© Samuel Mendonça
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Teodomiro Neto, numa conferência no âmbito do centenário do nascimento de Maria Campina que se assinala este ano, explicou como é que a pianista algarvia se tornou num dos expoentes máximos da cultura algarvia e nacional no século XX.

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No passado dia 6 deste mês, na Biblioteca Municipal de Faro António Ramos Rosa, o historiador disse ter conhecido Maria Campina nos seus tempos de juventude através das notícias dos seus concertos publicadas pelo semanário Jornal do Algarve. “Verdadeiramente, conheci-a em 1974, quando a minha filha mais velha passou a frequentar a classe de ballet [do Conservatório Regional do Algarve]”, precisou, lembrando que em 1978 chegou o dia em que lhe pediu que lhe concedesse uma entrevista.

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“Encontrei 157 artigos sobre Maria Campina em jornais regionais, nacionais e internacionais. Era, sem dúvida, uma figura muito interessante para os jornalistas”, afirmou Teodomiro Neto, lembrando que “todos os jornais portugueses destacavam a grande mulher e grande pianista” e que muitas outras figuras da música achavam-na a “grande revelação do piano dos anos 30 ou 40”.

“Porque é que o Conservatório Nacional rejeitou esta figura e esta aluna que ganhou os prémios todos que até hoje nenhuma ganhou? Porque era uma mulher independente da cultura”, explicou, lembrando que a pianista foi conotada pelo regime político da altura como uma “mulher política da cultura” e o “governo não aceitava mulheres que não fossem submissas”.

Teodomiro Neto lembrou que em 1945 Maria Campina decide deixar Portugal continental, seguindo para a Madeira, onde cria uma escola de música e faz “imensos concertos” até que uma figura da música mundial, o maestro alemão Reynald Wolf, de passagem pela Madeira ouve-a no Teatro Municipal do Funchal e convida-a a concorrer ao Prémio Mozart em Salzburg (Áustria). “Ela concorre ao prémio pianístico – na altura o maior do mundo – e sai vencedora, também da opinião dos críticos da altura”, lembrou o conferencista, acrescentando que “Maria Campina deixou a Áustria aos seus pés”.

O historiador lembrou que a pianista passa a dar concertos em toda a Europa e é obrigada a deixar a sua escola no Funchal. “Quando chega a Lisboa, depois de percorrer a Europa, Salazar convida-a para entrar no Conservatório. Olhem o descaramento! Rejeitando-a sempre, convida-a. E ela na sua elegância e diplomacia diz que não pode porque a sua agenda de concertos era muito grande. E era verdade”, contou, lembrando a contraproposta de Maria Campina: “Senhor presidente do conselho, abra concurso”.

Lembrando que a pianista, convidada para tocar pela rainha Isabel II em 1956, vai também à África do Sul e a Moçambique, Teodomiro Neto explicou que Maria Campina cria uma “associação pró-arte” que vai atuar de norte a sul de Portugal. “António Ferro, o homem mais culto do governo de Salazar, acompanha-a”, disse.

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Teodomiro Neto frisou que a fundadora do Conservatório Regional do Algarve “lutou imenso” para conseguir aquela obra. “O governo de Salazar nunca admitiu mas o de Marcelo Caetano, aceitou-a”, afirmou, lembrando que “em 1952, Marcelo Caetano não lhe faz a vontade completa”. “Ela gostaria de um conservatório oficial mas Veiga Simão [na altura, ministro da Educação Nacional] dá-lhe um alvará e mais nada. Ela não desistiu e, com o papel na mão, veio para Faro para construir o conservatório”, complementou, lembrando o papel do benemérito Sande Lemos, que tinha comprado o Teatro Lethes, e que o pôs à disposição da pianista para que ali nascesse em 1972 o desejado conservatório.

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O orador, que lembrou que a pianista foi condecorada pelo Presidente da República, Ramalho Eanes, em 1979, reforçou ainda a faceta solidária da artista, oriunda de uma “família tradicional católica” que disse ter perdido a fé em Lisboa “porque a Igreja era excessivamente política”. “Maria Campina percorre o Algarve inteiro. As autoridades gostavam muito dela e respeitavam-na muito. Em todos estes espetáculos ela cobra dinheiro e depois passa o cheque a associações que tinham falta dele”, contou, lembrando que em 1980 a pianista é convidada a ir uma escola de Faro para ajudar a recuperar uma criança atingida pelo flagelo da droga. “Maria Campina ofereceu-se para que a criança fosse para a escola [de música] dela”, destacou, sublinhando que a pianista “nunca foi mãe, mas foi «mãe» dos filhos das outras mulheres”. “Maria Campina não teve filhos. Morreu na falta desse sonho de não ter sido mãe”, complementou.

Teodomiro Neto lembrou que a pianista que nasceu em Loulé a 18 de janeiro de 1914 e faleceu no dia no dia 26 de fevereiro de 1984 com 70 anos, já em 1968 sofria com uma “artrose aguda” nos dedos.

A conferência, que contou com a presença da diretora regional da Cultura no Algarve, Alexandra Gonçalves, do vice-presidente da Câmara de Faro, Paulo Santos, e da diretora da Biblioteca Municipal de Faro, Sandra Martins, terminou com a projeção de uma passagem teatral sobre a pianista, realizada em 2007 no Teatro Lethes.