A paróquia de Silves está a realizar um ‘Curso Alpha’ no Estabelecimento Prisional da cidade com a participação de 23 inscritos dos quase 70 reclusos que ali estão a cumprir pena.

Os ‘Cursos Alpha’ nasceram em 1977 na Holy Trinity Brompton, uma igreja anglicana no centro de Londres, no Reino Unido, para propor as bases da fé cristã ao homem moderno afastado da Igreja e da sua proposta.

Com uma configuração tipicamente de primeiro anúncio cristão, os ‘Cursos Alpha’ estão hoje disseminados por mais de 170 países e um pouco por todas as denominações cristãs, sobretudo na Igreja Católica.

No Algarve, os ‘Cursos Alpha’ tiveram início em 2017 pela mão do padre Nelson Rodrigues, anterior pároco de Silves. O seu sucessor, e atual pároco daquela paróquia desde julho de 2022, explicou ao Folha do Domingo que já tinha ouvido falar daquela iniciativa de iniciação ao Cristianismo, mas só a conheceu quando ali chegou. “Este ano, quando os responsáveis pelo ‘Alpha’ quiseram realizar uma nova edição do curso, quis conhecê-lo para perceber como é que funciona. À medida que fui fazendo as sessões comecei a aperceber-me que o ‘Alpha’ podia ser uma ferramenta muito boa para levar a outros lugares que nos dessem a oportunidade de procurar despertar os participantes para a fé. Passou-me logo pela ideia a prisão”, conta o padre Rafael Rocha que é também membro da equipa do Setor da Pastoral Prisional da Diocese do Algarve.

O sacerdote lembra que o trabalho no Estabelecimento Prisional de Silves já é antigo. “Temos um grupo de pessoas que já lá ia quando eu aqui cheguei e que fizeram sempre um esforço grande para todas as semanas, aos sábados, irem lá um pouco”, recorda o padre Rafael Rocha, que também já trazia vários anos de experiência de trabalho no Estabelecimento Prisional de Olhão, cuja comunidade reclusa acompanhou anteriormente.

Desde que tiveram início no Algarve, os ‘Cursos Alpha’ têm vindo a realizar-se em várias paróquias, maioritariamente por via digital – sobretudo nas da Sé e de São Luís de Faro e nas Monchique e de Lagos, sendo que também já se realizou para os jovens da diocese promovido pelo Setor Diocesano da Pastoral Juvenil – mas é a primeira vez que a iniciativa se realiza dentro de um Estabelecimento Prisional.

O curso, que teve início no passado dia 12 de abril e decorre semanalmente à quarta-feira, teve ontem a sua terceira sessão. O ‘Alpha’ decorre em dez serões semanais e um fim de semana (denominado ‘Dia Alpha’), normalmente a meio do percurso, sendo que cada sessão semanal tem a duração de duas horas e assenta em três dimensões: breve refeição, apresentação do tema e discussão. As sessões exploram a base da fé cristã, abordando diferentes temas – como ‘Quem é Jesus?’, ‘Como podemos ter a certeza da nossa fé?’ ou ‘Como é que Deus nos conduz?’ – que são desenvolvidos, em vídeo com recurso a alguns testemunhos ou por um orador presencial, para potenciar a partilha dentro dos grupos de discussão.

O padre Rafael Rocha explica que na adaptação ao contexto prisional serão realizadas 11 sessões sem o ‘Dia Alpha’, em que uma delas será substituída por um encontro de maior convívio entre os participantes. O sacerdote considera que o facto de algumas sessões incluírem testemunhos de condenados por criminalidade violenta que mudaram a sua vida após terem frequentado o ‘Alpha’ poderá interpelar alguns dos participantes por verem ali refletida uma realidade semelhante à sua. O padre Rafael Rocha considera “muito importante” “colocar as pessoas a questionar-se”.

Aquele responsável diz que “o impacto inicial tem sido positivo” e que “levanta grandes questões nas cabeças” dos participantes, mas também permite partilharem aquilo que sentem. “Eles precisam de ser escutados”, constata.

Os detidos no Estabelecimento Prisional de Silves são provenientes de processos das comarcas judiciais do barlavento algarvio: Aljezur, Vila do Bispo, Monchique, Lagos e Portimão. O sacerdote refere que ali há homicidas, mas explica que a “grande percentagem” dos detidos chega lá por pequenos delitos, sobretudo por tráfico de droga, e garante que membros de criminalidade organizada são menos comuns.

O padre Rafael Rocha realça a percentagem de participação. “Para uma prisão que não chega a ter 70 reclusos – sendo que destes 20 não podem participar porque estão ali duas ou três semanas e vão embora para outros estabelecimentos prisionais – acho que é muito positivo e muito bom”, considera, explicando que os participantes são na maioria reclusos que estão a cumprir entre um e três anos de pena e muitos a um ano ou menos de saírem em liberdade.

Por outro lado, o sacerdote destaca que a participação é por convicção e garante ter aprendido que “os reclusos não fazem favores a ninguém”. “Eles quando vão é porque querem ir”, sustenta, acrescentando: “mas também temos de saber ganhar um pouco a confiança deles”. O padre Rafael Rocha assegura que por detrás das “capas” de homens duros e violentos estão “homens sofridos que querem atenção, um pouco de carinho e ser reconhecidos como pessoas pela sociedade”. “Muitas vezes, com pequenos gestos vamos quebrando essa parte dura e fria. Rezar com eles pelos familiares que já faleceram, pedir pelos filhos, pelas mulheres, pelas mães, pelas pessoas que estão cá fora e que os amam e saber ir buscar as coisas que os tocam, com educação, com correção, com jeito para não magoar ninguém ou ter uma interpretação diferente, ajuda muito. E a oração é muito boa para isso”, acrescenta, contando que eles “aderem muito” a iniciativas com a imagem da Nossa Senhora ou a recitação de uma dezena do terço.

O sacerdote realça ainda uma caraterística necessária para o trabalho na pastoral prisional. “Não podemos ser pudicos na cadeia. Temos de estar preparadas para ouvir tudo e mais alguma coisa”, afirma.

O pároco acrescenta que a recetividade da direção do Estabelecimento Prisional ao curso “foi muito boa”. “O diretor considerou logo que era uma iniciativa extremamente positiva, dando toda a liberdade para que se pudesse organizar tudo aquilo que era necessário”, testemunha, explicando que aquele responsável propôs ainda que a frequência ao curso fosse incluída na ficha dos reclusos. “Isso deixou todos muito contentes porque é informação que vai para o juiz”, complementou, acrescentando que, para além do projetor, a instituição disponibilizou duas salas para o efeito.

O sacerdote refere que, embora não conhecesse pessoalmente o diretor, “sabia que ia encontrar uma pessoa recetiva e dinâmica”, o que diz ter facilitado a sua integração no trabalho de assistência espiritual naquele estabelecimento. O padre Rafael Rocha acrescenta que depois de concluído o curso – que está a ser realizado para além de si, por mais dois animadores – será feita uma avaliação com a direção, os responsáveis da guarda prisional e as restantes pessoas que trabalham diretamente com os detidos. O sacerdote encara a possibilidade de propor que se repita a experiência se o balanço for positivo e “quando perceber que existem novamente grupos de reclusos com tempo suficiente” de pena para poder participar.

O pároco também não descarta a hipótese de levar o ‘Alpha’ a outros contextos como o quartel dos bombeiros ou ao Instituto Piaget de Silves.

‘Cursos Alpha’ têm ajudado quatro paróquias algarvias a promover a primeira abordagem à fé