O Papa Francisco foi ontem sepultado na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, após a Missa exequial em São Pedro, depois de um percurso pelas ruas da capital italiana, acompanhado por 150 mil pessoas, junto à estrada.

Foto © EPA/Massimo Percossi

A urna do falecido pontífice foi transportada em carro aberto, um dos papamóveis, ao som das palmas da multidão que se juntou ao longo do percurso.

A última vez que um líder da Igreja tinha sido enterrado fora do Vaticano foi em 1924, quando o Papa Leão XIII foi sepultado na Basílica de São João de Latrão, sede da Diocese de Roma, mais de 20 anos depois da sua morte.

O cortejo fúnebre partiu da porta mais próxima da Casa de Santa Marta, onde Francisco morreu na passada segunda-feira, e passou por locais icónicos como a Praça Veneza, os Fóruns Imperiais e o Coliseu, durante cerca de seis quilómetros.

A acompanhar o Papa estavam apenas alguns veículos e batedores da polícia.

Francisco deixou indicações sobre a sepultura num testamento espiritual, publicado pelo Vaticano, precisando que o sepulcro na Basílica de Santa Maria Maior (Roma) “deve ser de terra, simples, sem decoração especial e com a única inscrição: ‘Franciscus’”.

“Confiei sempre a minha vida e o meu ministério sacerdotal e episcopal à Mãe de Nosso Senhor, Maria Santíssima. Por isso, peço que os meus restos mortais repousem à espera do dia da ressurreição na Basílica Papal de Santa Maria Maior”, explica, num texto datado de 29 de junho de 2022.

O Papa refere que deixou pagas as despesas para a preparação da sua sepultura: “Serão cobertas pelo montante do benfeitor que encontrei, a ser transferido para a Basílica Papal de Santa Maria Maior e para a qual dei instruções apropriadas a monsenhor Rolandas Makrickas”, então comissário extraordinário da basílica papal, uma das quatro de Roma.

Foto © Vatican Media
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O rito de encerramento do caixão decorreu na última noite, sendo visível que Francisco foi sepultado com os sapatos negros que se tornaram uma imagem de marca do pontificado.

O cardeal Roland Mackrikas, que esteve pessoalmente envolvido nas operações relativas à realização do túmulo, falou na sexta-feira aos jornalistas, referindo que “inicialmente, o Papa Francisco recusou a proposta” do enterro em Santa Maria Maior, mas “reconsiderou” a ideia, uma semana depois.

“Nossa Senhora disse-me: prepara o túmulo. Estou muito feliz”, referiu ao agora coadjutor da Basílica, segundo relato deste.

Ao longo do seu pontificado, Francisco esteve 126 vezes em Santa Maria Maior – a última das quais a 12 de abril – para venerar o ícone da ‘Salus Populi Romani’, que hoje o acompanhou na Praça de São Pedro, durante a Missa de Exéquias.

Segundo o cardeal Makrickas, arcipreste coadjutor, a ideia surgiu numa conversa a 13 de maio de 2022, sobre a necessidade de uma intervenção na estrutura da Capela Paulina, tendo o responsável da Basílica sugerido ao Papa a possibilidade de “estabelecer também o seu túmulo” neste templo.

Após considerar a proposta, Francisco rejeitou a colocação do túmulo na capela da ‘Salus Populi Romani’, para evitar distrações aos peregrinos que acorrem ao local para rezar à Virgem Maria.

O espaço escolhido encontra-se próximo, no nicho da nave lateral entre a Capela Paulina e a Capela Sforza, uma das primeiras construídas, e junto ao altar de São Francisco.

O túmulo é feito de pedra da Ligúria, região italiano que é terra natal dos avós do Papa.

Em Santa Maria Maior estão sepultados outros sete pontífices, entre os quais o primeiro Papa franciscano, Nicolau IV; o primeiro Papa dominicano, Pio V; e agora o primeiro Papa jesuíta.

O último Papa a ser sepultado nesta basílica tinha sido Clemente IX, em 1669.

Francisco foi recebido na escadaria de Santa Maria Maior, simbolicamente, por uma representação de 40 pessoas, entre reclusos, pessoas pobres e excluídas da sociedade – incluindo migrantes, transsexuais e sem-abrigo -, convocados pelo setor para a Caridade da Conferência Episcopal Italiana, todos com uma rosa branca na mão.

Quatro crianças levaram depois as rosas, em dois cestos, até junto do altar da ‘Salus Populi Romani’.

Nos últimos dias, rosários do Papa Francisco foram distribuídos aos pobres da cidade de Roma pelo cardeal Konrad Krajewski, esmoler pontifício.

Também a comunidade de Santo Egídio quis sublinhar a presença dos mais pobres, no funeral, com uma delegação, em São Pedro e Santa Maria Maior, que incluiu alguns dos refugiados que vieram no voo papal desde a ilha de Lesbos e outros que chegaram a Itália graças a corredores humanitários.

O rito da sepultura é reservado: após entrar na basílica, num cortejo liderado pela Guarda Suíça Pontifícia, o caixão foi transportado para a sepultura, enquanto eram entoados salmos, em latim, e o presidente da celebração introduziu as intercessões.

Depois de uma oração pelo falecido Papa, o caixão de madeira que contém os restos mortais foi selado com os selos do cardeal camerlengo da Santa Igreja Romana, da Prefeitura da Casa Pontifícia, do Departamento para as Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice e do Capítulo Liberiano (conjunto dos cónegos da Basílica de Santa Maria Maior).

O corpo foi colocado no túmulo e aspergido com água benta, seguindo-se o canto do Regina Coeli, que no tempo litúrgico da Páscoa substitui a recitação do ângelus.

O notário do Capítulo Liberiano lavrou o “ato autêntico”, que serve de prova do enterro e lê-o aos presentes.

Em seguida, o documento foi assinado pelo cardeal camerlengo, pelo regente da Casa Pontifícia, pelo mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias e pelo próprio notário.

O túmulo foi feito em mármore proveniente da Ligúria (Itália), região natal dos avós do Papa, apenas com a inscrição “Franciscus” e a reprodução da sua cruz peitoral, a pedido do próprio.

A participação na cerimónia conta com a presença do cardeal camerlengo, D. Kevin Farrell; do cardeal decano, D. Giovanni Battista Re; do cardeal Roger Michael Mahony (EUA), em representação da ordem dos presbíteros; do cardeal protodiácono, D. Dominique Mamberti; do cardeal Stanislaw Rylko, arcipreste da Basílica Papal de Santa Maria Maior, e do coadjutor, cardeal Rolandas Makrickas, a quem o Papa confiou a execução do túmulo; do secretário de Estado de Francisco, cardeal Pietro Parolin; do cardeal Baldassare Reina, vigário-geral para a Diocese de Roma; do cardeal Konrad Krajewski, esmoler pontifício; do arcebispo Edgar Peña Parra, substituto da Secretaria de Estado; do arcebispo Ilson de Jesus Montanari, vice-camerlengo da Santa Igreja Romana; de monsenhor Leonardo Sapienza, regente da Casa Pontifícia; dos cónegos do Capítulo da Basílica Papal de Santa Maria Maior – incluindo monsenhor António Saldanha, sacerdote português – e dos penitenciários menores; dos secretários particulares do Papa Francisco; outras pessoas admitidas pelo mestre das celebrações litúrgicas, D. Diego Ravelli, e familiares de Jorge Mario Bergoglio.


Nota biográfica que acompanha sepultura sublinhou «testemunho admirável de humanidade» e luta contra abusos

Foto © Vatican Media
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O Vaticano publicou na sexta-feira o texto do “rogito”, elegia em latim, que foi colocada naquela noite no féretro de Francisco, sobre os principais atos da vida do falecido Papa, destacando a sua “humanidade” e a luta contra os abusos na Igreja.

“Francisco deixou a todos um testemunho admirável de humanidade, de vida santa e de paternidade universal”, referiu o texto.

A nota sublinhou ainda que o falecido Papa “tornou mais severa a legislação relativa aos crimes cometidos por representantes do clero contra menores ou pessoas vulneráveis”, em particular com o decreto ‘Vos estis lux mundi’, de 2019.

Foto © Vatican Media
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Depois que a Basílica de São Pedro encerrou portas aos peregrinos e visitantes que se despediram do Papa, o caixão foi fechado num rito privado.

O mestre das Celebrações Litúrgicas, monsenhor Diego Ravelli, leu o ‘rogito’ e, em seguida, estendeu o véu de seda branca sobre o rosto do defunto, aspergido com água benta.

Junto ao corpo de Francisco foi colocado um saco com as moedas e medalhas cunhadas durante o pontificado e o tubo com o “rogito”, depois de selado com o selo do Departamento das Celebrações Litúrgicas.

O documento é, oficialmente, a “Escritura para o piedoso trânsito de Sua Santidade Francisco”.

“Connosco, peregrino da esperança, guia e companheiro de caminho rumo ao grande objetivo para o qual somos chamados, o Céu, no dia 21 de abril do Ano Santo de 2025, às 7h35 da manhã, enquanto a luz da Páscoa iluminava o segundo dia da Oitava, Segunda-feira do Anjo, o amado Pastor da Igreja, Francisco, passou deste mundo para o Pai. Toda a comunidade cristã, especialmente os pobres, louvava a Deus pelo dom do seu serviço prestado com coragem e fidelidade ao Evangelho e à mística Esposa de Cristo”, podia ler-se.

