O projeto nacional que tem vindo ao longo dos últimos três anos a trabalhar os temas da afetividade e sexualidade no contexto do programa educativo do Corpo Nacional das Escutas (CNE) foi ontem à noite apresentado no Algarve.
Na sessão de apresentação do ‘Entre Linhas’ — que teve lugar no Centro Pastoral de Pêra com a participação de 31 dirigentes de diversos agrupamentos, incluindo o chefe regional João Ramalho, e do assistente regional, o padre Rui Fernandes, — foi dito que “o CNE não pode ser indiferente às questões da afetividade e da sexualidade” e “não pode continuar a trabalhá-las nas entrelinhas” porque o assunto “mexe com o núcleo da condição humana”.

Juan Ambrosio, que integra a equipa nacional do projeto criado em 2020 pelo CNE, tendo como parceiros a Universidade Católica Portuguesa (UCP) e o Secretariado Nacional da Educação Cristã (SNEC), explicou que aquelas questões, sendo uma realidade na vida dos jovens e dos dirigentes do movimento escutista, “eram discutidas (e tantas vezes continuam a sê-lo) entre linhas, ou seja, sem se falar abertamente nelas, dizendo muitas vezes entre linhas aquilo que não se podia dizer, que não se queria dizer ou que se tinha medo de dizer abertamente”.
“Queremos trazer essas entrelinhas para cima, para que elas possam ser explicitadas e faladas e essas três linhas, que são as que constituem o projeto, são as três que constituem também a condição humana: o ser humano é biologia e psicologia, mas é também cultura e graça”, explicou, exortando a “pensar a afetividade e a sexualidade sem prescindir da biologia, da psicologia, da cultura, da graça”. “Um exercício de reflexão que prescinda destas dimensões não faz todo o percurso e deixa de fora algumas das dimensões constitutivas da condição humana”, advertiu.

O teólogo da equipa da assistência nacional do CNE, que no ‘Entre Linhas’ fez a ponte entre o CNE e a Faculdade de Teologia da UCP, alertou que “a condição humana diz-se também a partir da afetividade e da sexualidade”. “Se quisermos verdadeiramente trabalhar, educar e formar o ser humano, não podemos prescindir de nenhuma das linguagens com que se diz a condição humana. Neste jogo educativo não podemos correr o risco de haver dimensões que não tocamos porque não nos sentimos confortáveis com elas, porque não temos competências ou porque são terrenos pantanosos”, considerou, acrescentando que a afetividade e sexualidade também são parte da “obra criada por Deus”.

Aquele responsável deixou claro que a publicação em setembro do ano passado do posicionamento institucional que resultou do trabalho realizado no âmbito do projeto “distancia-se da ideologia do género”, citando até o Papa Francisco, mas advertiu não ser possível “responder a uma ideologia do género com uma ideologia de sinal contrário”. “A ideologia do género diz que a identidade pessoal é só resultado da cultura, mas nós não podemos responder a isso dizendo que a identidade pessoal é só resultado da biologia porque ela é sempre na condição humana resultado dessas duas coisas e da graça que brota do encontro com Jesus Cristo. Não é a resposta dizer que nestas questões da identidade só vale o dado biológico, mas também não é resposta dizer que podemos prescindir do dado biológico”, desenvolveu, considerando que “a identidade pessoal é no ser humano o entretecer destas três dimensões”.
Ambrosio acrescentou, então, que “o papel do adulto e educador no CNE” é “ajudar as crianças e os jovens a fazer esse itinerário e a construir o projeto de vida”. “Perceber que a construção do projeto de vida não é o que é que me apetece e o que é que é melhor para mim. Não prescinde disso, mas que se abra a outras dimensões como o que é que é melhor para todos nós, a questão do bem comum e do cuidado dos outros”, completou, exortando os dirigentes a ajudar os jovens a “fazer um projeto de vida integrando todas estas dimensões”.

O formador considerou que “também para as questões da afetividade e sexualidade a proposta cristã tem de ser convocada”. “Não podemos pôr a fé entre parêntesis em coisas que consideramos essenciais e que mexem com toda a nossa existência. Isso é privar a fé de se poder enriquecer com vida e privar a vida é poder enriquecer com a fé”, alertou.
Nesse sentido convocou os chefes escutistas para “ajudar, acompanhar com propostas e também com a proposta do Evangelho, ajudando a crescer com seriedade e maturidade”. “É esse é o papel do dirigente do CNE. Temos de nos munir das competências necessárias para sabermos fazer o acompanhamento também a este nível porque há enormes desafios e enormes armadilhas às quais temos de estar atentos”, continuou, apelando ao “bom senso”. “Temos de ter as competências e as ferramentas necessárias para identificar o problema e depois saber lidar com ele, mas não levantá-lo onde ele não existe”, concretizou.

Juan Ambrosio disse não ser a orientação sexual que define o perfil de um dirigente do CNE. “O que define o perfil da pessoa para ser um bom ou mau dirigente são outras categorias. Não é por ser heterossexual à partida que tem as qualidades, nem é por ser homossexual à partida que não as tem. Procuremos um perfil de dirigente do CNE que tem de ser maduro do ponto de vista cristão e humano”, pediu.
Henrique Matos explicou que o projeto não resultará na edição de um manual de boas práticas. “Esta temática é muito difícil compaginá-la num conjunto de regulamentos ou regras porque cada realidade é distinta e cada circunstância é muito específica”, constatou.

Aquele membro da equipa nacional do ‘Entre Linhas’ alertou para a necessidade de estudo daqueles temas e de “aprendizagem de realidades que habitualmente eram olhadas com preconceito”. O dirigente do CNE informou ainda que o sítio do projeto na internet — https://entrelinhas.escutismo.pt — não dá apenas acesso ao documento de posicionamento, mas também disponibiliza a “síntese da escuta de especialistas da área científica, do direito, da psicologia e da medicina”, bem como “materiais pedagógicos, atividades para os jovens, alguns jogos para utilizar nas diferentes secções, alguns materiais formativos e alguma bagagem intelectual” para ajudar a criar “um saber agir mais sólido e fundamentado nestas matérias”.
Os dirigentes algarvios ontem presentes foram divididos por cinco grupos para refletir como é que o método escutista pode lidar com as questões da afetividade e da sexualidade e para sugerir chaves de leitura daquelas dimensões.

A sessão de apresentação daquele projeto, que entre os especialistas ouvidos auscultou também o sacerdote algarvio António Manuel Martins, professor da Faculdade de Teologia da UCP, contou também com a presença da dirigente algarvia Filipa Brás, membro da equipa nacional do ‘Entre Linhas’.
O projeto, que agora será concluído, contou ainda com a parceria do Movimento Scouts Católico de Espanha, do Comité Europa-Mediterrâneo da Conferência Internacional Católica do Escutismo e com o financiamento da Fundação Porticus.