FOI mais notável esta acção de caridade popular quando, na catástrofe do primeiro de Novembro, de 1755 (em dia de todos os Santos), e perante a morte, a dor e, acima de tudo, para quem sobreviveu, a fome. Então, como sempre, pede-se aos vivos: Pão para Deus. Era a promessa para a salvação, tanto temida pelas camadas mais sensíveis, que sempre foi o povo. E, nos séculos antes, como nos depois, até que se chegue ao último quartel do século XX, e se criem as estruturas sociais para a construção de um país civilizado e reformista, sem perder o sentido cristão.

Hoje, nos dias que correm, o povo tanto vai suplicar à Senhora de Fátima, o espaço mais sagrado do País, como vai ai Terreiro do Paço pedir aos políticos, que tão mal nos governam, equidade, justiça, ponderação, respeito pelos que trabalhando, produzem riqueza, pelos que a idade estão condicionados à inactividade, pelos jovens que querendo ser úteis, se vêem obrigados à tradicional situação do desconforto familiar, a ausência, partindo, não em promessas de criar fortuna, mas de sobrevivência externa; pelo Serviço Nacional de Saúde, em continuidade; pela educação a todos os níveis; pela Universidade em perigo.

As vozes vêm imploradas e de todos os quadrantes da sociedade portuguesa. Temos a Igreja, os políticos, os intelectuais, as universidades, que apelam: Nenhum governo tem desculpa para governar mal. A Constituição da República não deve e nem pode servir de desculpa em léxicos deploráveis a conceitos anti-sociais. O problema de Portugal é outro: os governos têm sido maus, não cumprem aquilo que prometam nas campanhas eleitorais. O actual executivo é mau. São as palavras dos constitucionalistas: Jorge Miranda, Pedro Bacelar Vasconcelos, entre outras opiniões.

A igreja do Algarve, assume a voz da diocese no seu Bispo confrontado com a fome que alastra nas camadas de desempregados, sendo o Algarve a região onde o desemprego prolifera em todas as áreas, a mais castigada no país.

Tomou o Sacerdote Manuel Quintas, apoiado pelas instituições (apoiando-as), em cidadãos plurais, posições contra a fome e as situações de mau estar em que o governo e as suas políticas têm vindo em caminhos contrários que levam os grupos etários e desprotegidos, pelas faltas de emprego e de apoios a situações confrangedoras às populações mais carentes.

Cerca de cem mil jovens, nos mais diversos graus académicos, seguiram a diáspora tradicional e forçada, segundo o conselho governamental: a abandonar a área do conforto familiar.

Antigamente, quando as leis eram totalmente anti-sociais e a caridade assumia um papel reduzido e penoso ao necessitado, era costume as crianças saírem à rua, em pequenos grupos, para pedir o “Pão por Deus”, de porta em porta. Pediam recitando versos, recebendo em troca pão, romãs, frutos secos; o que a época dava.

Nas minhas décadas de viver recordo esses costumes (na minha terra de S. Bartolomeu de Messines), quadros miseráveis em que muitas crianças e gente produtora de riqueza que fora, seguir esse modelo “socia”, sem reformas, numa sobrevivência dolorosa. Pensava, eu, que tudo isso fora uma miragem, que a moderna sociedade dos Friedrich Hayeck e John Maynard Keynes, em conceitos de econometria, levar-nos-ia a resoluções… a que realmente chegaram e conseguiram, a bem das troikas. Mas isso será para outro estudo.

Eu sei que todos os países têm os seus problemas… Mas quando as razões são contraditórias, como o banqueiro que afirma, perante a situação em que Portugal se encontra, nas suas afirmações próprias de classe, afirmando que O povo português aguenta…Pois aguenta, logo me vem à memória a sábia análise que o Bispo Ortiga, de Braga, justifica: São católicos de sacristia.

Os meninos do “Pão por Deus”, que vinham no dia de Todos os Santos às ruas de Portugal mendigar, regressaram noutras circunstâncias. Agora o dia de Todos os Santos, consagrado às memórias, esse, certamente, irá ser substituído por aquela coisa asquerosa e medieval do paganismo chamado halloween.

Teodomiro Neto


O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico