A Santa Casa da Misericórdia de Portimão iniciou há cerca de dois anos um serviço de apoio psicológico para os utentes idosos que ganhou novo protagonismo neste tempo de pandemia.

Assegurado pelas duas psicólogas da instituição, uma ligada ao Complexo Social e outra às duas Unidades de Cuidados Continuados Integrados (UCCI), o projeto começou por ajudar os utentes que viam a sua rotina ou as dinâmicas familiares alteradas por algum acontecimento inesperado. “É normal haver, por exemplo, alguma sintomatologia depressiva, alguma ansiedade face às mudanças e a intervenção é muito nesse sentido de tentar perceber a pessoa e de ver de que forma é que se pode ajudá-la a adaptar-se à sua nova realidade”, contou ao Folha do Domingo a psicóloga Sara Valadas.

A técnica, que trabalha nas UCCI daquela instituição, explicou que os sintomas podem ser despoletados, por exemplo, por uma queda que dá origem a uma fratura ou por um AVC de que os idosos sejam vítima.

Para além disso, o serviço de apoio psicológico já assistia os “utentes com algumas dificuldades cognitivas”, provocadas também por demências, ou com patologias que já traziam, procurando intervir “não só com o utente, mas também com a família”. “Explicar o que é a demência, o que é que implica, quais as dificuldades que pode esperar e o que é que deve adaptar em casa e, muitas vezes, explicar que o idoso pode não voltar a conseguir estar sozinho em casa ou tomar decisões de coisas importantes na sua vida” são, segundo Sara Valadas, os propósitos do trabalho com os familiares.

A psicóloga esclarece que neste momento a “sintomatologia depressiva” dos utentes prende-se, sobretudo, com o afastamento dos familiares provocado pela pandemia. “É o filho ou a filha que nunca mais o vem ver”, lamenta, lembrando que “todo o contacto familiar, pelo menos presencial, é limitado”, contrariamente ao que acontecia antigamente em que podiam acompanhar o processo de recuperação dos utentes.

“Estar afastados de referências familiares afetivas pode fazer com que se manifestem algumas alterações que talvez em casa não se manifestassem tanto, mas depende da demência em si, da patologia e de muita coisa”, considera, explicando que para tentar minimizar as consequências do afastamento “tenta-se fazer o máximo possível por videochamadas, por chamadas de telefone ou ir à varanda, se for preciso, para manter o mais possível o contacto”.

“Mas é diferente. Não há beijos, não há abraços neste momento. Portanto, é normal que os nossos idosos sintam a falta e, muitas vezes, se sintam tristes por isso”, refere, acrescentando que tem “feito um esforço para tentar perceber quais os idosos que podem estar a ser mais afetados”.

O provedor João Amado e a psicóloga Sara Valadas
Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Para tentar minimizar as consequências desta situação, a instituição adquiriu equipamentos eletrónicos que permitem o contacto entre utentes e familiares por via digital. “Comprámos tablets e alterámos a própria disponibilidade das linhas telefónicas, aumentando a capacidade, promovendo o contacto através dos tablets e dos computadores”, explica o provedor.

João Amado acrescenta que, “na fase mais aguda” da pandemia, a instituição contactou os familiares para saber se “queriam e tinham disponibilidade para ir buscar os seus pais e avós”. Apenas “menos de 5%” o conseguiu fazer. “A disponibilidade das pessoas para cuidar dos seus foi desaparecendo”, constata, reconhecendo que “muito poucas famílias poderão, de um momento para o outro, arranjar condições para cuidar dos familiares”. “Imagine-se, nesta altura, com a dificuldade que as famílias já têm com os seus rendimentos, o que seria o marido ou a mulher deixarem de trabalhar para ficar em casa a cuidar dos pais”, prossegue.

Aquele médico de profissão realça que, para os idosos com limitações cognitivas, demências e doenças neurodegenerativas, o contexto “é mais dramático ainda porque não conseguem perceber o que é que se passa”. “No meio da demência, os utentes não têm, muitas vezes, a perceção do que se passa à volta deles. É uma tristeza para alguém que tem uma vida ativa, de repente, ver-se privado de tudo”, refere.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Aquele responsável considera que os idosos institucionalizados estão em “prisão domiciliária”, mas lembra que a “sensação de isolamento, solidão e depressão” não atinge apenas estes. “E os que estão em casa e que estavam dependentes dos vizinhos e dos amigos, nem que fosse para descer as escadas e ir beber um café? Esses também estão há muitos meses retidos”, lembra, lamentando que “facilmente” se prescreva antidepressivos a estas pessoas “a quem não se reconhece o direito à tristeza”. “Porque é que um idoso não há-de estar triste? Está sozinho, já lhe morreu o companheiro de vida, morreu-lhe um filho, o outro está em Inglaterra. A solução é dar-lhe um antidepressivo? É a solução mais fácil e aquela que também nos tranquiliza a todos”, critica.

O provedor garante assim que as psicólogas têm agora “muito mais trabalho” do que tinham no passado, até porque, para além dos utentes e das famílias, têm acompanhar “os próprios profissionais, que têm medo”. “No início houve sobrecarga de horas de trabalho e houve uma aceitação muito grande por parte das pessoas que trabalham. Todos estiveram empenhados em ajudar”, justifica, explicando que, apesar dos “turnos de 12 horas todos os dias, durante 15 dias, ninguém fugiu”. “As nossas psicólogas, neste momento, têm muito que apoiar os colegas”, constata.

A Misericórdia de Portimão tem cerca de 400 utentes, 200 funcionários e um “número flutuante” de prestadores de serviços. Com um orçamento anual de cerca de 4 milhões de euros, integra as valências apoio domiciliário, centro de dia (convertido neste momento como apoio domiciliário), duas ERPI – Estruturas Residenciais para Idosos (lares), creche e pré-escolar, sala de estudo, cantina social, duas UCCI (uma de convalescença e outra de média duração) e é detentora maioritária do Hospital de São Camilo.