O registo de Francisco, 266.º Papa, sublinhou que “a sua memória permanece no coração da Igreja e de toda a humanidade”.

Ao sublinhar o seu percurso na Argentina, o texto referiu que, como arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio “foi um pastor simples e muito amado na sua Arquidiocese, que percorria de um lado a outro, mesmo no metro e nos autocarros”.

“Morava num apartamento e preparava o seu jantar sozinho, porque se sentia uma pessoa comum”, acrescentou.

O documento evocou o Conclave de 2013, em que foi eleito Papa após a renúncia de Bento XVI “e tomou o nome de Francisco, porque, seguindo o exemplo do santo de Assis, queria ter no coração, antes de tudo, os mais pobres do mundo”, citando as suas primeiras palavras, em que pede a bênção do povo.

A nota oficial realçou que o falecido Papa recomendou aos sacerdotes que “estivessem sempre prontos a administrar o sacramento da misericórdia, que tivessem a coragem de sair das sacristias para ir em busca da ovelha perdida e que mantivessem as portas da igreja abertas para acolher todos aqueles que desejavam encontrar o rosto de Deus Pai”.

“Exerceu o ministério petrino com incansável dedicação ao diálogo com os muçulmanos e com os representantes de outras religiões, convocando-os por vezes para encontros de oração e assinando declarações conjuntas em favor da concórdia entre os membros de diferentes credos, como o Documento sobre a Fraternidade Humana, assinado em 4 de fevereiro de 2019, em Abu Dhabi, com o líder sunita al-Tayyeb”, acrescentou a nota biográfica.

O texto recordou a instituição dos Dias Mundiais dos Pobres, dos Avós e das Crianças, sinal do “seu amor pelos últimos”, bem como a criação do Domingo da Palavra de Deus.

O Vaticano recordou que, em dez consistórios, Francisco criou 163 cardeais, dos quais 133 eleitores e 30 não eleitores, provenientes de 73 nações, 23 das quais nunca tinham tido um cardeal.

“Mais do que qualquer um dos seus antecessores, ampliou o Colégio Cardinalício”, referiu o documento, evocando ainda as cinco Assembleias do Sínodo dos Bispos, três ordinárias, dedicadas à família, aos jovens e à sinodalidade, uma extraordinária novamente sobre a família e uma especial para a Região Pan-Amazónica.

O Papa foi lembrado pela sua voz “em defesa dos inocentes” e pela intervenção na pandemia de Covid-19, com referência à noite de 27 de março de 2020, quando “quis rezar sozinho na Praça de São Pedro, cujo colunata simbolicamente abraçava Roma e o mundo, pela humanidade amedrontada e ferida pela doença desconhecida”.

O ‘rogito’ evocou os últimos anos do pontificado, “marcados por numerosos apelos à paz, contra a III Guerra Mundial aos bocados, em curso em vários países, especialmente na Ucrânia, mas também na Palestina, Israel, Líbano e Mianmar”.

A nota destacou os internamentos no Hospital Gemelli, de Roma, em particular a última, de 38 dias, devido a uma pneumonia bilateral.

“De regresso ao Vaticano, passou as últimas semanas da sua vida na Casa Santa Marta, dedicando-se até ao fim e com a mesma paixão ao seu ministério petrino, embora ainda não totalmente recuperado”, indica o texto, que recorda a última aparição na varanda da Basílica de São Pedro, no Domingo de Páscoa, para conceder a bênção ‘Urbi et Orbi’.

O registo elencou os principais documentos do pontificado, em especial as quatro encíclicas: ‘Lumen fidei’ (29 de junho de 2013), que aborda o tema da fé em Deus; ‘Laudato si’ (24 de maio de 2015), que aborda o problema da ecologia e a responsabilidade da humanidade na crise climática; ‘Fratelli tutti’ (3 de outubro de 2020), sobre a fraternidade humana e a amizade social; ‘Dilexit nos’ (24 de outubro de 2024), sobre a devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

Outro ponto em destaque foi a reforma da Cúria Romana, com a constituição Apostólica ‘Praedicate Evangelium’ (19 de março de 2022).

O rito do encerramento do caixão decorreu às 20h00 de sexta-feira, 25 de abril, (menos uma em Lisboa), no Altar da Confissão da Basílica de São Pedro, presidido pelo cardeal camerlengo, D. Kevin Farrell.

Durante a noite, o Capítulo de São Pedro “assegurará uma presença de oração e vigília junto ao corpo do pontífice, até aos preparativos da Santa Missa da manhã seguinte”, informa o Vaticano, acrescentando que estavam presentes “alguns familiares” de Francisco.

Octávio Carmo, enviado da Agência Ecclesia ao Vaticano