O projeto de voluntariado missionário de curta duração para membros adultos da família espiritana, levado a cabo no Brasil entre 6 e 28 de setembro do ano passado pelos missionários do Espírito Santo (espiritanos), contou com três participantes do Algarve.

Marita Alexandre, da paróquia de São Brás de Alportel, e o casal Luís Brás e Marlene Pereira, residentes em Moncarapacho, foram os algarvios a participar na iniciativa, intitulada ‘Missão Cor Unum’ (Um só coração), que teve lugar na Diocese de Ponta de Pedras, no estado do Pará, na zona norte do país, contida na região amazónica.
A missão, que teve a sua génese dentro do projeto ‘Abraçar a Missão’, contou com dois sacerdotes – o padre Hugo Ventura, espiritano, e o padre Paulo Antunes, sacerdote diocesano do Patriarcado de Lisboa – e nove leigos, entre os quais dois casais, num total de 11 participantes com idades compreendidas entre os 28 e os 53 anos, oriundos desde o Algarve a Ponte de Lima. Segundo o padre Hugo Ventura, pessoas com “percursos de fé diferentes”, desde “gente muito comprometida dentro das comunidades, que há muitos anos dá muito de si” e “outros que ainda estão a começar uma caminhada de despertar para a fé”.
Os voluntários eram também provenientes das mais diversas áreas, incluindo uma engenheira química, uma gestora empresarial, uma médica veterinária, um tripulante de ambulâncias, dois enfermeiros, uma técnica de informática e uma executiva da ‘Sol sem Fronteiras’, a associação parceira dos missionários espiritanos no projeto.

A Diocese de Ponta de Pedras, que tem como bispo o espiritano D. Teodoro Tavares, é beneficiária do Projeto ‘Rádios Educativas’, apoiado pela família espiritana através das suas campanhas de solidariedade e a missão visou precisamente levar apoio financeiro àquelas emissoras e também fazer formação de lideranças.

A especial importância das rádios para estas comunidades é determinada pela geografia da região da ilha do Marajó, o maior arquipélago fluvio-marítimo do mundo, banhado por águas do rio Amazonas e do rio Pará, e por águas do oceano Atlântico, habitando nele mais de mais de meio milhão de pessoas. As quatro rádios abrangidas pelo projeto estão localizadas na bacia hidrográfica do Tocantins, com muitos rios de planície, muito caudalosos e propícios à navegação, o que faz com que a população se tenha fixado em várias comunidades ribeirinhas do interior. Uma vez que a locomoção para as cidades é feita obrigatoriamente de barco, existem muitas comunidades de acesso limitado.

É nesse sentido que a rádio se torna num elemento muito importante para o dia-a-dia dos seus habitantes, para a sua formação, informação e para a coesão das comunidades. “O telemóvel, na maior parte do território daquela região, não funciona. Mesmo o telefone fixo não existe”, contou o padre Hugo Ventura na assembleia diocesana deste ano da Liga Intensificadora da Ação Missionária no Algarve, acrescentando que o apoio financeiro serviu sobretudo para a “compra de alguns equipamentos e renovação de outros”.

Após a necessária preparação de fevereiro a agosto de 2022, com um retiro e cinco encontros mensais, todos eles com duração de um fim de semana, os missionários chegaram a Belém, capital do Pará, onde ficaram uma semana e na semana seguinte foram para a ilha do Marajó. Depois estiveram um fim de semana em Ponta de Pedras, um dos municípios daquela ilha, e o restante tempo em Cachoeira do Arari, outro município do mesmo arquipélago.
Foi precisamente na paróquia de Cachoeira do Arari que tiveram “duas semanas intensas de trabalho, de visita às famílias, de celebrações e de visita às comunidades do interior”, conta o padre Hugo Ventura. “Uma das coisas em que apostámos muito foi a visita às famílias, aos doentes, aos idosos. O facto de termos uma equipa alargada também permitiu termos um alcance maior junto das pessoas”, explicou o sacerdote, acrescentando que “são comunidades onde os leigos têm um papel essencial”. “A maioria do trabalho, das celebrações, das festas, da catequese e de tudo o que acontece está nas mãos dos leigos. Os padres vão ajudando de vez em quando. Conseguimos, durante aqueles dias, incentivar tudo aquilo que já é feito naquela paróquia”, testemunhou, acrescentando: “havia muitas distâncias, mas acima de tudo descobrimos um povo com uma fé imensa e com uma capacidade de recolhimento incrível”.

