Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O padre Vasco Pinto Magalhães veio alertar o clero do sul do país que “é preciso substituir o paradigma tecnocrático pelo paradigma personalista”.

Na formação anual dos bispos, padres e diáconos das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal, que decorreu a semana passada em Albufeira e que este ano teve no centro a reflexão sobre o homem, o sacerdote jesuíta, referindo-se ao tema “O Homem é a medida de todas as coisas? Os novos contextos da evangelização”, destacou naquele paradigma a humanização como “grande critério ético”. “O humanismo e a humanização são a medida de todas as coisas”, sustentou, alertando que “não há humanização sem Cristo, sem transcendência, sem ser capaz de sair de si”.

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Advertindo que quem evangeliza tem que estar “bem descentrado”, o orador aconselhou a “ver se o seu «centro de gravidade» está no outro”, lamentando que o “paradigma tecnocrático” tenha no centro o “deus-poder”, o “deus-técnica”, o “deus-política” e o “deus-ciência”. “É triste que queiramos ser à imagem desse deus”, acrescentou, constatando haver na sociedade atual uma “enorme tentação de poder” disfarçada de “pseudosserviço”. “Confundimos ecologia com ambientalismo e atrás do ambientalismo entra o naturalismo, algumas formas de ateísmo, de destruição da identidade pessoal. A defesa dos direitos dos animais tem mais força que a defesa dos direitos dos pobres e dos imigrantes e dos emigrados”, criticou, considerando que “estes lóbis têm muita força”.

O sacerdote defendeu que o “paradigma tecnocrático” esconde “buscas de segurança”. “É uma forma de encontrar segurança do que se perdeu. Hoje somos homens e mulheres de muitas paixões e de quase nenhum amor. O amor revela a nossa fragilidade e isso traz-nos insegurança”, sustentou.

O orador defendeu que, no âmbito social, a segurança constitui com o sentido e o lugar o “tripé da vida humana”, sujeito a “resistências que confrontam a evangelização”. O padre Vasco Pinto Magalhães alertou para a “trindade”, formada por “três doenças” – “individualismo, subjetivismo e consumismo” – a que se recorre para colmatar a deficiência daquela tripla necessidade. “O consumo dá-me segurança, o individualismo parece dar-me sentido e o subjetivismo é o lugar que eu encontro de afirmação do meu ego”, explicou, alertando que “quando o lugar, o sentido e a segurança são abalados ou são propostas alternativas”, o “diálogo pode não se encontrar” “porque as bases não estão estabelecidas”.

O conferencista constatou então que o “anúncio do evangelho, já por si fortemente libertador e carregado de sentido e de alegria, na realidade vai esbarrando e confrontando-se com os mais diversos contextos culturais e sociais que desafiam e podem até mesmo bloquear a evangelização”.

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No âmbito da cultura, alertou que a evangelização esbarra com tensões e roturas como a “rotura entre a ideia e a realidade”. “Vemos isso muito facilmente no laicismo que nos envolve. Laicidade tem a ver com a realidade, mas o laicismo já é uma ideologia não justificada, politizada”, afirmou, considerando que a ideologia do género como “um caso exemplar” daquele tipo de rotura. “Não tem pé nenhum na realidade nem na ciência. É uma ficção doentia. É uma realidade que está doente, portanto não sabe identificar-se e admite que possa ser como eu bem entendo por uma liberdade individual desligada da realidade”, observou, lamentando um “contexto cultural que se desliga da realidade para fazer a sua própria interpretação”.

“Como não sabemos bem qual é a realidade, falamos imenso de cultura, mas acho que é a cultura que está em crise”, prosseguiu, lembrando que “cultura é aquilo que cultiva, é pegar na realidade e fazê-la crescer”. “Não estamos a cultivar o homem”, lamentou.

O sacerdote jesuíta aludiu então à “necessidade de uma iniciação à interioridade” que conduza à “espiritualidade”, acrescentando que a “espiritualidade é a capacidade de sair, de se descentrar”. “Estamos carregadíssimos de espiritualismos pseudocientíficos orientais e confundimos um bocadinho vida interior que é diferente de interioridade e que é diferente de espiritualidade. É de espiritualidade e na espiritualidade que o diálogo se pode traçar”, considerou, sublinhando a “importância da linguagem”.