O responsável da pastoral prisional da Diocese do Algarve considera “fundamental” o trabalho realizado nos estabelecimentos penitenciários algarvios.

Em declarações ao Folha do Domingo, o cónego Manuel Oliveira Rodrigues justifica que uma das mais-valias da assistência espiritual é ajudar a formar nos reclusos uma maior capacidade de “manter a calma” e de agir “com serenidade”.
Defendendo ainda que aquele serviço os ajuda a aceitar a pena de outra forma, ganhando consciência de que têm que pagar pelo que fizeram, o sacerdote garante que os diretores dos três estabelecimentos prisionais algarvios – Faro, Silves e Olhão – “reconhecem perfeitamente a importância deste trabalho junto dos reclusos e até o desejam e acham muito positivo”. “Os diretores estão sempre recetivos e abertos a qualquer atividade que queiramos fazer”, sustenta, explicando que a relação com as direções dos prisionais “tem vindo sempre a crescer”.
O sacerdote, que iniciou este trabalho depois de chegar à paróquia de São Pedro de Faro em setembro de 1995, garante que já conheceu “histórias de conversão de vida surpreendentes”. Quando deixou a paróquia em 2012, o trabalho na penitenciária foi continuado pela irmã Isilda Soares que na altura reforçou as visitas aos detidos.
Mais tarde, quando foi nomeado pároco de Olhão, passou a visitar o estabelecimento daquela cidade às quartas-feiras à tarde e ao sábado para celebrar a eucaristia com os reclusos “que eram praticantes e comungavam”. Hoje, o acompanhamento feito ali está a cargo do padre Rafael Rocha, pároco da Conceição de Tavira, Luz de Tavira e Santo Estêvão, e em Silves do padre Nelson Rodrigues, pároco local, os dois sacerdotes que completam a equipa do Setor Diocesano da Pastoral Prisional (SDPP).

O padre Rafael Rocha visita o estabelecimento prisional de Olhão todas as quartas ou quintas-feiras. Em 2019 chegou a promover ali sessões de catequese orientadas por um grupo de leigos como resposta ao pedido de alguns reclusos que manifestaram vontade de ser batizados. “Alguns não têm ligação nenhuma à Igreja. Encontram-na no estabelecimento prisional. Outros, ainda em pequenos tiveram catequese, têm algumas noções e começam a aprofundar”, conta ao Folha do Domingo.
Já em 2018 alguns colaboraram em obras de recuperação da igreja da Conceição de Faro. “É importante que estas pessoas sintam que são pessoas, que não estão colocadas de parte. Não é porque algum dia fizeram o mal e estão presos que acabou a hipótese de viverem”, justificou o sacerdote, assentindo que a dimensão espiritual também ajuda a transformar a vida.
O padre Rafael Rocha sublinha que a experiência foi positiva também para a própria comunidade. “Grande parte das pessoas também quis conviver com eles. Muitos, para além de terem cozinhado a refeição, quiseram tomá-la com eles”, lembra.
Em Silves, a equipa constituída pelo padre Nelson Rodrigues com uma religiosa e um grupo de leigos garante igualmente a assistência espiritual. Esse trabalho é feito também através de catequeses para cerca de 20 elementos, no primeiro sábado de cada mês pelo próprio sacerdote e nos restantes pelos demais membros da equipa. “A minha presença lá já não é tão formativa, mas espiritual”, justifica conta ao Folha do Domingo o padre Nelson Rodrigues, explicando que quando visita os detidos aproveita para conviver com todos nas celas, no pátio e no bar, para administrar o sacramento da confissão ou para atendimento espiritual quando solicitado e para presidir à celebração da eucaristia.

Em estudo está a implementação dos Cursos Alpha, uma metodologia de evangelização que procura apresentar uma introdução à fé cristã em 11 sessões. “É dinamizado à volta da mesa, em que durante a refeição é dado um tema de ‘querigma’ [conteúdos básicos da fé]. Terminado o curso depreendemos que receberam o primeiro anúncio de Cristo e começam num processo catequético a partir daí”, explica o sacerdote.
O responsável destaca ainda outra vertente do trabalho na pastoral prisional, explicando que a Igreja Católica tem financiado muitos dos “gastos extraordinários” com reclusos, dando como exemplo o pagamento de próteses dentárias, óculos ou roupas.
O cónego Manuel Rodrigues realça a ligação entre os assistentes espirituais dos três estabelecimentos algarvios e o “trabalho excecional” realizado por todos e pelas respetivas equipas, mas considera ser preciso “estruturar melhor” o SDPP. “Tem de ser uma coisa mais articulada e coordenada para fazermos um trabalho o mais uniforme possível em que sabemos que estamos a seguir um rumo. É um trabalho que precisa ser mais conhecido e precisamos de mais iniciativas do que aquelas que têm sido feitas”, concretiza, apontando ao alargamento da equipa diocesana.
Aquele responsável da pastoral prisional da Diocese do Algarve diz que “não basta visitar” os reclusos. “É preciso também dar continuidade após a reclusão para que possam depois organizar a sua vida e ter condições mínimas para se orientarem”, sustenta, acrescentando que muitos reclusos “não têm ninguém que os acolha” porque “não são aceites pela família”, com a qual inúmeros já tinham cortado relações mesmo antes de serem detidos. O sacerdote garante que este “tem sido dos temas mais debatidos” nos encontros nacionais da pastoral penitenciária no contexto da reflexão sobre as saídas em liberdade condicional.
O padre Rafael Rocha, que há pouco tempo foi convidado a visitar o Estabelecimento Prisional de Odemira, destinado a acolher mulheres, defende que o problema deve ser encarado sob o ponto de vista da prevenção “para que haja o menor número de reclusos e de reincidências”. “Como acompanhar estas pessoas, dar-lhes esperança, fazê-las acreditar que podem reconstruir uma vida, independentemente do seu passado, dos seus erros e das suas falhas? Este é o grande trabalho que tem que ser feito e que ainda está muito aquém de vir a ser verdadeiramente bem estruturado. Nós, Igreja, também penso que podemos e temos condições para tentar refletir como acompanhar estas pessoas na sua vida”, afirma, sublinhando que o “caminho espiritual tem que ser acompanhado por um caminho social que os ajude a integrarem-se”.
Não obstante reconhecer haver também muitos que “não aprenderam nada” durante a detenção, o sacerdote lamenta que aqueles indivíduos, no regresso à sociedade, sejam “etiquetados como ex-reclusos”. “Quando chegam ao exterior já se sentem um pouco inferiorizados. Se a sociedade lhes fecha portas, esse sentimento de inferioridade vai acabar por desembocar outra vez no erro”, complementa, apontando à necessidade de quebrar o círculo vicioso.
O trabalho na pastoral prisional tem sido uma preocupação do próprio bispo do Algarve. Em outubro de 2018, D. Manuel Quintas presidiu à celebração da eucaristia pelos serviços de reinserção social e pelos guardas prisionais na igreja de São Pedro de Faro, participada pelos diretores dos três estabelecimentos prisionais algarvios. Uma das visitas pastorais do prelado no ano 2018/2019 era àquelas três unidades que teve de ser cancelada devido à greve dos guardas prisionais que coincidiu na mesma data. Neste Natal, o prelado visitou as penitenciárias de Olhão e de Silves para presidir à celebração de eucaristias com os detidos.
Eucaristia da Pastoral Penitenciária evidenciou que a fé pode ajudar reclusos