Marita Alexandre explica ao Folha do Domingo ter sido na quinzena na Cachoeira do Arari que conseguiram visitar mais comunidades ribeirinhas ou do interior. Aquela administrativa na Universidade do Algarve conta que a formação de lideranças incidiu principalmente nas áreas da saúde, da educação e da pastoral. O trabalho foi sobretudo realizado com crianças, jovens, casais e idosos.
Aquela missionária algarvia testemunha que se propôs àquela experiência para realizar o sonho da filha, membro do grupo de Jovens Sem Fronteiras de Fronteiras (movimento ligado aos missionários espiritanos) da paróquia de São Brás de Alportel, falecida inesperadamente em 2020. A voluntária faz um “balanço positivo” do que diz ter sido uma “maravilhosa aventura”. “Gostei muito. Vim mais rica”, refere, considerando ter aprendido a valorizar o que tem. “Eles têm tão pouco, conseguem viver tão felizes e dão tanto”, sustenta, manifestando “vontade de voltar a fazer” nova experiência missionária. “Se surgir, penso com muito carinho em voltar a fazer outra vez porque gostei muito de poder ajudar”, garante.
Amigos de Marita, Marlene Pereira e Luís Brás, explicam que também o voluntariado missionário era algo que queriam realizar “já há algum tempo”. “Já andávamos à procura e já tínhamos contatado outras instituições que realizam este tipo de missões. Entretanto, surgiu esta hipótese, através da Marita, e foi nesse contexto que acabámos por fazer a nossa candidatura”, conta Marlene Pereira.

Aquela voluntária acrescenta o “fator principal” que levou o casal a inscrever-se. “Foi a possibilidade de conseguirmos dar um bocadinho de nós a comunidades que não têm aquilo que nós acabamos por ter”, concretiza, reconhecendo que partiram “com muitas expetativas”. “O que encontrámos e aquilo que mais nos motivou foi a importância da nossa presença para aquela comunidade. Conseguimos perceber como realmente era importante para eles estarmos lá e desenvolvermos os objetivos aos quais nos propusemos”, desenvolve a enfermeira casada com um tripulante de ambulâncias do INEM.
A missionária diz terem entendido “o quanto é importante para aquela comunidade” a existência das rádios locais, “visto que grande parte dela vive isolada” e garante que “o balanço final foi positivo” e que “valeu a pena”.

A voluntária entende ainda que a experiência foi uma “mais-valia” do ponto de vista pessoal porque também possibilitou “um crescimento, uma aprendizagem e uma troca de experiências com uma cultura diferente”. O casal de missionários destaca ter conseguido adaptar-se ao grupo para trabalhar em prol da comunidade. “Conseguimos tratar muitas lacunas na área da saúde e se, um dia mais tarde, houvesse uma missão só nessa área acho que aquela comunidade teria muito a ganhar porque há muitas falhas e nós poderíamos ser uma mais-valia”, referem, admitindo a possibilidade de poderem vir a participar noutra experiência do género, caso se identifiquem com os objetivos, porque gostam de “ajudar a comunidade”.
Do ponto de vista espiritual, o casal – que se considera cristão, mas não de prática regular – refere que o projeto “ajudou a compreender algumas coisas”. Marlene Pereira, natural de Lamego mas residente há muitos anos no Algarve, lembra que chegou a fazer catequese e a integrar o Agrupamento de Escuteiros em Tavira.

O padre Hugo Ventura explica que num projeto missionário desta natureza “há um acompanhamento de tudo aquilo que é o investimento e as despesas feitas no terreno”. “Quando se monta um projeto destes, é acompanhado e depois há uma prestação de contas no final”, garante.
Os voluntários reuniram-se o mês passado para avaliar a missão. “A grande questão é: «E agora?»”, refere o padre Hugo Ventura, considerando que “ir é muito bonito, mas a questão que deve ser a grande inquietação é: «Foste, viste, ouviste e tens de contar, mas o que é que isso vai transformar a tua vida?»”. “Aquilo que a gente deseja e espera é que as pessoas sejam capazes de se comprometer mais, de serem melhores cristãos, de estarem mais envolvidos nas comunidades, apoiando a família espiritana, sendo mais disponíveis”, complementou.
O padre Hugo Ventura adianta que a próxima edição, cujo destino ainda não está definido, realizar-se-á em 2024, mas as candidaturas serão feitas durante este ano, sendo que “o destino ainda não está definido”. “Gostaria que pudéssemos continuar a ter gente da Diocese do Algarve”, acrescentou.