, sustentou, alertando que “não há humanização sem Cristo, sem transcendência, sem ser capaz de sair de si”.

Advertindo que quem evangeliza tem que estar “bem descentrado”, o orador aconselhou a “ver se o seu «centro de gravidade» está no outro”, lamentando que o “paradigma tecnocrático” tenha no centro o “deus-poder”, o “deus-técnica”, o “deus-política” e o “deus-ciência”. “É triste que queiramos ser à imagem desse deus”, acrescentou, constatando haver na sociedade atual uma “enorme tentação de poder” disfarçada de “pseudosserviço”. “Confundimos ecologia com ambientalismo e atrás do ambientalismo entra o naturalismo, algumas formas de ateísmo, de destruição da identidade pessoal. A defesa dos direitos dos animais tem mais força que a defesa dos direitos dos pobres e dos imigrantes e dos emigrados”, criticou, considerando que “estes lóbis têm muita força”.
O sacerdote defendeu que o “paradigma tecnocrático” esconde “buscas de segurança”. “É uma forma de encontrar segurança do que se perdeu. Hoje somos homens e mulheres de muitas paixões e de quase nenhum amor. O amor revela a nossa fragilidade e isso traz-nos insegurança”, sustentou.
O orador defendeu que, no âmbito social, a segurança constitui com o sentido e o lugar o “tripé da vida humana”, sujeito a “resistências que confrontam a evangelização”. O padre Vasco Pinto Magalhães alertou para a “trindade”, formada por “três doenças” – “individualismo, subjetivismo e consumismo” – a que se recorre para colmatar a deficiência daquela tripla necessidade. “O consumo dá-me segurança, o individualismo parece dar-me sentido e o subjetivismo é o lugar que eu encontro de afirmação do meu ego”, explicou, alertando que “quando o lugar, o sentido e a segurança são abalados ou são propostas alternativas”, o “diálogo pode não se encontrar” “porque as bases não estão estabelecidas”.
O conferencista constatou então que o “anúncio do evangelho, já por si fortemente libertador e carregado de sentido e de alegria, na realidade vai esbarrando e confrontando-se com os mais diversos contextos culturais e sociais que desafiam e podem até mesmo bloquear a evangelização”.

No âmbito da cultura, alertou que a evangelização esbarra com tensões e roturas como a “rotura entre a ideia e a realidade”. “Vemos isso muito facilmente no laicismo que nos envolve. Laicidade tem a ver com a realidade, mas o laicismo já é uma ideologia não justificada, politizada”, afirmou, considerando que a ideologia do género como “um caso exemplar” daquele tipo de rotura. “Não tem pé nenhum na realidade nem na ciência. É uma ficção doentia. É uma realidade que está doente, portanto não sabe identificar-se e admite que possa ser como eu bem entendo por uma liberdade individual desligada da realidade”, observou, lamentando um “contexto cultural que se desliga da realidade para fazer a sua própria interpretação”.
“Como não sabemos bem qual é a realidade, falamos imenso de cultura, mas acho que é a cultura que está em crise”, prosseguiu, lembrando que “cultura é aquilo que cultiva, é pegar na realidade e fazê-la crescer”. “Não estamos a cultivar o homem”, lamentou.
O sacerdote jesuíta aludiu então à “necessidade de uma iniciação à interioridade” que conduza à “espiritualidade”, acrescentando que a “espiritualidade é a capacidade de sair, de se descentrar”. “Estamos carregadíssimos de espiritualismos pseudocientíficos orientais e confundimos um bocadinho vida interior que é diferente de interioridade e que é diferente de espiritualidade. É de espiritualidade e na espiritualidade que o diálogo se pode traçar”, considerou, sublinhando a “importância da linguagem”.